terça-feira, 26 de novembro de 2013

REVISTA ÍNTIMA & PRERROGATIVA DA ADVOCACIA: Advocacia portuguesa acusa juízes de humilhar advogada.

Revista íntima

Advocacia portuguesa acusa juízes de humilhar advogada

Uma advogada em Portugal teve o seu escritório e sua casa revirados, foi levada até a delegacia, onde foi despedida, revistada e ficou presa durante a noite até que um juiz determinasse sua liberdade no dia seguinte. Tudo isso com base apenas em indícios e a partir de um mandado de prisão expedido por um promotor. Pelo menos, é isso o que alega a Ordem dos Advogados de Portugal, ao revelar o que chamou de mais um desrespeito aos profissionais da advocacia.
Portugal não é o único país a permitir que promotores também expeçam mandados de prisão. Ao todo, 11 países da União Europeia dão esse poder ao Ministério Público. O tema já foi até discutido pela Suprema Corte do Reino Unido, ao julgar o pedido de extradição de Julian Assange, fundador do Wikileaks. No Reino Unido, só um juiz pode determinar a prisão de alguém, mas a ordem de prisão de Assange foi dada por um promotor na Suécia.
Os abusos aos quais a advogada teria sido submetida vieram a público nesta quinta-feira (21/11), a partir de um comunicado divulgado pelo presidente da Ordem dos Advogados, o bastonário Marinho e Pinto. Tanto o nome da advogada como do promotor e juiz envolvidos foram preservados, apenas sabe-se que o caso aconteceu em Lisboa. Por causa disso, não é possível ouvir a versão das duas partes envolvidas. O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, onde parte dos abusos teria sido cometida, foi procurado pela Consultor Jurídico, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
De acordo com a história contada pela Ordem, a advogada está sendo acusada de extorsão. Ela, no entanto, não conhecia as acusações e não tinha sido ouvida até o momento da busca e apreensão e de sua prisão. Segundo Marinho e Pinto, policiais foram ao escritório e à casa da advogada num dia de manhã munidos de um mandado genérico. Apreenderam computadores que continham, inclusive, dados de todos os clientes da defensora, e pen drives. Na saída, carregaram consigo a advogada, que foi levada até uma delegacia.
Lá, a profissional foi obrigada a tirar toda a roupa e se agachar algumas vezes para que os policiais certificassem que ela não estava escondendo nada em suas partes íntimas. Ela passou a noite numa cela e, no dia seguinte de manhã, foi levada até o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa para se apresentar ao juiz responsável pelas investigações.
Ainda segundo relato da Ordem dos Advogados, a advogada foi transportada algemada na frente de todo mundo que estava no tribunal, teve de aguardar presa em uma sala e só foi ouvida pelo juiz no final da tarde. Depois do seu depoimento, o magistrado acabou determinando a liberdade dela por considerar que não havia motivo para ela responder às acusações atrás das grades.
O presidente da Ordem dos Advogados classificou o episódio como chocante e um exemplo da “leviandade, irresponsabilidade e impunidade com que atuam alguns magistrados judiciais e do MP”. No comunicado, Marinho e Pinto ainda levantou diversas perguntas para serem respondidas pela Justiça. Ele questionou por que a advogada foi humilhada e por que teve de ser presa e despida antes de conversar com um juiz.
“Se bastaram alguns minutos para um juiz de instrução, depois de ouvir a advogada, efetuar todas as ponderações necessárias a concluir que não se verificavam os requisitos para aplicação de uma medida de coação diferente do termo de identidade e residência por que é que a magistrada judicial que emitiu os mandados de busca e a magistrada do MP que emitiu o mandado de detenção sustentaram a existência desses requisitos?”, questionou.
Leia o comunicado em que Marinho e Pinto relata o episódio.
Máquinas de Humilhação
Uma Advogada com escritório em Lisboa foi, há cerca de um mês, alvo de buscas judiciais ao seu escritório e à sua residência por alegados indícios de prática de um crime de extorsão. As buscas, que se iniciaram cerca das 9 horas, foram levadas a cabo por uma juíza, uma procuradora e três inspetores da Polícia judiciária que apreenderam e levaram consigo dois computadores portáteis, duas PENs e ainda o computador do seu escritório (que continha a sua certificação digital e a relação de todos os seus clientes) bem como outro material e equipamento informático necessários ao exercício da Advocacia.
Mais uma vez um juiz de direito de um estado de direito emitiu mandados de busca ao escritório e à residência de um Advogado, praticamente em branco quanto ao seu objeto, pois que não identificavam os objetos ou documentos a apreender, limitando-se apenas a ordenar a apreensão «de elementos probatórios relativos à investigação em curso (…) e instrução do processo» e a permitir expressamente «a apreensão de ficheiros informáticos ou outros dados relevantes para a investigação e que se encontrem no local buscado», ou seja, efetuaram as buscas «no escuro» para ver se encontravam alguma coisa que fosse considerado de interesse para a acusação. Foi também efetuada uma busca ao automóvel da Advogada.
