Rendimento do fundo
TR no FGTS faz parte de sistema definido em lei, diz Caixa
A
Caixa Econômica Federal joga com os números a seu favor na disputa a
respeito do uso da Taxa Referencial (TR) para correção do rendimento do
Fundo de Garantia (FGTS). Das milhares de ações que tramitam na Justiça
Federal do Brasil inteiro, mais de 30 mil delas são a favor da aplicação
da taxa e pouco mais de 200 são contra. Os tribunais regionais federais
decidiram sobre o tema 78 vezes: 56 a favor da caixa e 12 contra. Nas
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, são 76 decisões
favoráveis e apenas uma contrária.
O
caso está no Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do ministro
Benedito Gonçalves, da 1ª Turma. Na terça-feira (25/2), depois de pedido
da Caixa, ele afetou um dos casos como recurso repetitivo, determinando
o sobrestamento de todas as ações judiciais sobre o caso em trâmite.
A
discussão é em torno da legalidade do uso da TR como índice de correção
do rendimento do FGTS. As ações afirmam que a Taxa Referencial não pode
ser usada porque rende, por regra, abaixo da inflação. Isso, na opinião
dos autores, faz com que o Fundo de Garantia seja corroído pela
inflaçao ao longo dos anos.
O
argumento que tem aparecido nas decisões contrárias ao Fundo é o de que
o Supremo Tribunal Federal, quando discutiu a constitucionalidade da
Emenda Constitucional 62, que tratou do regime especial para pagamento
de precatórios, declarou inconstitucional o uso da TR para correção
monetária. A argumentação das decisões sobre o FGTS contrárias ao
posicionamento da Caixa é a de que se a TR não vale para precatórios,
não valerá para corrigir o saldo do FGTS.
Mas, para o diretor jurídico da Caixa, Jailton Zanon da Silveira,
as decisões têm misturado conceitos “bem distintos”. “No caso dos
precatórios, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da TR apenas para
aquelas situações de dívidas do setor público com particular, e não para
todo o ordenamento jurídico”, explica.A diferença, afirma, está na questão específica de que precatórios podem ser usados para compensação tributária. Como as dívidas fiscais são corrigidas de acordo com a inflação, o mecanismo de correção dos valores compensáveis deve ser o mesmo. “No caso do FGTS, estamos falando de atualização de acordo com o que está determinado em lei, e essa lei garante que o índice aplicado no Fundo de Garantia seja o mesmo aplicado em financiamentos habitacionais.”
O sistema
O principal argumento da defesa do FGTS nos tribunais, e agora no STJ, é o de que os índices de correção do FGTS fazem parte de um sistema ao qual estão vinculados diversos outros fundos e programas de caráter social, como o financiamento estudantil, as cadernetas de poupança, o financiamento ao saneamento básico e os empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação. E a escolha da TR para a correção do rendimento desse dinheiro foi feita em uma lei que vigora desde 1991, a Lei 8.177/1991.
Zanon explica que a TR foi criada dentro de um conjunto de medidas para desindexar a economia e assim evitar que todos os contratos fossem corrigidos refletindo a alta de preços do mês anterior. Foi uma das medidas adotadas para combater a hiperinflação que se abatia sobre o Brasil na década de 1980.
E é nesse sistema que está inserido o FGTS e sua correção pela TR. Zanon argumenta que, por lei, o Fundo de Garantia deve ser corrigido pelos mesmos índices de remuneração aplicados às cadernetas de poupança. Essa construção foi feita para que o saldo da poupança e do FGTS seja usado como funding para financiamentos habitacionais. E no caso do Fundo de Garantia, continua Zanon, a lei determina que no mínimo 60% do dinheiro seja vinculado ao financiamento de habitação para a população de baixa renda. “Ou seja, qualquer alteração do índice para o trabalhador implicará no aumento do valor das prestações da casa própria, o que não é a política de Estado, principalmente diante do déficit habitacional.”
Escolha do índice
Jailton Zanon afirma que a legislação que trata do assunto criou um sistema equilibrado e mexer nele seria perigoso para as contas públicas. Vincular o FGTS à inflação acarretaria, diretamente, em vincular a correção dos contratos habitacionais à inflação, o que poderia dificultar o financiamento habitacional.
A Caixa não levantou de quanto pode ser o prejuízo do fundo, caso perca as batalhas judiciais. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade protocolada pelo partido Solidariedade no Supremo, no entanto, uma conta é feita. A legenda questiona a constitucionalidade do uso da TR na correção do FGTS, mas pede que, caso a regra seja derrubada, uma nova seja aplicada apenas a partir da data do julgamento — e não que seja recalculado todo o rendimento do FGTS desde 1991. O prejuízo calculado pelo Solidariedade, nessas condições, é de R$ 200 bilhões.
Na ação do Solidariedade, o pedido é que o Supremo determine que o FGTS seja corrigido pelo IPCA, índice de inflação calculado pelo IBGE, do governo federal. “Mas por que o IPCA e não o IPC, o IGP ou tantos outros que existem? Não vejo como se possa definir isso, pois cada índice tem metodologia própria, e seus resultados mudam no tempo. De 1991 a 1999 a TR rendeu mais que a inflação. Como escolher, 20 anos depois, qual a melhor forma de se calcular a remuneração de uma conta de Fundo de Garantia?”, rebate Zanon.
Sobrestamento
O pedido para que o STJ suspendesse a tramitação das ações judiciais veio da própria Caixa. O cálculo feito pela equipe jurídica do banco estatal é que neste começo de ano têm sido protocolados quase 10 mil processos sobre o tema por semana. O levantamento é feito toda segunda-feira pelos advogados. Na prática, isso significa que, entre a Caixa peticionar e o Judiciário decidir, o número de ações em trâmite tende a variar muito.
A essa velocidade, o risco é que o Judiciário acabe travado para decidir centenas de milhares de processos que tratam de um único tema. Em tempos em que todos os tribunais do país estão assoberbados de demandas de todos os tipos, deixar que isso acontecesse seria contraditório. O caminho encontrado, então, foi pedir o sobrestamento dos processos, já que o STJ afetou o caso como recurso repetitivo. Dessa forma, o tribunal só precisa decidir um caso, uma vez, e definir a questão.
De acordo com as análises da equipe jurídica da Caixa, o comportamento do STJ em recursos repetitivos tem sido o de manter o entendimento que a maioria do Judiciário vem aplicando, e não de romper com a jurisprudência dominante. Por isso, a previsão é favorável à Caixa: até a segunda-feira (24/2), eram mais de 30 mil decisões favoráveis ao uso da TR e 220 contrárias.
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2014
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