Saúde do Trabalhador. ‘O perito se considera acima da lei’
(*) Luiz Salvador
por Redação Sindicato dos Bancários
A
condução da perícia médica no INSS nem sempre é feita com o devido
respeito que deve ser dado ao segurado. Para falar sobre o assunto, O
Piquete Bancário entrevistou Luiz Salvador, advogado trabalhista e
previdenciarista em Curitiba.
Como o senhor analisa o cumprimento da legislação para a saúde e segurança do trabalho no Brasil?
Do
ponto de vista formal, as normas se apresentam como satisfatórias. Mas,
infelizmente não são aplicadas. O acidente de trabalho se transformou
em ótimo negócio a todos aqueles que acreditam na impunidade e no
desaparelhamento do estado para fiscalizar.
Investir
em segurança para que? O lucro vem a qualquer custo, nem que isso custe
vidas. O Governo criou a nova fórmula do FAP, mexendo no bolso de
acordo com o fator de morbidade empresarial, e a pericia médica
subnotifica o acidente. O perito em uma ponta é perito do INSS e na
outra ponta, faz trabalhos em convênios médicos com estas empresas,
quando não está atuando junto à justiça do trabalho como perito oficial.
Quando
não tem jeito de subnotificar os acidentes como nos casos de uma
amputação, por exemplo, trabalham para amenizar os valores das
indenizações.
Uma Lei Federal disciplina a formatação da perícia médica. O senhor considera tal legislação suficiente?
Não
basta o aspecto formal. Não há observância/cumprimento. O perito sabe
que foram dados a ele poderes indiscutíveis. Ele que manda e se
considera acima da lei. Quando questionado, responde que seu ato
administrativo se reveste no principio da legalidade e da veracidade.
Sala
de pericia do INSS, com raras exceções, é reconhecido popularmente como
local de tortura emocional. O segurado não é respeitado, porque como
temos denunciado é uma autarquia viciada, sem princípios éticos e
morais, infelizmente, dando-se prevalência não ao social, à dignidade da
pessoa humana, mas ao interesse patrimonialístico, do lucro a qualquer
custo.
Em muitos casos, o trabalhador não se recuperou e tem de voltar ao trabalho. Como agir?
O
segurado é evidentemente a parte mais fraca nesta relação. Segundo o
chefe da agencia do INSS/Timóteo-MG, quase 99,9% dos recursos
administrativos que o segurado tem direito são negados.
O
caminho mais confiável é de imediato a via judicial, requerendo de
forma fundamentada e consubstanciada em documentos, o restabelecimento
do benefício através de liminar. Não sendo concedida, entrar com agravo
de instrumento em até 10 dias da data da certificação. A perícia médica
judicial tem sido um dos caminhos mais curtos para se restabelecer o
benefício.
Quais as propostas para melhorar os serviços de perícia?
A
primeira delas seria, sem sombra de dúvidas, a
qualificaçãoespecialização dos peritos.A segunda, que eles sejam
avaliados por uma comissão formada pela sociedade e, não pelos próprios
peritos como ocorre atualmente. Terceiro, fazer um rodízio com os chefes
das agências. Salvo exceções, o INSS conta em seus quadros com
profissionais que usam seus cargos para benefícios pessoais, trabalhando
ao mesmo tempo, dentro das empresas, como perito do INSS e por último
até como perito judicial.
O
ideal é a implantação de fiscalização e controle de todos esses atos,
sendo submetidos esses profissionais a uma política de avaliação de
desempenho a ser implantada, através de uma comissão multidisciplinar
indicada por representação da sociedade, incluindo as entidades
sindicais.
Uma
tomada de consciência, em especial das entidades sindicais, como um
todo, para atuar em todos esses desmandos, incluindo os peritos que
contrariando o código de ética médica, concedessem alta médica a
segurado ainda portador de incapacitação, como tem ocorrido casos em que
tais profissionais devem ser processados, civil e criminalmente,
contribuindo para a moralização do sistema viciado.
Quais os direitos do trabalhador que passa por uma perícia médica?
O
segurado merece respeito. O INSS não tem assegurado que o trabalhador
seja periciado por um profissional especializado no tipo de
sequelaadoecimento.
No
geral, o segurado leva para o ato pericial uma infinidade de relatórios
e exames, apontando o gravame, mas nem sempre tais documentos são
analisados pelos peritos ou mesmo muitas vezes tais resultados nem podem
mesmo ser compreendidos, pela falta de especialização do perito.
A
dignidade do trabalhador, segurado, acaba sendo violada e não
respeitado o direito constitucional garantido, o da ampla defesa e ao
contraditório.
De modo geral, quais as principais queixas dos trabalhadores?
A
lei protege todo segurado ao recebimento do benefício auxílio-doença,
enquanto permanecer a sequela incapacitante. Mas, no geral o segurado já
sabe, que o INSS, por uma visão cartesiana e patrimonialista, somente
concederá o benefício de lei a alguns, média de 40%.
O
restante é dispensado, sem o benefício, como resultado da política de
choque de gestão para redução de custos, justamente por falta de
fiscalização.
Além
disso, observa-se as práticas costumeiras de mercado e o uso das
repudiadas subnotificações acidentárias que acabam onerando a
previdência, com os custos de auxílio-doença, quando o benefício a ser
concedido seria o acidentário, com fonte de custeio específico,
proveniente do SAT.
Assim,
o sentimento dos segurados é pela existência de uma modalidade de
“carta marcada” no sistema do DATAPREV. E são os próprios peritos que
muitas vezes, informam ao segurado que não foi ele que negou o
benefício, mas, sim, o sistema SABI, que controla todo tipo de concessão
de benefícioalta médica.
Há ações civis públicas em dez Estados do país para pedir o fim da alta programada. Porque ela está sendo criticada?
A
perícia médica do INSS ao praticar as repudiadas “altas programadas”,
acaba atendendo a um interesse patrimonial das empresas para que estes
trabalhadores sejam retornados ao trabalho, permitindo-se sejam
sumariamente demitidos. A alta programada é um procedimento pernicioso
não só contra o segurado que necessita do benefício, mas toda a
sociedade que adoece junto. A perícia médica através da alta programada
advinha que um segurado portador de amputação de um braço, estará apto
em 90 dias, por exemplo, (ver manual de diretrizes de apoio á decisão
médico-pericial em ortopedia e traumatologia – MPAS – março de 2008).
Nossa
legislação infortunística é uma das melhores do mundo, todavia, sem
efetividade. De todos sabido que cabe ao empregador assegurar a todo seu
empregado, meio ambiente laboral equilibrado, livre de risco de
acidente e ou de adoecimento ocupacional. Todavia, por falta de
fiscalização, e com cultura equivocada, patrimonialista, deixam de
investir em prevenção, contribuindo para que o Brasil detenha o título
de “campeão mundial em acidentes de trabalho”, razão porque temos
defendido a adoção no Brasil do Direito Penal Trabalhista, para
criminalização desses desrespeitos/abusos, como já ocorre em diversos
países, inclusive na Espanha.
Luiz
Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr,
Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), atual Vice-Presidente
Executivo da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do
Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de
trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de
jurados, do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical
(México), do TMLS – Tribunal Mundial de Liberdade Sindical (Colômbia),
do Tribunal Ético Internacional sobre os Direitos das Trabalhadoras e
Trabalhadores do Campo, e da Comissão de “juristas” responsável pela
elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação
trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E
3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
* Publicado originalmente pelo Sindicato dos Bancários e retirado do site Adital.
(Adital)
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