SUCESSO
RENOVADO, XI ELAT, EM MEDELLIN: Oswaldo Miqueluzzi discorre sobre o
recado popular que adveio das ruas: “AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013
NO BRASIL E O MUNDO DO TRABALHO”.
XI ELAT, EM MEDELLIN (Colômbia)
Oswaldo Miqueluzzi discorre sobre o recado popular que adveio das ruas: “AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL E O MUNDO DO TRABALHO”.
CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAL NA COLÔMBIA, MEDELLIN
SUCESSO RENOVADO:
Terminou em 08.11.2013 o XI ELAT – Encontro Latino-Americano de
Advogados Laboralistas realizado na Colômbia, Medellin, com a
participação de representações de diversos países, não só da
América-Latina, mas também dos EUA e União Européia.
O
evento teve cunho social e multidiciplinário com a participação de
advogados, magistrados do trabalho, professores, dirigentes sindicais,
discutindo o Mundo do Trabalho frente à Crise Econômica e a Carta Sócio
Laboral da ALAL que objetiva a construção de uma sociedade planetária de
inclusão social, num mundo novo sem fronteiras e de direitos recíprocos
assegurados através de uma legislação supranacional tutelando patamares
civilizatórios de direitos que assegurem a efetividade da dignidade
humana.
Leia mais.
AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL
E O MUNDO DO TRABALHO
Oswaldo Miqueluzzi*
Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara.
Pode-se olhar e não ver,
pode-se ver e não reparar.
Introdução
Primavera árabe, Ocuppy Wall Street,
nos EUA, indignados no sul da Europa e na Grécia, movimento "Yo soy
132", contra a fraude eleitoral no México, movimento estudantil do
Chile, protestos na Colômbia, passeata de indígenas na Bolívia,
manifestações na Turquia, protestos no Brasil. O mundo vive uma onda de
manifestações.
Como
disse Boaventura de Souza Santos, “estamos num momento de fortes
movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação,
muita revolta”[2][2].
Para ele, trata-se de movimentos revolucionários, comparáveis àqueles
vividos em 1968, 1917, 1848, enquanto Žižek compara o momento com os
anos de 1968, 1989 e 2005.
No
Brasil, mais de dois milhões de pessoas foram às ruas nas manifestações
de junho. Embora aqui nos ocupemos primordialmente dessas
manifestações, elas não estão desvinculadas das outras que vêm ocorrendo
nos últimos anos em outros países.
Dando
um sentido comum às revoltas e às revoluções que se generalizam, Plínio
de Arruda Sampaio Júnior afirma que “as Jornadas de Junho fazem parte
do mesmo processo de revoltas e revoluções populares que colocam em
xeque as bases sociais e as políticas da ordem global em diferentes
regiões do mundo”[3][3].
Iniciadas
pelo Movimento pelo Passe Livre – MPL, em decorrência do aumento das
tarifas de ônibus, as manifestações no Brasil representaram, segundo os
diversos analistas aqui mencionados, uma demanda por mais e melhores
serviços públicos, uma crítica às condições da cidade, uma retomada de
espírito cívico e democrático, uma consequência da situação econômica,
uma forma de participação nas decisões ou de externar a aversão ao
sistema político e ao governo, e até, na perspectiva do fundamentalismo
neoliberal, uma crítica em relação ao “custo Brasil”.
Os
vários motivos que levaram a população às ruas, os grupos de pessoas
que participaram das manifestações, o que as motivou e como elas
operaram, servem como base da presente exposição.
O
que se pretende destacar aqui é a quase completa ausência das questões
relativas ao mundo do trabalho nas manifestações ocorridas em junho de
2013, no Brasil, consequência, talvez, do papel central exercido pela
mídia, ponto que também é salientando, buscando-se apresentar as
diversas visões sobre o movimento, cujos enigmas ainda estão por serem
decifrados.
1. Os vários motivos que levaram a população às ruas
Múltiplos foram os motivos das manifestações, muitos deles contraditórios entre si.
Para
Silvia Viana, foi o duplo risco assumido pelos rapazes e moças do MPL
(Movimento pelo Passe Livre) de “atentar contra a ‘segurança pública’ e
contra sua própria segurança pessoal”, e de enfrentar, além dos carros,
“a mesma polícia que mata ordinariamente os jovens que, nascidos e
criados em berço não pacífico, devem ser ‘pacificados’ à bala – e não a
de borracha”, que deu “o pontapé para o deslocamento do campo político
que, até agora, parecia invulnerável à política”[4][4].
1.1 A questão das cidades
A
questão das cidades como uma das principais razões das manifestações é
destacada por Erminia Maricato, para quem, “no Brasil é impossível
dissociar as principais razões, objetivas e subjetivas desses protestos,
da condição das cidades”[5][5].
