Petrobras tem pior situação da década
Por Cláudia Schüffner e Fernando Torres | Do Rio e de São Paulo
Enquanto
o governo ainda analisa a nova fórmula de reajuste dos combustíveis
proposta pela Petrobras, deixando cada vez mais claro o embate existente
entre a diretoria da estatal e o Ministério da Fazenda sobre os
reajustes daqui para frente, uma análise dos principais números da
Petrobras mostra que a empresa não pode esperar muito mais. Três anos
depois da capitalização de R$ 120 bilhões, o efeito positivo de redução
do endividamento da companhia na época já se desfez e a situação
financeira é a pior em mais de uma década.
A
produção de petróleo, que chegou a média de 2,021 milhões de barris/dia
em 2011, vem patinando desde então e até setembro deste ano tinha caído
para 1,921 milhão de barris/dia. Como os investimentos se mantêm bem
acima da geração de caixa, a dívida líquida aumenta trimestre a
trimestre, saltando mais de R$ 135 bilhões desde a capitalização, para
R$ 193 bilhões em setembro, sendo R$ 45 bilhões com o BNDES e outros R$
20 bilhões divididos entre Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Na
outra ponta, desde o aumento de capital, o valor de mercado da
companhia caiu 30%, de R$ 373,8 bilhões em setembro de 2010 para R$
263,3 bilhões em setembro deste ano.
A
alavancagem começa a comprometer o grau de investimento da estatal,
obtido em 2005. E, por isso, cada vez mais é mencionada a necessidade de
novo aumento de capital, o que é altamente improvável do ponto de vista
prático, pelo menos no curto prazo, até porque exigiria uma nova lei
que teria que ser votada no Congresso Nacional. A saída urgente, agora,
na avaliação da própria empresa, de analistas e observadores ouvidos
pelo Valor,
com a condição de não terem os nomes informados, é adotar a fórmula
pretendida pela companhia que permita maior previsibilidade dos
reajustes de preços. Já não há como ignorar que as importações e vendas
com preço subsidiado estão sangrando as contas da estatal a níveis
preocupantes. Na semana passada, a defasagem dos preços no Brasil
comparados aos praticados no mercado americano estava em 13% na gasolina
e 16,5% no diesel.
Uma
observação dos indicadores da Petrobras nos últimos 19 anos mostra que a
situação financeira da estatal atualmente se compara apenas com aquela
vista no fim da década de 1990, quando o tamanho era metade do atual em
termos de produção e a cotação do petróleo oscilava em média abaixo de
US$ 20, ante os mais de US$ 100 atuais. Desde aquela época, a margem
bruta da companhia não caía abaixo de 30% e nem a margem líquida se
mostrava inferior a 10%, como ocorreu em 2012 e se repete até setembro
de 2013 - mesmo com a adoção da contabilidade de hedge, que minimizou o
impacto do câmbio na última linha do balanço.
Em
termos de endividamento, a relação entre a dívida líquida e o
patrimônio líquido da estatal, que atingiu 56,24% em setembro, também é a
maior desde 1999, ano da maxidesvalorização do real, quando fugiu
totalmente da curva e alcançou 75,8%. Quando é medida a relação entre a
dívida e o lucro antes de juros antes de impostos, depreciação e
amortização, o índice subiu de 1,6 vezes antes da capitalização para
3,25 vezes em setembro.
Um
estudo da economista Paula Barbosa sobre o endividamento da Petrobras
mostra que nos últimos seis anos as dívidas saltaram de 0,62% do PIB
para o patamar de 2,98% em 2012, um crescimento de 2,36 pontos de
percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), ou 483% em termos reais.
Quem
não acompanha a companhia de perto pode questionar como é possível
mesmo após o aumento de capital de R$ 120 bilhões realizada em 2010, com
a injeção de mais de R$ 40 bilhões em dinheiro. Mas o fato é que o
recurso que entrou no caixa já foi todo alocado em investimentos e a
diferença de cerca de R$ 80 bilhões - pagas ao governo pela cessão
onerosa de 5 bilhões de barris do pré-sal - ainda não gerou um centavo
de lucro para a companhia.
Defasagem dos combustíveis é uma das explicações para a piora nas margens bruta e líquida e rentabilidade
Como
resultado, a situação da Petrobras hoje é praticamente a mesma de 2010.
"Com a diferença que não tem [possibilidade] de trucagem desta vez. Não
vejo possibilidade de outro aumento de capital pois o dinheiro do
investidor estrangeiro não virá. O preço (da ação) está a metade do que
estava naquela época e eles não entregaram o que prometeram. O plano era
o governo colocar barris, a Petrobras ia investir e o investidor
entrava com dinheiro", disse uma fonte.
Segundo
essa fonte, a única saída agora é adotar uma fórmula de reajuste
"decente", que permita diminuir o "gap" entre os preços domésticos e os
internacionais, de modo a reduzir a alavancagem e permitir que a
companhia consiga se financiar levantando dívida. "No resto, é rezar
para o dólar não ir para R$ 3, porque senão volta para aquele cenário de
desastre de agosto", prevê a fonte, referindo-se às perdas da companhia
provocadas pelo aumento do consumo somada à forte desvalorização do
real naquele mês.
A
defasagem no preço dos combustíveis, que obriga a estatal a importar
diesel e gasolina por um valor acima do que vende para as
distribuidoras, certamente é uma das principais explicações para a piora
nas margens bruta e líquida, e também para a minguada rentabilidade
sobre o patrimônio líquido da companhia, que está próxima de 6% ao ano e
mal bate a inflação.
Em
qualquer conta que se faça nos últimos dez anos, a área de
abastecimento da Petrobras - que vende combustível refinado para as
distribuidoras - não agregou nem um tostão de retorno para o grupo. Pelo
contrário, acumula prejuízo. E nesse caso o governo tem
responsabilidade, já que na posição de acionista controlador vem usando a
estatal como instrumento de política monetária.
Ao
não garantir a paridade internacional dos preços dos combustíveis, na
prática a companhia hoje está desrespeitando três preceitos legais. O
primeiro é a Lei do Petróleo (9.478) que diz que os preços no Brasil são
livres; o segundo é o próprio estatuto da estatal, que diz, no artigo
33 que uma das atribuições da diretoria executiva é, entre outras,
aprovar "a política de preços e estruturas básicas de preço dos produtos
da companhia", mas na prática as decisões têm sido tomadas pelo
controlador. O terceiro preceito desobedecido hoje é a lei da livre
concorrência, que estabelece que vender produtos abaixo do preço de
custo configura "dumping". Não que a atual prática pareça ser uma
escolha da diretoria.
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