Após a realização das buscas, a Advogada foi levada, cerca das 14 horas, para as instalações da PJ onde permaneceu até às 17 horas, sem ser efetuada qualquer diligência, nomeadamente o seu interrogatório. De seguida conduziram-na para o Estabelecimento Prisional de Tires, onde foi integralmente despida para ser revistada, aliás, de forma humilhante, nomeadamente com agachamento. No dia seguinte, cerca das 11 horas, foi levada para o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, tendo ficado encarcerada nos respectivos calabouços até às 17 horas. Depois foi algemada e conduzida, através de espaços públicos do tribunal, à presença do Juiz de Instrução Criminal. De referir que nunca, antes, ela fora ouvida pelo MP ou pela PJ sobre os pretensos fatos ilícitos que lhe imputavam.
Interrogada pelo JIC, a Advogada explicou o que se passara, tendo o juiz afirmado que não havia indícios de crime por parte dela, que não havia perigo de fuga, que não havia perigo de continuação da atividade criminosa nem de perturbação do inquérito porque já teriam sido recolhidas todas as provas, pelo que ordenou a sua imediata libertação, aplicando-lhe, apenas, a medida de coação de termo de identidade e residência.
A detenção e a subsequente humilhação da Advogada em causa (obrigando-a a passar uma noite numa prisão, algumas horas nos calabouços de um tribunal e a ser conduzida algemada por espaços públicos do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa para ser presente a um Juiz mais de 30 horas depois de ter sido detida) foram originadas por um mandado de detenção emitido por uma Procuradora, no qual se considerava que estavam preenchidos os requisitos constantes da alínea c) do artigo 204º do Código de Processo Penal (perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguida, de continuação da atividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas).
Este caso é chocantemente revelador, no mínimo, da leviandade, irresponsabilidade e impunidade com que atuam alguns magistrados judiciais e do MP.
Se bastaram alguns minutos para um Juiz de Instrução, depois de ouvir a Advogada, efetuar todas as ponderações necessárias a concluir que não se verificavam os requisitos para aplicação de uma medida de coação diferente do termo de identidade e residência por que é que a magistrada judicial que emitiu os mandados de busca e a magistrada do MP que emitiu o mandado de detenção sustentaram a existência desses requisitos?
Por que é a Advogada em causa não foi presente ao JIC logo após a sua detenção?
Por que é que a Procuradora que ordenou a sua detenção nem sequer se dignou interrogar a arguida antes de a mandar para um estabelecimento prisional?
Por que é que ela ficou mais de trinta horas sob detenção sem ser ouvida por ninguém?
Por que é que teve de passar uma noite num estabelecimento prisional e ser revistada nua?
Por que é que teve de estar várias horas encarcerada nos calabouços de um tribunal?
Por que é que teve de ser algemada para ir à presença do Juiz de Instrução?
Será que em Portugal se pode continuar a humilhar assim, impunemente, os cidadãos e os Advogados sem quaisquer consequências?
O que é que valem as leis da República que proclamam os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos perante a arrogante arbitrariedade dos magistrados que as interpretam e as aplicam?
Será que alguns magistrados vão poder continuar a agir como mandadores sem lei, sem respeito pela dignidade humana, pelos direitos dos cidadãos e pelas imunidades legais e constitucionais dos Advogados?
Por que é que os mesmos fatos, com as mesmas leis, originam decisões tão contraditórias por parte dos Magistrados?
Por que é que, em Portugal, a investigação criminal mais parece, em alguns casos, uma tenebrosa máquina de humilhação de cidadãos e de Advogados?
Por que é que a investigação criminal se transformou, em alguns casos, numa engrenagem de agressão e de desrespeito pela dignidade da pessoa humana?
Quem permitiu essa terrível metamorfose do nosso sistema judicial?
Sei que estas perguntas não obterão respostas de ninguém, pois que o oportunismo corporativo de uns e a cobardia política de outros farão com que todos (responsáveis pelas magistraturas e dirigentes da República) assobiem para o lado, fingindo não se aperceberem da gravidade destes fatos.
Mas, mesmo assim, aqui fica mais esta denúncia pública, ao menos para que, doravante, eles não possam continuar a fingir que não sabem que o país sabe que eles sabem.
Lisboa, 21 Novembro 2013
A. Marinho e Pinto
(Bastonário)
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2013

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