Segundo
ela, “é com a condição dos transportes que as cidades acabam cobrando a
maior dose de sacrifícios por parte de seus moradores. E embora a piora
de mobilidade seja geral – isto é, atinge a todos –, é das camadas de
rendas mais baixas que ela vai cobrar o maior preço em imobilidade”[6][6].
No
mesmo sentido parece ser a avaliação do sociólogo Francisco de
Oliveira, para quem é o forte crescimento do Brasil, que está nas
cidades, nos últimos vinte anos, o causador do atual “período de extrema
turbulência”. Para ele, é o crescimento econômico atual “que cria a
turbulência”, e não o contrário, pois “o crescimento exalta forças que
não existiam”[7][7].
1.2 Variedades de motivações
A
existência de espaço para as motivações mais diversas, “desde o prazer
da festa até a expectativa de quem aspira a alguma mudança sem saber
como se daria e com qual profundidade. Desde quem se aproveita da
confusão para quebrar vidraças e invadir lojas até os netos e bisnetos
dos burguesotes das marchas da família, com Deus e pela liberdade, que
invocavam o golpe em 1964”, foi apontada por Mino Carta[8][8].
Ruy
Braga assinala “uma pesquisa nacional realizada pelo Ibope durante as
passeatas do mês de junho de 2013”, na qual “os problemas mais citados
pelos manifestantes eram a saúde (78%), a segurança pública (55%) e a
educação (52%)”, sendo que “77% dos entrevistados mencionaram a melhoria
do transporte público como a principal razão dos protestos”[9][9].
1.3 Sentimento de insatisfação
Um “sentimento fluido de desconforto e descontentamento que sustenta e une demandas particulares” foi constatado por Slavoj Žižek,
ao analisar a onda de protestos pelo planeta, aduzindo que “o desfecho
dessa situação está em aberto, e será resultado do processo político
atualmente em curso”[10][10].
A
“insatisfação latente na população com as péssimas condições de vida”
foi indicada como razão para os movimentos por Plínio de Arruda Sampaio
Júnior.
Os movimentos foram “uma resposta reativa das massas aos desmandos e arbitrariedades dos governantes”, diz ele[11][11].
Para
revoltar-se no Brasil, diz Adriano Benayon, as pessoas “nem precisam
estar bem informadas. Basta sentir os sofrimentos decorrentes de
problemas que continuam agravando-se: 1) transporte público insuportável
e, além disso, nas grandes cidades, transporte particular
inviabilizado pelo excesso de veículos; 2) acesso difícil ou
inexistente a serviços públicos de saúde e de educação, de alguma
qualidade, além de, no âmbito privado, preços absurdos sem qualidade
correspondente; 3) salários baixos; 4) preços elevados, em mercados
dominados por empresas e bancos concentradores; 5) impostos e taxas
numerosos e custosos”[12][12].
1.4 Crítica à representação política e às instituições
No
pensar de Marcos Coimbra, “no conteúdo, o elemento central da
‘ideologia das ruas’ foi a crítica à representação política e às
instituições, particularmente os partidos políticos. Os manifestantes
gritaram país afora não se sentirem representados por ninguém, foram à
rua para denunciar os ‘políticos’ e ‘fazer política com as próprias
mãos’. As vagas perorações em favor de ‘mais verbas para a educação e a
saúde’ ou contra os ‘gastos exagerados na Copa do Mundo’ não passaram de
pretextos para externar sua aversão ao sistema político e ao governo”[15][15].
Para Leonardo Sakamoto, a revolta dos jovens, “precariamente informados”, “não foi necessariamente contra o sistema partidário, mas sim contra instituições tradicionais que representam a autoridade como um todo”. Os jovens, diz ele, “compraram um discurso fácil, que cabia em sua indignação”, exclamando “Que se vão todos”, “Não precisamos de partidos para resolver nossos problemas”, “Políticos são um câncer”, desconhecendo a história recente do Brasil e “colocando todo mundo no mesmo balaio de gatos”. Segundo ele, os jovens “querem sentir que poderão ser protagonistas de seu país e de sua vida. E enxergam a classe política e as instituições tradicionais como parte do problema” [16][16].
1.5 Temas produzidos pelos monopólios de comunicação
Para Lincoln Secco, os temas das manifestações foram “produzidos pelos monopólios de comunicação”[17][17].
Com
ele concorda Plínio de Arruda Sampaio Júnior, ao afirmar que “a grande
mídia deu alarde à presença de consignas nacionalistas – ‘O gigante
acordou’, ‘Verás que o filho seu não foge à luta’ –; moralistas –
‘Contra a Corrupção’, ‘Contra a PEC-37’ –; e até mesmo autoritárias –
‘Contra os Partidos’ e ‘Contra a Violência’”[18][18].
