quarta-feira, 26 de março de 2014

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Atividade de risco e trabalho inseguro

 
Publicado em Terça, 25 Março 2014 00:11
Legislação infortunística Brasileira é de proteção ao trabalho, contra acidentes do trabalho e ou adoecimentos ocupacionais.
Luiz Salvador*

A legislação infortunística brasileira é de proteção contra infortúnios laborais, obrigando o empregador a garantir a todo seu trabalhador meio ambiente equilibrado, eliminando os riscos ambientais, assegurando-se que o trabalhador, trabalhe sem riscos de acidente do trabalho e ou de adoecimentos ocupacionais.

Infelizmente, apesar de todo o aparato legal protetor da vida e da dignidade da pessoa humana, não é o que se verifica no quotidiano do trabalhador, que ao ser admitido, faz o exame admissional, comprovando sua higidez física e mental, mas, em grande parte dos casos, em pouco tempo é devolvido ao mercado de trabalho, doente e lesionado, realidade essa que já contribuiu para que o Brasil seja considerado “campeão mundial em acidentes do trabalho”.

É axioma conhecido, princípio evidente, que o empregador deve zelar pela saúde física e mental de seu empregado, com o mesmo zelo que cuida da sua própria saúde e de seus familiares.

A legislação previdenciária assegura a todo trabalhador segurado o direito de receber o benefício previdenciário, conhecido como auxílio-doença, sempre que for constatada por perícia médica a incapacitação do trabalhador segurado para o exercício profissional, ainda que a doença não guarde relação com o trabalho (B31). Acaso o adoecimento e ou sequela incapacitante tenha relação com o trabalho o benefício devido é o auxílio doença-acidentário (B91).

Na lei, tudo lindo. Na prática, não é o que vivenciamos em nosso quotidiano no contato direto com trabalhadores doentes e lesionados que nos procuram para o atendimento jurídico. Há todo um aparato institucionalizado para a não concretização dos direitos legislados. Há um conflito de direitos, tornando os objetivos pela maximização dos lucros a qualquer custo os prevalentes, ainda que os de ordem social, tornando letra morta os princípios e fundamentos de nossa Carta Política vigente que assegura:

Preâmbulo:

“instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus”.
Dos princípios fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º, inciso XXIII: a propriedade atenderá a sua função social;

Art.7 º, inciso XXII: redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

Art.7 º, inciso XXVIII: seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Art. 193: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais;

Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo que nessa proteção se inclui o meio ambiente do trabalho, local onde as pessoas desenvolvem suas atividades laborais (CF, art. 1º, IV, 200, VIII);

Jurisprudência.

O conceito de meio ambiente de trabalho na jurisprudência é comentado Élida Séguin, conforme artigo do jurista Pedro Miron de Vasconcelos Dias Neto “Da internacionalização à constitucionalização do direito ambiental sob a perspectiva do meio ambiente do trabalho”.
Fonte:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13243&revista_caderno=5#_ftnref15

“O STJ, julgando conflito de competência nº 16.243, São Paulo, conceituou o Meio Ambiente do Trabalho como o complexo de bens de uma empresa, objeto de diretos relativos à saúde e à integridade física dos trabalhadores. O MAT é formado pelo complexo de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial, de uma empresa e suas práticas de produção ante a normatização de determinadas atividades e suas repercussões no Meio Ambiente, ligado ao exercício de atividades produtivas, dentro e fora das paredes da empresa. Caracteriza-se por ser o local onde o ser humano exerce atividades produtivas, com ou sem vínculo empregatício. Mesmo visando o lucro e a competitividade, deve ter como objetivo a preservação ambiental e a integridade física, social e psicológica dos trabalhadores”.

Subnotificação Acidentária.

Art. 22 da Lei 8.213/91: A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

Apesar de se tratar de norma legal impositiva, seu descumprimento é uma constante, fato esse que passou a ser conhecido como o das repudiadas práticas das subnotificações acidentárias.
A mesma lei, no caso de omissão do empregador, autoriza que a CAT também possa ser emitida e formalizada, pelo próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, (Lei 8.213/91, art.22, § 2º). Não obstante essa regulação em lei expressa, é prática rotineira no INSS não acatar CAT que não seja emitida pelo empregador. Ao não reconhecer a emissão da CAT, submetido o trabalhador a perícia médica e comprovada a incapacitação laboral, o benefício que tem sido concedido não é o de lei, o acidentário, mas o mero auxílio doença comum (B31), contribuindo com esse proceder à divulgação pela própria previdência do propalado “déficit previdenciário”.

