SUCESSO RENOVADO, XI ELAT, EM MEDELLIN (Colômbia)
O Magistrado do Trabalho do TRT15, Dr. Helio Grasselli,
como conferencista do XI Elat, promovido pela ALAL discorre sobre a
penosidade do trabalho, no corte da cana de açúcar, em frigoríficos e na
colheita da laranja: “análisis de los fallos sobre canavieiros, fábricas de azúcar, frigoríficos y producción de naranja del Estado de São Paulo”.
CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAL NA COLÔMBIA, MEDELLIN
SUCESSO RENOVADO:
Terminou em 08.11.2013 o XI ELAT – Encontro Latino-Americano de
Advogados Laboralistas realizado na Colômbia, Medellin, com a
participação de representações de diversos países, não só da
América-Latina, mas também dos EUA e União Européia.
O
evento teve cunho social e multidiciplinário com a participação de
advogados, magistrados do trabalho, professores, dirigentes sindicais,
discutindo o Mundo do Trabalho frente à Crise Econômica e a Carta Sócio
Laboral da ALAL que objetiva a construção de uma sociedade planetária de
inclusão social, num mundo novo sem fronteiras e de direitos recíprocos
assegurados através de uma legislação supra-nacional tutelando
patamares civilizatórios de direitos que assegurem a efetividade da
dignidade humana.
Leia mais.
Del trabajo precario a la construcción de la dignidad de los trabajadores: análisis de los fallos sobre canavieiros, fábricas de azúcar, frigoríficos y producción de naranja del Estado de Sao Paulo. 06 de novembro de 2013. Medellin – Colombia. Hélio Grasselli. Juez del Trabajo. Brasil
Colheita manual de cana de açúcar
“No
que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um
dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de
ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto das
pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto
trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e
enfraquecer o corpo.” (Item 25 da Encíclica Rerum Novarum)
No
dia 08.10.2013, o TRT da 15ª Região, integrante do Poder Judiciário
brasileiro, através de sua 11ª Câmara, 6ª Turma, julgou em grau de
recurso o processo nº 0001117-52.2011.5.15.0081, no qual atuei como
Relator Designado, mantendo a sentença de primeiro grau proferida pela
Vara do Trabalho de Matão-SP, exceto quanto ao prazo de cumprimento da
obrigação, que foi ampliado para 180 dias. Eis a ementa do v. acórdão:
EMENTA:
“AÇÃO COLETIVA. INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CORTADOR DE CANA. PAGAMENTO POR
PRODUÇÃO. PROIBIÇÃO. SINGULARIDADE DA ATIVIDADE. POSSIBILIDADE. RESPEITO
À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. 1. O
Ministério Público do Trabalho, como é cediço, possui legitimidade para
tutelar interesses individuais homogêneos, além, obviamente, dos
difusos e dos coletivos. 2. In casu, não há de se falar em
interesse individual heterogêneo, tal como pretende a reclamada. O fato
de todos os trabalhadores serem cortadores de cana e receberem por
produção configura, indubitavelmente, a origem comum apta a ensejar a
aplicação do art. 81, §único, inc. III, do Código de Defesa do
Consumidor. O que se pretende, na verdade, é conferir nova nomenclatura a
instituto já definido pelo referido dispositivo legal. 3. A
proibição do pagamento por produção, no caso específico dos cortadores
de cana, é medida impeditiva de retrocesso social. Como é sabido, nesse
caso existe um estímulo financeiro capaz de levar o trabalhador aos seus
limites físicos e mentais para que, mesmo assim, aufira salário mensal
aviltante e incapaz de suprir as necessidades básicas próprias e as de
sua família. 4. Não se deve concluir pela proibição do pagamento
por produção para todas as profissões, mas tão somente para aquelas
cujas peculiaridades as tornem penosas, degradantes e degenerativas do
ser humano. É o caso dos cortadores de cana, embora não exclusivamente. 5. Deve-se
entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana remunerado por
produção não trabalha a mais porque assim deseja. Muito pelo contrário:
ele trabalha a mais, chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque
precisa. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela
sua necessidade de sobreviver e prover sua família. 6. A
dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, Fundamentos da
República Federativa do Brasil, devem impedir a manutenção de uma
situação que remonta aos abusos cometidos durante a 1ª Revolução
Industrial, de modo que a coisificação do ser humano que trabalha nos
canaviais é realidade que não se admite há muito tempo.(TRT15, 11ª C.,
j.8.10.13, proc.0001117-52.2011.5.15.0081, Rel. Hélio Grasselli)
Pois
bem! Visando o aumento da produtividade, no Brasil, 70% da colheita de
cana de açúcar é realizada por máquinas, restando 30% para o corte
manual.