Além
disso, acrescenta, “em várias cidades, as organizações empresariais
aproveitaram a confusão para infiltrar pessoas contratadas com cartazes
impressos que destoavam completamente do que vinha sendo reivindicado –
‘Menos Impostos’ e ‘Imposto Zero’”[19][19].
1.6 Retomada do espírito cívico e democrático dos jovens
Na
avaliação de Luiz Carlos Bresser Pereira, as manifestações foram “um
momento de retomada do espírito cívico e democrático de jovens que
pareciam imersos no cinismo consumista, mas tiveram como alvo principal
os políticos, que são uma condição para a existência da democracia”[20][20].
1.7 Busca por direitos sociais
Houve quem viu nas manifestações a busca por direitos sociais.
De
acordo com Boaventura de Souza Santos, “o movimento do Brasil tem uma
genealogia, uma história, semelhante ao movimento dos indignados de
Portugal, da Espanha e da Grécia. São jovens democracias onde houve uma
expectativa de uma social-democracia, uma democracia com fortes direitos
sociais, de educação, saúde, transporte. Havia uma expectativa de uma
sociedade mais inclusiva. Essa era a promessa. A democracia não é
simplesmente mero voto e a representação política, mas se traduz em
direitos sociais e econômicos. Portanto nesses casos [Brasil e
indignados], os movimentos surgem da ruína dessas aspirações”[21][21].
Jorge
Luiz Souto Maior sustenta que as manifestações expressaram o desejo da
população de “mais serviços públicos e de qualidade”, de “um Estado
social”, pautado “pelo imperativo de uma ordem jurídica que seja apta a
resolver a nossa grave questão social, notadamente a desigualdade
social”[22][22].
Paulo Schmidt, presidente da Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, ressalta que, “a despeito do caráter ‘difuso’ das manifestações atuais, as bandeiras que se veem eriçadas bem demonstram o seu pendor para os direitos sociais, previstos na Constituição Federal”, buscando que estes direitos constitucionais deixem de ser direito de papel e sejam efetivamente incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos”[23][23].
1.8 Imitação das irrupções anteriores
1.9 Custo Brasil
Para os que defendem a fundamentalismo neoliberal, os
responsáveis pelo grande descontentamento manifesto nas ruas foram “o
elevado custo do trabalho, a alta carga tributária e a corrupção”[25][25].
2. Quem participou
Participaram das manifestações, além daqueles que iniciaram o movimento – MPL – Movimento pelo Passe Livre, anarquistas, punks, jovens de classe média e da periferia, profissionais, entidades estudantis, movimentos sociais e populares, movimentos culturais e de protesto e luta de todos os tipos e das redes.
No início do movimento, Arnaldo Jabor, comentarista da Rede Globo, chegou a afirmar o seguinte:
“Não pode ser por causa de 20 centavos! A grande maioria dos manifestantes são filhos da classe média, isso é visível! Ali não havia pobres que precisassem daqueles vinténs, não!”[26][26].
Há
um consenso de que a maioria dos aglutinadores e participantes das
manifestações era “formada por jovens”, que “se consideram ‘sem voz
pública’, isto é, sem canais para se expressar e ter sua voz ouvida. Ou
melhor, a voz deles não se expressa nem é ouvida publicamente”[27][27].
Ruy
Braga transcreve pesquisa realizada na passeata de 20 de junho de 2013
no Rio de Janeiro, na qual se mostrou “que 70,4% dos manifestantes
estavam empregados, 34,3% recebiam até um salário-mínimo e 30,3%
ganhavam entre dois e três salários-mínimos. A idade média era de 28
anos, ou seja, a faixa etária dos que entraram no mercado de trabalho
nos últimos dez anos”, fazendo a seguinte análise:
Se
os grupos pauperizados que dependem do programa Bolsa Família e os
setores organizados da classe trabalhadora que em anos recentes
conquistaram aumentos salariais acima da inflação ainda não entraram na
cena política, o “precariado” – a massa formada por trabalhadores
desqualificados e semiqualificados que entram e saem rapidamente do
mercado de trabalho, por jovens à procura do primeiro emprego, por
trabalhadores recém-saídos da informalidade e por trabalhadores
sub-remunerados – está nas ruas manifestando sua insatisfação com o
atual modelo de desenvolvimento[28][28].
Plínio
de Arruda Sampaio Júnior observa a heterogeneidade da composição social
da massa que saiu às ruas, afirmando que “da classe média remediada
para baixo, praticamente todos os segmentos da sociedade aproveitaram a
oportunidade para expressar seu descontentamento com o status quo,
inclusive com a presença – por vezes expressiva – de franjas de
trabalhadores pobres não organizados em sindicatos e da massa
proletária e lumpemproletária que mora em favela”[29][29].
