Felicidade sustentável
Só
teremos um modelo de desenvolvimento sustentável, se houver ampla
reflexão sobre a felicidade e do que precisamos para sermos felizes
A
maioria dos cientistas e dos indicadores nos mostra que o atual modelo
de desenvolvimento está esgotando os recursos naturais, aquecendo o
planeta, dizimando a biodiversidade, derrubando nossas florestas,
transformando terras férteis em desertos, poluindo o ar e as águas,
aumentando a desigualdade, incentivando o desemprego e os empregos
precários, fomentando a competição e a violência, solapando a democracia
e a confiança nas instituições e nos governos e piorando a qualidade de
vida, no campo e nas cidades.
Foi
vendida a ideia de que o caminho da felicidade passa pelo consumo, pela
aquisição da roupa de grife, do carro do ano, do último modelo de
celular ou do eletrodoméstico. É o consumo e o acúmulo de bens sem
limites e nunca saciados que propulsionam esse modelo suicida de
desenvolvimento.
A Rede
Nossa São Paulo desenvolveu o Irbem (Indicadores de Referência de
Bem-Estar nos Municípios) para avaliar a qualidade de vida nas cidades.
Para montar os indicadores, perguntou aos habitantes quais seriam os
itens importantes para sua qualidade de vida.
A
maioria respondeu que a felicidade é ter uma boa, carinhosa e fraterna
convivência com a família, os amigos e a comunidade; uma relação amorosa
saudável; equilíbrio entre trabalho e vida pessoal; acesso à educação e
transporte público de qualidade; proximidade da natureza; frequentar
cinema, espetáculos, teatros e museus; hospital e posto de saúde perto
de casa; melhor convivência com animais; vida espiritual rica; prática
de atividades físicas; ações comunitárias e a chance de viver numa
sociedade solidária e segura (veja a pesquisa completa em www.nossasaopaulo.org.br).
É
claro que condições materiais razoáveis de vida são importantes, e é
fundamental que as políticas públicas objetivem proporcionar essa
realidade para todos. Mas centrar a felicidade no consumo e no acúmulo
de bens é insustentável.
Ao
olhar todos os apelos que hoje relacionam consumo à felicidade, é de se
perguntar: como fizeram antigas gerações, antes de todas essas
invenções, para serem felizes? Como fazem as pessoas sem carros ou sem
últimos modelos para serem felizes? Por que muitas pessoas que têm todos
esses bens são infelizes?
Em
vez de promovermos investimentos e empregos em atividades artísticas,
culturais e educacionais que favoreçam a saúde e o bem-estar; apoiem
idosos, pessoas com deficiência, crianças e populações menos
favorecidas; priorizem o transporte público de qualidade; preservem a
natureza e apostem na pesquisa médica e no desenvolvimento de energias
sustentáveis, concentramos nossos esforços em produzir bens de consumo
que rapidamente tornamos obsoletos para podermos, enfim, consumir suas
novas versões.
Só teremos
um modelo de desenvolvimento sustentável que preserve o planeta, reduza a
desigualdade e promova a paz, a solidariedade e a qualidade de vida das
pessoas e das futuras gerações, se houver uma ampla reflexão pessoal e
coletiva sobre a felicidade, sobre o que realmente precisamos para
sermos felizes. E se essa reflexão pautar a vida das pessoas, empresas,
instituições e governos.
ODED GRAJEW, 69, é
coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do
Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da
Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (governo
Lula)
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