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REPORTAGEM - 50 anos do golpe militar no Brasil: repressão e tortura
Adital: www.adital.com.br
"É
como se eles corrompessem sua alma, destruindo o que você tem de bom
(...). Eles querem, através do massacre, da desumanidade, que você
traia, que você rompa todos os vínculos que tem, como no caso que eu vi,
de uma menina que entregou o próprio pai”.
Maria do Carmo Serra Azul
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O trecho acima faz parte de uma longa entrevista concedida por Maria do Carmo Serra Azul à Adital. Cacau, como é conhecida pelos amigos, é uma ex-presa política, que foi torturada nos porões do DOI-CODI, um dos órgãos repressores da ditadura militar brasileira.
Presos
políticos, como Cacau e tantos outro,s são pessoas qu encarceradas
pelas autoridades de um país por exprimir, em palavras ou atos, a sua
discordância com o regime político em vigor. Vale ressaltar que a
existência desse preso, está, em regra, associada a regimes políticos
ditatoriais, ou seja, geralmente, não há presos políticos se não há
ditadura.
As
torturas as quais eram submetidos os presos políticos levaram ao
surgimento de outro termo: desaparecidos políticos, pessoas que
simplesmente sumiram após serem detidas pela polícia.
O site www.acervoditadura.rs.gov.brrevela
que existem mais de 200 mortes oficiais no período da ditadura, contudo
esse número deve ser bem maior, tendo em vista que muitos mortos foram
simplesmente "desovados”, para utilizar um termo que os próprios
opressores usavam.
Outro número oficial, que, na realidade, também deve ser bem maior, é o de desaparecidos. O site www.desaparecidospoliticos.org.br,
lista 379 nomes de pessoas que sumiram desde que foram presas durante o
regime militar. Esse número é baixo se levarmos em conta que muitas
famílias não relataram o sumiço de seus entes por medo de sofrerem
represálias por parte dos militares.
Métodos de tortura
"Eles
faziam um morde e assopra, me afogavam e depois me faziam respirar,
como se eu houvesse me afogado na praia, isso me deixava maluca”,
desabafa Cacau ao lembrar-se dos 15 dias que passou sendo torturada.
Antes
de falarmos dos órgãos de repressão, é necessário explicar os métodos
de tortura utilizados, que, muitas vezes, eram tão cruéis, levando à
morte dos torturados ou deixando-os loucos.
Cadeira do Dragão
– "Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus,
na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido”. (Maria Amélia Teles,
ex-militante do Partido Comunista do Brasil) - Era uma espécie de
cadeira elétrica revestida de zinco e ligada a terminais elétricos, onde
os presos sentavam pelados. Quando ligado, o aparelho transmitia
choques em todo o corpo do torturado. Além disso, muitas vezes, os
torturadores colocavam um balde de metal na cabeça da vítima, onde
também eram aplicados choques.
Pau-de-arara
– "Fui para o pau de arara várias vezes. De tanta porrada, uma vez meu
corpo ficou todo tremendo, eu estrebuchava no chão”. (Maria do Socorro
Diógenes, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
(PCBR) – O pau-de-arara era uma das formas mais antigas de tortura,
utilizada no Brasil desde a época da escravidão. Os torturadores
colocavam uma barra de ferro atravessando os punhos e os joelhos do
preso, que ficava pelado. A vítima era pendurada a cerca de 20
centímetros do chão, numa posição que causava dores lancinantes e não
parava por aí. Depois de pendurado o torturado sofria com choques
elétricos, pancadas e queimaduras com cigarros.
Afogamentos
– "Os caras me enfiavam de capuz num tanque de água suja, fedida,
nojenta. Quando retiravam a minha cabeça, eu não conseguia respirar,
porque aquele pano grudava no nariz.” (Maria do Socorro Diógenes,
ex-militante PCBR) - Nesse método, os torturadores tapavam as narinas do
preso e colocavam uma mangueira dentro da boca da vítima, obrigando-o a
engolir água. Outro método de afogamento era o de imergir a cabeça do
torturado em um tanque de água, forçando sua nuca para baixo até o
limite do afogamento. Muitas vezes o preso desmaiava, o que não
significava o fim da tortura.