A pluralidade de tendências também foi assinalada por André Singer, sendo “algumas delas tensamente contrapostas entre si”. Para ele, a fragmentação do movimente evidenciou-se na “famosa quinta-feira em que o Itamaraty foi atacado”, quando, “de suposta alegria pela redução das passagens, o próprio Movimento Passe Livre foi expulso da av. Paulista”, mostrando que “não se tratava de um movimento, mas de vários”[30][30].
De acordo com Marcelo Coelho[31][31], não há dúvida de que “as manifestações de junho foram ‘multiclassistas’”, demonstrando dessa forma:
Havia a ultra-esquerda. Havia uma classe média que, decepcionada com os seus tucanos e com os seus Demóstenes, resolveu fazer oposição com as próprias mãos. Havia uma massa estudantil que já não é tão elitizada, graças as cotas e ao ProUni.
Havia uma juventude de periferia para quem os males do Estado não se localizam em Dilma ou Renan, mas numa PM que prende, achaca e barbariza. Havia os descontentes com uma PM que não prende e com uma Justiça que prende menos ainda.
Marcelo
Coelho anota que, “no meio desses dois extremos, a maioria só se
mobilizou de fato quando entrou em cena o direito democrático de
protestar sem ser espancado pela polícia”[32][32].
Para
Leonardo Sakamoto, “apesar de as manifestações terem uma clara origem
de esquerda”, “grupos conservadores se organizaram na internet para
pegar carona nos atos”, e “alguns até atacaram – de forma verbal e
física – militantes de partidos e sindicalistas presentes no ato”[33][33].
Ressaltando
que esse grupo não era “uma massa fascista e uniforme”, Sakamoto afirma
que “havia, sim, um pessoal da ultradireita, que enxerga comunismo em
ovo e estava babando de raiva, louco para derrubar um governo. Que tem
saudades de 1964 e conta com fotos de velhos generais de cueca na parte
do quarto”[34][34].
Diz
ele, ainda, que os jovens indignados “foram preparados, ao longo do
tempo, pela família, pela escola, pela Igreja e pela mídia para tratarem
o mundo de forma conservadora, sem muita reflexão, filhos de pais que
viveram o auge do neoliberalismo, tem gente simplesmente com muita raiva
de tudo e botando isso para fora”[35][35].
Para Marcos Coimbra, “os defensores mais entusiastas das passeatas foram os antipetistas radicais. Esses se sentiram em íntima comunhão com os participantes e torceram para as manifestações escalarem a ponto de enfraquecer o governo e prejudicar as chances de reeleição de Dilma Rousseff”, acrescentando o seguinte:
Para dizer o óbvio, quem deu o sentido das manifestações foi a classe média antipetista, predominantemente de direita. Nem sempre, nem todos os participantes, mas em seu núcleo característico. Ou seja: embora tenham participado do movimento desde punks neonazistas até adolescentes apenas curiosos (e mesmo gente genuinamente progressista), seu rosto é nítido[36][36].
Acrescenta-se haver um consenso quanto à importância do recurso à tecnologia das redes sociais e dos telefones celulares na mobilização das pessoas para os protestos no Brasil, que teve seu auge no dia 20 de junho, da mesma forma que ocorreu com o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, na chamada Primavera Árabe, com os “indignados” na Espanha e na ocupação da praça Taksim em Istambul.
Lincoln Secco lembra, porém, que “as redes sociais foram importantes, mas quem fornece o conteúdo do ‘pensamento político’ é o capital monopolista investido nos meios de comunicação”[37][37].
3. A grande e velha mídia
Jorge Luiz Souto Maior diz ser evidente ”que o movimento cresceu por uma tentativa de guinada a temas desprovidos de conteúdo, incentivados pela grande mídia, para desarticular o discurso de esquerda e, por tabela, para abalar a força do governo federal, retirando, inclusive, o foco das administrações municipal e estadual”[38][38].
Nas
palavras de Laurindo Leal Filho, “a mídia acabou tendo papel central no
desenrolar das manifestações de rua ocorridas em todo o país”[39][39].
Destacando que a velha mídia detém o monopólio do debate público, Venício A. de Lima, fez a seguinte análise:
A primeira reação foi de condenação pura e simples. As manifestações deveriam ser reprimidas com rigor ainda maior. À medida, no entanto, que o fenômeno se alastrou, a velha mídia alterou radicalmente sua avaliação inicial. Passou então a cobrir em tempo real os acontecimentos, como se fosse apenas uma observadora imparcial, que nada tivesse a ver com os fatos que desencadearam todo o processo. O que começou com veemente condenação transformou-se, da noite para o dia, não só em tentativa de cooptação, mas também de instigar e pautar as manifestações, introduzindo bandeiras aparentemente alheias à motivação original dos manifestantes[40][40].
No mesmo sentido é a avaliação de Cynara Menezes, para quem no início a mídia “condenou os protestos e chamou seus participantes de ‘vândalos’”, embarcando “depois em uma ‘onda cívica’ com o claro intuito de desestabilizar o governo federal”[41][41].