No
setor canavieiro há cerca de 850.000 trabalhadores. De 6 toneladas na
década de 80, o trabalhador passou a cortar 12 toneladas de cana por
dia. O salário atual é em média de R$1.000,00 a R$1.200,00 por mês.
O cortador de cana Caminha 8.800 metros; despende 366.300 golpes de podão; carrega 12 toneladas de cana em montes de 15 kg em
média cada um, portanto, ele faz 800 trajetos levando 15 Kg nos braços
por uma distância de 1,5 a 3 metros; faz aproximadamente 36.630 flexões de perna para golpear a cana; perde, em média 8 litros de
água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte do
interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida
pela cana queimada, trajando uma indumentária que o protege, da cana,
mas aumenta a temperatura corporal.
A
fim de maximizar os lucros, atualmente as usinas de açúcar e álcool
procedem à seleção de trabalhadores mais jovens; à redução da
contratação de mulheres; à contratação de trabalhadores oriundos de
regiões mais distantes de São Paulo (Norte de Minas, Sul da Bahia,
Maranhão e Piauí); à contratação por período de experiência, onde os
trabalhadores que não conseguem atingir a nova média de produção, 10
toneladas de cana por dia, são demitidos antes de completarem três meses
de contrato.
Esse
novo proceder de algumas indústrias do setor, Acaba gerando fadiga nos
trabalhadores. A fadiga “é o efeito de um trabalho continuado, que
provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho”. Uma
pessoa fatigada tende a aceitar menores padrões de precisão e
segurança. Ela começa a fazer uma simplificação de sua tarefa,
eliminando tudo o que não for essencial. Os índices de erro e de acidentes começam a crescer.
As
condições precárias de trabalho do cortador de cana são agravadas pela
exposição ao sol e a temperaturas elevadas, bem acima dos níveis de
tolerância aceitáveis para o ser humano.
Nada obstante, no Brasil, ainda há resistências para o pagamento de um plus salarial pelo trabalho sem condições de conforto térmico.
A
fim de minimizar essas resistências, o Tribunal Superior do Trabalho no
Brasil – TST, pacificou sua jurisprudência no sentido de que:
ADIC. INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR
– Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao
trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar
(art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE). II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto
ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo
com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da
Portaria nº 3214/78 do MTE. (OJ-SDI1/TST-173)
Não
é a toa que o câncer de pele no Brasil apresenta índices bastante
elevados. Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o carcinoma
basocelular e epidermóide são os mais comuns e correspondem a 70% e 25%,
respectivamente, dos casos totais de câncer de pele.
As estimativas para 2012 foram de 62680 novos casos de câncer de pele em homens. Entre as mulheres, esse número é de 71490. (http://www.criasaude.com.br/N5902/doencas/estatisticas-cancer-de-pele.html)
O
calor excessivo tem sido preocupação constante também do Ministério
Público do Trabalho – MPT brasileiro. Outubro/2007. Em diligência
realizada pelos doutores Luís Henrique Rafael e Marcus Vinícius
Gonçalves, junto com o Grupo Móvel TEM, foi constatado que 09 cortadores desmaiaram
durante o corte de cana na região de Ibirarema (perto de Ourinhos).
Prontuários médicos desses trabalhadores relatavam TREMEDEIRA, CAIBRAS,
VÔMITOS, SUDORESE, nos horários que vão das 10h30 às 14h40.
Dentro
dessa linha de atuação, o MTP firmou o TAC – Termo de Ajustamento de
Conduta - PAJ 000329-2011-15-003/5, com a Usina Santa Fé S/A. Nesse
TAC ficou estabelecido que:
3.2
Na hipótese de encerramento total das atividades do corte manual de
cana de açúcar, face ao atingimento da temperatura de 37,0º
C, é facultado ao EMPREGADOR promover, em local protegido do sol,
palestras, treinamentos, exames periódicos ou outra atividade de
interesse da empresa, até o horário de término da jornada.