Geladeira
– Os presos eram obrigados a ficar nus dentro de uma cela pequena o
suficiente para impedi-los de ficarem de pé, após isso os torturadores
acionavam um dispositivo que, controlado por eles, alternava a
temperatura da cela entre extremamente baixa e alta o suficiente para
enlouquecer alguém. Somado a isso, alto-falantes reproduziam sons
extremamente irritantes. Os presos chegavam a passar dias nessas celas,
sem água e comida.
Soro da verdade
– Existem vários tipos de "soros da verdade”, o utilizado pelo regime
militar era o pentotal sódico. Uma droga que provoca na vítima um estado
de sonolência e reduz as barreiras inibitórias. Sob seu efeito, a
pessoa pode falar coisas que normalmente não falaria (daí o nome de soro
da verdade). O problema é que o efeito desse soro é pouco confiável, já
que a vítima pode ter alucinações e fantasiar coisas que não são
necessariamente verdadeieras. Além disso, em alguns casos, a droga pode
levar à morte.
Espancamentos –
"Eles giravam os presos dentro das celas e os jogavam contra a parede,
deixando marcas de sangue por todos os lados, meu marido tem uma
cicatriz na cabeça até hoje por conta disso” (Cacau) - Como o próprio
nome já diz, era literalmente um espancamento. O preso recebia agressões
físicas de todas as maneiras possíveis, entre as mais violentas estava o
"telefone”, onde o torturador batia com as duas mãos, em forma de
concha, ao mesmo tempo nos ouvidos do preso. Essa técnica deixava o
torturado zonzo e podia até estourar os tímpanos, causando surdez
permanente.
Abusos sexuais
– "Eles usavam e abusavam. Só nos interrogavam totalmente nuas,
juntando a dor da tortura física à humilhação da tortura sexual”. (Gilse
Cosenza, ex-militante da Ação Popular, AP). Uma forma cruel de tortura,
afeta tanto o físico quanto o psicológico. Esses abusos eram somados
aos espancamentos, xingamentos e muita submissão, muitas vezes além do
estupro, homens e mulheres tinham objetos introduzidos em seus corpos.
Tortura psicológica
– "Com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala
quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por
conta dos choques. Quando me viu, a Janaína perguntou: ‘Mãe, por que
você está azul e o pai verde?’. O Edson disse: ‘Ah, mãe, aqui a gente
fica azul, né?’. Eles também me diziam que iam matar as crianças.
Chegaram a falar que a Janaína já estava morta dentro de um caixão”. -
Considerada por muitos como a forma mais cruel de tortura. Iam desde a
humilhação do preso até ameaças de violência contra seus familiares.
Mulheres grávidas ou que tinham filhos recém-nascidos, muitas vezes
ouviam dos torturadores que nunca mais os veriam. Há também relatos de
homens que eram obrigados a assistir a abusos sexuais contra suas
mulheres.
Os órgãos de repressão
"Você,
agora, vai conhecer a sucursal do inferno”. (Palavras proferidas por um
oficial do exército a Frei Tito, quando este era levado para o
interrogatório e, consequentemente, para as torturas)
"Diziam
que a tortura não era institucional, eu me entreguei na 10º Legião
militar e saí de lá encapuzada e sofrendo agressões, então é tudo uma
grande mentira, havia sim o conhecimento do que acontecia com os presos
políticos (...). No próprio quartel, havia uma placa com a sigla
DOI-CODI”, lembra Cacau, sobre o dia em que se entregou à polícia.