Laurindo Leal Filho[42][42] não diverge quanto à mudança de postura da mídia, fazendo as seguintes observações:
a)
o “Jornal Nacional”, da Rede Globo, noticiário mais assistido no
Brasil, impôs cortes à entrevista de Mayara Vivian, uma das integrantes
do Movimento Passe Livre, gravada no dia 14 de junho. Segundo ele, “a
parte do depoimento em que ela diz defender a reforma agrária, a reforma
política e o fim do latifúndio no Brasil não foi ao ar”;
b)
a apresentadora Ana Maria Braga, também da Rede Globo, em programa
matinal diário, chegou a “ensinar, como se fosse mais uma receita de
bolo, como as mães deveriam orientar os filhos na confecção de cartazes a
serem exibidos nas manifestações seguintes”;
c)
“entusiastas das manifestações ‘pacíficas’, as emissoras, no entanto,
não se cansavam de mostrar atos de vandalismo, sem nunca tentar
descobrir de onde eles partiam e com que intenções. O importante era o
espetáculo das chamas e da destruição, capaz de conquistar alguns pontos
a mais de audiência”;
d)
Marcelo Rezende, da rede de televisão da Igreja Universal, “iniciou uma
campanha cívica tentando incluir como bandeira do movimento o repúdio
às copas futebolísticas, cujos direitos de transmissão pertencem à
Globo”.
Para Lincoln Secco, “acompanhando seu mercado, a direita midiática se viu forçada a apoiar os manifestantes – mas com sua própria pauta”[43][43].
Em
nossa história política recente, lembra Venício A. de Lima, a mídia vem
se autoatribuindo “o papel de formadora e, simultaneamente, de
expressão da vontade das ruas, vale dizer, da ‘opinião pública’”.
Segundo ele, a velha mídia identificou nas manifestações “a oportunidade
de disfarçar o seu papel histórico de bloqueadora do acesso público às
vozes – não só de jovens, mas da imensa maioria da população brasileira.
Mais do que isso, identificou também uma oportunidade de ‘desconstruir’
as inegáveis conquistas sociais dos últimos anos em relação ao combate à
desigualdade, à miséria e à pobreza”[44][44].
Ressaltando
que muitos olharam para as manifestações na perspectiva das eleições de
2014, para Silvio Caccia Bava, a mídia conservadora tentou “orientar os
movimentos sociais para a luta contra a corrupção num sentido genérico e
contra o governo Dilma”, enquanto os partidos de oposição identificaram
“uma oportunidade inesperada de atacar o PT e o governo Dilma”[45][45].
Cristiano
Navarro, Luís Brasilino e Renato Godoy assinalam que a mudança de rumo
das manifestações aconteceu quando os maiores veículos de comunicação
começaram a apoiar os protestos. Segundo eles, “foram surgindo
manifestações contra a presidente Dilma Rousseff, contra o aborto e pela
redução da maioridade penal, e cresceu a hostilidade contra
organizações de esquerda nos atos”[46][46].
Também para Plínio de Arruda Sampaio Júnior, “a grande mídia assumiu integralmente o papel de partido da ordem”, em decorrência do “vácuo de liderança”, acrescentando o seguinte:
Sem condições de se opor às hordas de jovens irados, as redes de televisão e a grande imprensa procuraram disputar a direção das manifestações e neutralizar seu caráter subversivo. A principal preocupação foi barrar a presença das organizações de esquerda nas passeatas e garantir à própria mídia o monopólio da direção dos protestos. A fim de diluir o componente de classe, bem visível nos primeiros atos, os ventríloquos da ordem fizeram de tudo para transformar a revolta popular numa grande festa cívica, atraindo a classe média e a direita aos atos.
Com o objetivo de jogar os jovens uns contra os outros, as bandeiras vermelhas foram veementemente condenadas e os manifestantes foram divididos entre “pacíficos” e “violentos”, “ativistas do bem” e “vândalos do mal”. Em sintonia com a tradição autoritária brasileira, o enaltecimento da bandeira branca – da paz social – e a verde amarela – da ordem e progresso – como as únicas legítimas foi uma tentativa de canalizar a revolta popular para reivindicações moralistas, nacionalistas e institucionais[47][47].
De acordo com Marilena Chauí, ao desprezar a reforma política e recusar a legitimidade dos partidos políticos, “apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são corruptos por essência. Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem empresas capitalistas movidas por interesses privados”[48][48].
Francisco de Oliveira assinala que “a imprensa tem um papel horroroso: o que for conformismo, ela exalta; o que for rebeldia, ela condena. Daí que o viés conservador no olhar sobre essas manifestações é a tônica”[49][49].