4.
O EMPREGADOR se compromete, na atividade de corte manual de cana, a
suspender os trabalhos sempre que a umidade relativa do ar atingir
percentual igual ou inferior a 12% (doze por cento).
4.1.
Caso a umidade relativa mencionada no caput perdure 30 (trinta) minutos
ou mais, as atividades poderão ser encerradas no dia e os trabalhadores
receberão a complementação dos 30 (trinta) minutos e do período
remanescente com base na diária normativa.
A
insalubridade no corte de cana também vem sendo reconhecida pela
Justiça brasileira em face da exposição a hidrocarbonetos presentes na
fuligem da cana.
Nesse sentido:
RECURSO
DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EXPOSIÇÃO AO AGENTE QUÍMICO
HIDROCARBONETO PRESENTE NA FULIGEM DA CANA-DE-AÇÚCAR. RR - 179100-54.2005.5.15.0079 Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 21.6.2013.
Processo n. 1459-33-2011-5-09-0242, TRT-PR, Rel. Des. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA, acórdão de 13.8.2013.
O trabalhador no corte de cana também executa trabalho repetitivo. O ciclo médio do corte de cana é de 5,677 segundos.
Com efeito, nesse curtíssimo período de tempo, o trabalhador abraça,
carrega, corta, joga, reposiciona e segura a cana cortada. Ora,
partindo-se do pressuposto de que qualquer ciclo de atividade menor que 30 segundos é
extremamente repetitivo, não há dúvida de que a atividade realizada
pelo cortador de cana é muito mais extenuante do que aquelas tratadas
pela NR – 36.
Cabe ressaltar que a Norma Brasileira de Ergonomia (NR-17 da Portaria 3214/78 - Ministério do Trabalho e Emprego), aplicável aos digitadores,
não admite o pagamento por produção quando existem riscos à saúde dos
trabalhadores, uma vez que este tipo de pagamento induz o trabalhador a
ultrapassar os limites fisiológicos em busca de um rendimento financeiro
extra.
A
situação dos cortadores de cana é alarmante. Os cortadores de cana
vivem para trabalhar e jamais trabalharão para viver. Seu esforço diário
é comparado ao de um maratonista, atleta profissional que corre 42 km.
Em apenas um ano morreram 13 trabalhadores, como José Mário Alves
Gomes, 47 anos, trabalhador da Usina Santa Helena, que em 25.10.2005
teve enfarto após cortar 25 ton. de cana em um dia.
Trata-se
de trabalho extremamente penoso. “Lamentavelmente, a birola (câimbra
seguida de tontura, dor de cabeça e vômitos - termo utilizado pelos
cortadores) é frequente no campo, assim como é frequente a morte por
excesso de trabalho. Atualmente, não se vê os chicotes e as correntes,
contudo, quem tem os olhos da justiça social os veem. Continuam lá,
embora invisíveis - mas sensíveis, pois essa nova escravidão leva à
morte pelo esforço do trabalho estafante.”
A
expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas por dia é
de 10 a 12 anos, menor que a expectativa de um trabalhador escravo do
fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que dez safras
cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está
com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única
expectativa que ele tem é pedir aposentadoria.”
Demonstrando
o quanto o trabalho de corte manual da cana é prejudicial à saúde, a
Previdência Social brasileira elencou as doenças profissionais
relacionadas a essa atividade, a saber:
l * F10 – F19 – transtornos mentais e comportamentos devidos ao uso de substâncias psicoativa
l * F20 – F29 – esquizofrenia, transtornos esquizotópicos e transtornos delirantes
l * G40 – G47 – transtornos episódicos e paroxísticos
l * H53 – H54 – transtornos visuais e cegueira
l * I10 – I15 – doenças hipertensivas
l * I30 – I52 – outras formas de doença do coração
l * J40 – J47 – doenças crônicas das vias aéreas inferiores
l * K20 – K31 – doenças do esôfago, do estômago e do duodeno
l * K35 – K38 – doenças do apêndice
l * K40 – K46 - hérnias
l * M00 – M25 - artropatias
l * M40 – M54 – dorsopatias
l * S00 – S09 – traumatismos da cabeça
l * S20 – S29 – traumatismos do tórax
l * S30 – S39 – traumatismos do abdome, do dorso, da coluna lombar e da pelve
l * S40 – S49 – traumatismos do ombro e do braço
l * S60 – S69 – traumatismos do punho e da mão
l * T90 – T98 – seqüelas de traumatismos, de intoxicações e de outras consequências
A
fundamentação jurídica para proibir a remuneração por produção no corte
manual da cana não é tão simples como alguns podem imaginar, máxime
porque há na legislação brasileira expressa autorização para essa
modalidade de remuneração (art.78 da CLT).