Os
órgãos de repressão da ditadura militar brasileira eram vários, mas
vamos nos ater aos mais importantes e temidos, como o DOI-CODI. Foram
nos porões desse órgão onde a maioria dos presos políticos foi
torturada, humilhada e muitas vezes morta.
O
DOI-CODI, que era chefiado pelo, então, Capitão Carlos Alberto
Brilhante Ustra, era formado por dois órgãos distintos, o Destacamento
de Operações e de Informações (DOI), responsável pelas ações práticas de
busca, apreensão e interrogatório de suspeitos, e o Centro de Operações
de Defesa Interna (CODI), cujas funções abrangiam a análise de
informações, a coordenação dos diversos órgãos militares e o
planejamento estratégico do combate aos grupos de esquerda. Embora
fossem dois órgãos distintos, eram frequentemente associados na sigla
DOI-CODI, o que refletia o caráter complementar dos dois órgãos.
Ustra,
em 2008, se tornou o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça
brasileira como torturador no período da ditadura. Durante uma sessão da
Comissão da Verdade, em 2013, o ex-sargento do Exército Marival
Fernandes testemunhou que o ex-comandante, era o "senhor da vida e da
morte" do DOI-CODI e "escolhia quem ia viver e morrer".
Outro
braço importante da repressão e que causava calafrios nos presos era o
Esquadrão da Morte, liderado pelo delegado Sérgio Fleury. O Esquadrão,
que surgiu na década de 1960 em São Paulo, era um grupo paramilitar cujo
objetivo era perseguir e matar supostos criminosos tidos como perigosos
para a sociedade.
Seu
comandante, Fleury, era um dos mais cruéis interrogadores,
frequentemente os presos interrogados por ele morriam durante as
torturas. "Ele frequentemente contava vantagens afirmando ter sido a
pessoa que matou o Marighella”, conta Cacau.
Maria
do Carmo foi uma das pessoas que enfrentou o interrogatório de Fleury e
sobreviveu. Ela conta que todos os interrogatórios feitos por ele eram
alternados entre torturas e conversas. "Ele me perguntava: você está
gostando? Você quer que eu repita? Aí eu dizia:não. E ele retrucava,
pois então fale. E eu respondia: mas eu não sei”.
Censura
Além
da repressão violenta, havia também a censura. Durante a ditadura, foi
enorme a censura sob as produções culturais que contrariavam as
doutrinas militares. O órgão responsável por ela, durante o regime, era a
Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Para aprovar a letra
de uma música, por exemplo, era necessário enviá-la para o DCDP e se não
fosse liberada pelo órgão, a gravadora poderia abrir um recurso a ser
julgado pelos censores, que ficavam em Brasília. Eles analisavam como
eram tratados os bons costumes e a crítica política contra o regime
militar.
"Eles
se achavam onipotentes, inalcançáveis, o que não era tão verdade assim.
Eu ainda tinha o controle sobre o que eu faria. O que eles queriam, eu
sabia, e só diria se eu quisesse”, ressalta Cacau.
Curiosidades
Alguns fatos curiosos ocorreram na época da censura, coisas que poucas pessoas sabem, vejamos:
Gilberto Gil fez a composição da música "Aquele Abraço” após ter sido preso em um camburão. Ele acreditava que seria morto;
Chico
Buarque, quando escreveu a canção ‘Apesar de você’ o fez pelo
descontentamento com a falta de liberdade durante a ditadura. O cantor
externou seu desapontamento na canção, onde a crítica era disfarçada
como uma briga entre namorados. Ao enviar a canção para o departamento
de censura, ele imaginou que a letra seria vetada, mas acabou sendo
liberada;
Após
a gravação de "Apesar de você”, os censores se tornaram bastante
rígidos com Chico Buarque, que, então, passou a utilizar também o
heterônimo Julinho de Adelaide, para fugir da censura. Após a descoberta
de que Julinho de Adelaide e Chico eram a mesma pessoa, os censores
passaram a exigir cópias de RG e CPF dos artistas.
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