O alerta de Luiz Gonzaga Belluzzo é de todo procedente, ao assinalar que o que “estamos assistindo hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e acho que no Brasil com mais intensidade, é um processo de obscurecimento, e nesse particular tem enorme importância o que nós queremos dos meios de comunicação de massa. Hoje em dia você tem um grande debate travado em torno da liberdade de expressão. A mídia, a grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão, trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade. Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder a informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. Porque a internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada”[50][50].
4. A ausência do mundo do trabalho nas manifestações
Em sã consciência, ou abertamente, ninguém se acha no direito de pautar o movimento e ou de dizer contra ou a favor do quê se devia ou se deve protestar.
Isso, porém, não impediu Arnaldo Jabor de dizer em um comentário nas rádios “que os estudantes deveriam protestar contra o mensalão e não contra o aumento no bilhete dos ônibus”, ou que o comandante-geral da PM de São Paulo, Benedito Roberto Meira, sugerisse ao Movimento Passe Livre a “inclusão na pauta de reivindicações do pedido de prisão aos condenados do Mensalão”[51][51].
Ainda que alguns autores tenham visto nas manifestações a busca por direitos sociais, chama a atenção a quase completa ausência nas manifestações das questões relativas ao mundo do trabalho, como se o trabalho não mais constituísse a centralidade do ser humano.
Com efeito, ainda que ninguém
tenha saído “gritando slogans em defesa do sacrossanto tripé econômico:
autonomia do Banco Central, superavit primário e controle da inflação”[52][52],
a não ser algumas vozes, patrocinadas por organizações empresariais,
reclamando do “elevado custo do trabalho”, o tema trabalho não constou
da pauta das movimentações.
Se, como afirmou Plínio de Arruda Sampaio Júnior[53][53], “a avassaladora maioria dos manifestantes portou consignas claramente radicais e anticapitalistas, com evidente caráter democrático e anti-imperialista – ‘Passe Livre’, ‘Educação pública não mercantil’, ‘Saúde não é mercadoria’, ‘Moradia: Direito de ‘todos’’, ‘Fora Fifa’, ‘Contra a privatização do Maracanã’, ‘Fora Eike’, ‘Não às remoções’, ‘Fora Rede Globo’, ‘Da Copa eu abro mão, não da saúde e da educação’, ‘A polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela’, ‘Contra a homofobia’”, não se vê, nas assinaladas bandeiras anticapitalistas, questionamentos ou reivindicações relativas ao mundo do trabalho.
Por isso, Jorge Luiz Souto Maior chamou a atenção para “uma discussão mais concreta, e politizada, da necessidade do Estado em coibir a sonegação”, e mais especificamente para a necessidade de se “desenvolver senso crítico à transmissão vertical e horizontal da produção das grandes empresas para pequenas empresas, pois isso dificulta a responsabilização daquelas com relação às obrigações sociais, uma discussão que atrai a compreensão em torno da necessidade do fim da terceirização, que implica, além disso, segregação, invisibilidade, precarização e alto custo social com benefícios previdenciários, decorrentes da insegurança no trabalho”[54][54].
Ainda em relação ao mundo do trabalho, Souto Maior denuncia “os crimes contra a ordem econômica, advindo especialmente da prática de falências fraudulentas, seguidas da ‘limpeza’ dos bens do empreendimento, deixando em situação de penúria os trabalhadores, da constituição de empresas com capital estrangeiro, que se instauram no Brasil, exploram o trabalho dos empregados e depois somem sem deixar vestígios”, bem com a “constituição de empresas descapitalizadas ou cujo capital está em paraísos fiscais, atuando no mercado sem conferir garantias reais para efetivação das obrigações sociais, também em detrimento da concorrência”[55][55].
As palavras do presidente da Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Paulo Schmidt, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, também demonstram a ausência da pauta trabalhista nas manifestações.
Para suprir a omissão, conclamou o Congresso “à definitiva aprovação da proposta legislativa que prevê a desapropriação de terra onde houver exploração do trabalho escravo”, defendendo “o fim do fator previdenciário e da contribuição injusta dos aposentados” e repudiando “as políticas públicas de sucateamento da previdência pública”, bem como “as iniciativas legislativas tendentes à precarizar o trabalho e a esmaecer os direitos sociais constitucionais”[56][56].
Tais temas restaram ausentes nas manifestações, assim como “o Simples Trabalhista, danoso aos trabalhadores”, que foi rechaçado pelo presidente da ANAMATRA.
A “definitiva regulamentação dos tantos direitos sociais que a Constituição Federal de 1988 consagrou e que há 25 anos estão relegados ao esquecimento institucional: o direito à proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, as garantias sociais no trabalho penoso, a proteção contra a automação, o direito de greve no serviço público e a participação do trabalhador na gestão da empresa, entre tantos outros”, também foi lembrada por Paulo Schmidt[57][57] e não constou da pauta das manifestações.