Para
superar essas dificuldades, deparamo-nos com várias alternativas. A
primeira delas foi a declaração incidental de inconstitucionalidade da
norma. Esse caminho esbarrou na impossibilidade dos órgãos fracionários
do Tribunal declarar, ainda que incidentalmente, a inconstitucionalidade
da lei, já que a Constituição Federal brasileira (art.97) exige que nos
órgãos colegiados essa decisão seja tomada pelo plenário ou pelo órgão
especial dos tribunais, havendo, inclusive, súmula vinculante do Supremo
Tribunal Federal brasileiro nesse sentido (Súmula Vinculante nº 10).
Partimos,
então, para a interpretação da norma segundo a Constituição. E isso foi
plenamente possível porque a aplicação da norma legal não pode ser
feita em relação aos trabalhadores do corte manual da cana – já que
contraria diversos princípios constitucionais que veremos a seguir –
mas, contudo, é perfeitamente aplicável em relação a outras atividades.
Os
princípios e postulados constitucionais que tornam incompatível o
pagamento de acordo com a produção no corte manual da cana são:
l Fundamentos da República (art.1º, III e IV da CF/88):
– dignidade da pessoa humana
– valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
l Objetivos fundamentais (art.3º, I, III e IV da CF/88)
– Construir uma sociedade livre, justa e solidária
– Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
– Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Deve se, por outro lado, dar prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art.4º, II, da CF/88).
“A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observada a função social da propriedade”
(art.170, III, da CF/88).
“A ordem social terá como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (art.193 da CF/88).
Por sua vez, sobre a função social da propriedade, dispõe a Constituição Federal que:
l Art.
186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Também não se pode olvidar que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse sentido, vejam-se as disposições constantes dos artigos 196 e 197, CR/88, in verbis:
l “Art.
196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
l “Art.
197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.”
Finalmente, convém ressaltar o princípio da proibição do retrocesso social
e da progressividade dos direitos humanos. Nesse sentido, o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC aprovado pela ONU em 1966, que acolhe esses princípios e foi integrado ao ordenamento jurídico brasileiro em 1992
e da progressividade dos direitos humanos. Nesse sentido, o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC aprovado pela ONU em 1966, que acolhe esses princípios e foi integrado ao ordenamento jurídico brasileiro em 1992
É
possível, de forma excepcional, especialmente nas hipóteses de
políticas públicas definidas pela própria Constituição, que o Poder
Judiciário determine a sua implementação, quando os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre
eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua
omissão, a eficácia e a integridade de direitos fundamentais previstos
na Constituição, conforme inúmeros precedentes do STF.
Assim,
se o Poder Judiciário pode intervir e determinar a execução de
políticas públicas voltadas a concretizar os princípios de bem-estar e
justiça social, por muito mais razão pode limitar a vontade dos
particulares, de forma a restringir o pagamento por produção, que
provoca sofrimentos, adoecimentos e mortes em flagrante desrespeito aos
preceitos constitucionais garantidores da vida, saúde, dignidade do ser
humano e da função social da propriedade.
Deve-se entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana submetido à modalidade de pagamento por produção não trabalha mais porque quer. Muito pelo contrário: ele trabalha mais porque precisa,
porque é sub-remunerado e, para que não se sinta ainda mais aviltado em
sua dignidade, possa prover as necessidades básicas e vitais de sua
família. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela
sua necessidade de sobreviver e prover sua família.
Diga-se, por outro lado, que se uma Portaria do MTe pode modificar a forma de remuneração dos digitadores, por muito mais razão isso pode ser feito por meio de uma decisão judicial em tutela coletiva – com status constitucional – e proferida com a observância das regras processuais e da dialética.