Obviamente, esta não era uma pauta que interessava às empresas, nas quais estão incluídas aquelas dos meios de comunicação.
E, ainda que esta pauta não tenhm constado dos manifestos, o articulista Fernando Rodrigues, do jornal Folha de S. Paulo, destacou que “os indignados brasileiros parecem olhar (pelo menos, a maioria) para o Estado como uma grande teta na qual todos podem mamar de maneira eterna – e como se os recursos públicos fossem infinitos e brotassem por geração espontânea”, fazendo as seguintes considerações[58][58]:
É impossível não simpatizar com as pessoas que foram às ruas protestar e reclamar do estado geral do país. (...)
A imensa maioria das reivindicações tem um embocadura quase única: aumentar a presença do Estado na sociedade.
Passe
livre para todos no transporte público. Hospitais “padrão FIFA”.
Educação “padrão FIFA”. Redução no preço ou eliminação dos pedágios. E
por aí vai. Em resumo: “Ei, governo, me dá um dinheiro aí”.
O
sociólogo Francisco de Oliveira sustenta que “a questão operária tem a
capacidade de transformar o Brasil”, mas lamenta que o movimento
operário esteja “acomodando” e, “de certa forma, está matando a rebeldia
que é intrínseca a esse movimento”[59][59].
Embora
possa estar correto o diagnóstico de Marcelo Coelho, para quem, se
“pouco se falou contra desemprego ou carestia –, isso talvez seja
consequência dos próprios ganhos sociais acumulados na última década”[60][60], a omissão dos temas relativos ao mundo do trabalho pode ter outros significados.
A nosso ver, as manifestações parecem confirmar que “hoje, a classe operária não é mais o
sujeito revolucionário ‘predestinado’, as lutas emancipadoras
contemporâneas são plurais, sem um agente específico que reclame um
lugar privilegiado” [61][61],
assim como o afirmado por José Carlos de Assis, de que “agora é uma
luta de classes mais difusa, na qual a cidadania, não as representações
sindicais, tem papel decisivo”[62][62],
ou, como dito por Negri, “a luta passou do nível de briga entre
trabalho e capital por causa do salário para a briga entre a multidão e o
Estado por causa da renda do cidadão”[63][63].
Os movimentos aparentam dar razão a Žižek, quando afirma que hoje “as massas desorganizadas do capitalismo global não se dividem mais em classes à maneira marxista clássica, e embora a tarefa ainda seja organizar politicamente as massas, isso não pode mais ser feito à maneira antiga do partido de classe”[64][64].
Considerações finais
Os analistas ainda se debatem para decifrar os enigmas das manifestações de junho de 2013 no Brasil.
Como
salientado por Raquel Rolnik, a voz das ruas não foi uníssona,
tratando-se de “um concerto dissonante, múltiplo, com elementos
progressistas e de liberdade, mas também de conservadorismo e
brutalidade, aliás, presentes na própria sociedade brasileira”[65][65].
Segundo
ela, “até a eclosão das manifestações na praça Taksim (e das revoltas
de junho no Brasil) o discurso hegemônico dos representantes do
fundamentalismo de mercado enquadrava esses movimentos basicamente como
protestos pela falta de emprego, renda e democracia representativa, ou
de uma combinação desses elementos, ignorando os inúmeros conteúdos e
agendas trazidos para as ruas, sobretudo o questionamento do ‘sistema’,
essa velha palavra que sintetiza o modo de produção econômico-político
da sociedade”[66][66].
Como destacado, temas como falta de emprego e renda não foram objeto das manifestações no Brasil.
Para
Leonardo Sakamoto, “os grupos conservadores mais radicais vão se
aproveitar desse momento e botar lenha no descontentamento, apontando
como culpados a classe política que está no poder. Flertam com ações
autoritárias e, evidentemente, adorariam desestabilizar essas
instituições”[67][67].
Venício A. de Lima lembra que “a cultura política que vem sendo construída e consolidada no Brasil tem sido a de permanentemente desqualificar não só a política em si como seus atores”. Para ele, as manifestações foram “um sinal de esgotamento das instituições tradicionais das democracias representativas”, sugerindo que “esse déficit na representação política do Parlamento, acrescido do bloqueio histórico de vozes ao debate público e a consequente corrupção da opinião pública, praticados pelos oligopólios empresariais da velha mídia, talvez nos ajudem a compreender, pelo menos em parte, a explosão das ruas”[68][68].
Em seu artigo “Problemas no Paraíso”, Slavoj Žižek lembra que, “já
em 2011, quando uma onda de manifestações estava explodindo por toda a
Europa e pelo Oriente Médio, muitos comentaristas insistiam que não
deveríamos tratá-los como momentos de um mesmo movimento de insatisfação
global, pois cada um deles reagia a uma situação específica: no Egito,
os manifestantes exigiam aquilo que as sociedades contra as quais o
movimento Occupy protestava já tinham (a liberdade e a
democracia); até mesmo nos países muçulmanos, a Primavera Árabe no Egito
e a Revolução Verde no Irã eram fundamentalmente diferentes: enquanto o
primeiro dirigia-se contra um autoritário regime pró-ocidental e
corrupto, o segundo condenava o autoritarismo islâmico”[69][69].
Žižek
constata que, em sua multiplicidade, os protestos “são todos reações
contra as múltiplas facetas da globalização capitalista”, e é isso que
os unifica. Segundo ele, “o que une esses protestos é o fato de que
nenhum deles pode ser reduzido a uma única questão, pois todos lidam com
uma combinação específica de (pelo menos) duas questões: uma econômica,
de maior ou menor radicalidade, e outra político-ideológica (que inclui
desde demandas pela democracia até exigências para a superação da
democracia multipartidária usual)”[70][70].
Como aqui enfatizado, no Brasil predominou a questão político-ideológica.
Para
Marilena Chauí, “os manifestantes, simbolicamente, malgrado eles
próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política,
realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando
as ações dos Poderes Executivos municipais, estaduais e federal, assim
como as do Poder Legislativo nos três níveis”[71][71].
Leonardo
Sakamoto sustenta ser necessário resolver o “déficit de democracia”,
propondo “uma reforma política que se concentre em ferramentas de
participação popular”, pois, segundo ele, “só votar e esperar quatro
anos não adianta mais”[72][72].
Também
para Erminia Maricato é necessária “a reforma política, em especial o
financiamento de campanhas eleitorais”, considerando-a “o primeiro item
necessário à política urbana”[73][73].
Ampliando
a questão da reforma política, Venício A. de Lima sustenta ser
indispensável uma reforma política que “inclua a regulação das
comunicações como garantia de que se estabeleçam as condições para a
formação de uma opinião pública capaz de agregar mais vozes ao debate
público, vale dizer, para que mais brasileiros – e não só os rebeldes
urbanos – sejam democraticamente representados”[74][74].
Enquanto
para Jorge Luiz Souto Maior, “o desafio, agora, é consolidar esse
avanço no que se refere às mobilizações dos movimentos sociais”[76][76],
Marilena Chauí julga conveniente “lembrar aos manifestantes que se
situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a
defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho
dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes
manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no
Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos
índices de audiência”[77][77].
Em face do “momento agradável que estão tendo nas ruas”, Žižek
alerta para o perigo de os manifestantes se apaixonarem por si mesmos.
Como “está claro que não vivemos no melhor mundo possível, os protestos
globais devem servir de lembrança ao fato de que temos a obrigação de
pensar em alternativas”[78][78], diz ele.
Para
Francisco de Oliveira, “o ótimo é que a sociedade mostrou que é capaz
ainda de se revoltar, é capaz de ir para a rua. Isso é ótimo. Não
precisa resultados palpáveis. O que é bom em si mesmo foi o fato de a
população, alguns setores sociais, se manifestarem. Assustarem os donos
do poder, e isso foi ótimo. Isso é que é importante”[79][79].
Žižek adverte, ainda, para uma interpretação, que ele denomina “populista”, em que “a causa do problema, em última análise, nunca é o sistema como tal, mas o intruso que o corrompeu (quem manipula as fichas, não os capitalistas como tais etc.); não uma falha fatal inscrita na estrutura como tal, mas um elemento que não cumpre corretamente seu papel dentro da estrutura”[80][80].
Esta interpretação, diz ele, é sustentada “pela exasperação frustrada de pessoas comuns, pelo grito de ‘não sei o que está acontecendo, só sei que para mim chega! Isso não pode continuar! Isso tem de acabar!’ – uma explosão impaciente, uma recusa a entender, uma exasperação com a complexidade e a consequente convicção de que tem de haver um responsável por toda essa bagunça, e por isso é necessário um agente que esteja nos bastidores e explique tudo”[81][81].
Como já se disse, em nossa história, “tempos interessantes” são de fato os períodos de agitação.
Segundo Žižek, “o desfecho dessa situação está em aberto, e será resultado do processo político atualmente em curso”[82][82].
Estamos, diz ele, “no meio de uma mudança radical”[83][83], e “hoje, mais do que nunca, torna-se pertinente o antigo lema de Mao Tsé-Tung: ‘Há caos sob o céu, a situação é excelente’”[84][84]. Adverte, por isso, que “é preciso aproveitar o momento quando ele chega”[85][85].
Quem
sabe, superando a pauta da “grande e velha mídia”, as manifestações
possam abranger a defesa da dignidade da pessoa humana e do mundo do
trabalho.
Florianópolis, 20 de novembro de 2013.
Oswaldo Miqueluzzi
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