Frigoríficos
A categoria tem cerca de 750.000 trabalhadores no Brasil.
A atividade dos trabalhadores em frigoríficos é caracterizada pelo ritmo intenso, repetitivo e acelerado do trabalho.
As
péssimas condições ergonômicas e a ausência de pausas também
constituem traços marcantes nesse tipo de atividade, fazendo-se letra
morta das recomendações que advogam a necessidade de pausas de 10
minutos a cada 50 de trabalho para lubrificação das articulações a
partir da recuperação do líquido sinovial.
As
irregularidades constatadas nas fiscalizações trabalhistas e nas
diligências do Ministério Público do Trabalho são o trabalho em
baixíssimas temperaturas, a proibição de uso de banheiros,
desencadeando, com isso, a epidemia de doenças profissionais, já que
nesse ramo de atividade 23% dos trabalhadores já sofreram doenças do
trabalho.
Para
coibir essa situação, recentemente, em janeiro de 2013, uma grande
empresa de alimentos foi condenada por danos morais coletivos no valor
de R$25.000.000,00.
Na
área de frigoríficos o maior vilão da saúde dos trabalhadores acaba
sendo o trabalho com esforços repetitivos. Estudos estabelecem que o ser
humano não deve realizar mais do que 25 a 33 movimentos repetitivos por
minuto.
Entretanto, no setor de evisceração de frangos:
l a) são 60 ações por minuto na atividade de retirada e separação de vísceras (coração e fígado);
l b) entre 70 e 90 ações por minuto na retirada de vísceras de dentro da carcaça;
l c) entre 90 e 120 ações por minuto na pendura de frangos;
l d) são 80 ações por minuto com o braço direito e 70 com o esquerdo para embalar/selar frangos inteiros.
No setor de suínos,
l a) a atividade de retirar carne de cabeça são efetuadas 60 ações por minuto com o braço direito,
l b) desossar a paleta são 80 ações por minuto com o braço direito e 50 ações com o esquerdo.
No setor de industrializados,
l a)
a atividade de grampear saco de salsicha com a máquina são efetuados 95
movimentos por minuto com a mão direita e 70 com a esquerda,
l b) ensacar salsicha com máquina são 42 ações por minuto.
Entre
2003 e 2007 uma indústria pagou R$ 40 milhões em contribuições para o
INSS. Paradoxalmente, no mesmo período, o INSS pagou R$140 milhões em
benefícios aos trabalhadores da empresa vitimados por LER/DORT, síndrome
do túnel do carpo etc.
Felizmente,
em face da atuação firme e destemida do Ministério Público do Trabalho,
do Ministério do Trabalho e Emprego e da Justiça do Trabalho
brasileira, as autoridades competentes se mobilizaram e disciplinaram as
condições de trabalho nos frigoríficos. Isso se deu recentemente, em 18
de abril de 2013, com a edição da Norma Regulamentadora (NR) nº 36, que
dentre outros benefícios prevê a obrigatoriedade de:
l Assentos para alternância do trabalho em pé e sentado
l Adequação das esteiras, mesas. máquinas e bancadas para propiciar boa postura (ergonomia)
l Sistema de transporte e de ajuda mecânica na sustentação de cargas
l Sem
prejuízo do intervalo para refeição e descanso, devem ser concedidas
pausas de no mínimo10 minutos e no máximo 20 minutos de acordo com a
jornada de trabalho:
l Até 6 horas
l Pausa de 20 minutos
l De 6 a 7h20min
l Pausa de 45 minutos
l De 7h20min a 8h48min
l Pausa de 60 minutos
l Rodízio nas atividades com alternância dos grupos musculares utilizados
l Rodízio nas atividades em pé e sentado
l Conforto térmico para calor e frio
l EPI’s adequados
l Treinamento dos empregados
l Até 6 horas
l Pausa de 20 minutos
l De 6 a 7h20min
l Pausa de 45 minutos
l De 7h20min a 8h48min
l Pausa de 60 minutos
l Rodízio nas atividades com alternância dos grupos musculares utilizados
l Rodízio nas atividades em pé e sentado
l Conforto térmico para calor e frio
l EPI’s adequados
l Treinamento dos empregados
Setor de colheita de laranjas
Esse setor da atividade agropecuária brasileira congrega cerca de 200 mil trabalhadores.
Em
épocas não muito longínquas, o setor foi objeto de inúmeras fraudes,
notadamente através da criação de falsas cooperativas, nas quais a
condição de cooperado era simulada a fim de afastar o reconhecimento do
vínculo de emprego entre a indústria de suco de laranja e seus
trabalhadores.
Eram
cooperativas constituídas pelos próprios agenciadores de mão-de-obra
que, no Brasil, recebem o nome de empreiteiros de mão-de-obra ou
“gatos”. Na maioria das vezes eram esses empreiteiros supostamente
eleitos para a presidência das cooperativas.
A
atuação firme da Justiça do Trabalho brasileira, reconhecendo a fraude e
o vínculo diretamente com as indústrias de suco, acabou mitigando essa
prática fraudulenta.
Surgiram,
então, por sugestão do próprio Ministério Público do Trabalho, os
condomínios rurais informais. Vários produtores de laranja se reuniam,
firmavam por escrito um pacto de solidariedade, registravam-no no
Cartório de Títulos e Documentos e, a partir daí, passavam a contratar
trabalhadores com anotação do contrato nas carteiras de trabalho
assegurando-lhes todos os direitos trabalhistas.
O
sistema é muito bom, porque além da solidariedade passiva em relação às
obrigações trabalhistas, também permite a solidariedade ativa, isto é,
que produtores utilizem no interesse de suas propriedades a força de
trabalho do grupo de trabalhadores contratados pelo condomínio rural.
Entretanto,
infelizmente, as últimas notícias dão conta que esse tipo de sistema já
está sendo fraudado por alguns produtores. O “pacto de solidariedade” é
firmado por terceiros “testas de ferro”, também conhecidos como
“laranjas” (e aqui deve ser perdoado o trocadilho). São pessoas que não
detêm qualquer patrimônio e, quando chamados à Justiça para responder
pelas obrigações trabalhistas, sequer comparecem.
Portanto, no setor de colheita de laranjas, os maiores problemas ligados à precarização do trabalho humano continuam sendo:
l Transporte inadequado e falta de EPI’s como óculos, touca árabe e caneleiras
l Trabalho em condições análogas às de escravo
l Moradias precárias
l Baixos salários
l Elevado índice de acidentes de trabalho envolvendo:
– Queda de escadas
– Intoxicação por agrotóxicos
– Furos nos olhos
– Intoxicação por agrotóxicos
– Furos nos olhos
Além
disso, é de se ver que até 1994 o sistema adotado pelas indústrias de
suco de laranja era o de “fruta no pé”, através do qual a indústria se
obrigava nos contratos com os produtores a retirar as frutas na
propriedade.
A
partir de 1995 esse sistema mudou e passou a ser denominado de “fruta
posta na fábrica”, ou seja, contratualmente foram os produtores que se
obrigaram a colher a laranja e entregá-la na porta das fábricas.
Com
isso, a situação piorou, pois algumas indústrias, com o intuito de
baixar o preço da caixa colhida, passaram a recusar o recebimento das
laranjas dos produtores mesmo na época da safra, frustrando, com isso,
os contratos assinados e a expectativa salarial dos colhedores.
Novamente
aqui vislumbramos a intervenção do Ministério Público do Trabalho que
ajuizou ações civis públicas a fim de modificar a situação.
Foram, então, proferidas diversas decisões judiciais obrigando as indústrias a receber a laranja plantada pelos produtores.
É
de se ressaltar, finalmente, a existência de decisões judiciais visando
a extinção dos falsos condomínios rurais ou de outra forma de
contratação que não seja aquela realizada diretamente pelas indústrias
de suco com os seus próprios empregados. Proibiu-se, com isso, a
terceirização no setor de colheita de laranja.
Há,
inclusive, decisões judiciais de primeira instância condenando grandes
empresas do setor no pagamento de indenização por danos morais coletivos
de R$400 milhões, acrescidos de R$40 milhões por abuso no direito de
defesa e R$15 milhões por assédio processual, como se vê, por exemplo,
nos autos do processo nº0000121-88.2010.5.15.0081.
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