Essa prática das subnotificações acidentárias é rotineira e de todos conhecida, razão porque o próprio Governo encaminhou ao Congresso Nacional proposta de alteração legislativa que foi aprovada, a do NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, permitindo ao INSS conceder o benefício de lei, o acidentário (B9-1), de Responsabilidade Objetiva, que resultou na nova regulação prevista no art. 21 A da Lei 8.213/91, assim, dispondo: “A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento”.

Fortíssima rejeição contra essa alteração legislativa, tomou corpo, tanto dentro do corpo empresarial, como dentro do próprio INSS, com a edição da Instrução Normativa 31 que abre brecha para se sabotar a aplicação do NTEp dentro do INSS, baseado em documentos autodeclaratórios por parte da empresa (PPP, PPRA, PCMSO, dentre outros), documentos esses, como sabido, no geral não correspondem à realidade ambiental de risco a que são os empregados compelidos a trabalhar, tornando a norma do art. 21 A da Lei 8.213/91, letra morta, por recusa dos peritos do INSS que de modo mais geral, não reconhecem o “acidente de trabalho”, salvo nas hipóteses em que o empregador tenha emitido a CAT. De pronto, essa IN 31 mereceu uma notificação recomendatória por parte do MPT para que fosse revista, mas, até hoje, não foi revogada, continuando a contribuir para que o avanço legislativo aprovado pelo parlamento, não tenha efetividade.

Leia mais nosso comentário sobre a Instrução Normativa 31 que substituiu a de número 16 e que foi contestada pelo Ministério Público do Trabalho, intimando-se o INSS para que: "Proceda no prazo de 60 dias a revisão da Instrução Normativa INSS/PRES 31, de 10 de setembro de 2008, abstendo-se de editar instrução normativa que contrarie normas legais e conceitos jurídicos já consagrados". (NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA 9/2008).
Link: http://avancosocial.blogspot.com.br/2009/02/lei-previdenciaria-e-para-ser.html

Reabilitação Profissional.

É direito assegurado pelo art. 18, da Lei 8.213/91 aos segurados da Previdência, prestações diversas, incluindo a reabilitação profissional (inciso III), decorrente de acidentes do trabalho.

Mas, também, esse direito é descumprido pelo INSS ao delegar ao próprio empregador a responsabilidade por “reabilitar” o seu empregado que haja se acidentado e ou desenvolvido adoecimento ocupacional.

Apesar de ser dever legal do INSS investir em programas de Reabilitação Profissional para seus segurados, raros, raríssimos são os serviços disponibilizados para tais atendimentos, quando o documento de proposta Diretoria de Saúde do Trabalhador do INSS em consulta pública reconhece a deficiência e a precariedade na prestação desses serviços, quando expõe números de dezembro de 2012, em que o INSS das 1.363 agências da Previdência Social no país, apenas 417 dessas agências disponibilizaram serviços de Reabilitação Profissional, na modalidade de equipes fixas, sendo que outras 219 não tinham equipes próprias e contavam com equipes
volantes que se deslocavam para atender seus segurados.

Link: http://www.previdencia.gov.br/noticias/de-suacolaboracao-
inss-abre-consulta-publica-sobre-reabilitacao-profissional/
“Reabilitação Profissional: articulando ações em saúde do trabalhador e
construindo a reabilitação integral”

A prática rotineira é atribuir ao empregador essa relevantíssima, como dever do Estado, de forma delegada à atividade privada e a quem, sabidamente, não tem perfil para o exercício dessa função pública de tamanha relevância, por tratar-se de direito fundamental que tem que ser assegurado, não podendo ser ignorado, desprezado, violentado.

Ora, se esse mesmo empregador descumpriu com seu dever social de assegurar o trabalho digno e de qualidade, em meio ambiente laboral, sem risco e não o fez, como atribuir a ele a responsabilidade da “reabilitação profissional”?

De pronto, resta sabido que esse empregador não tem perfil para cumprir função delegada pela reabilitação profissional de seu empregado acidentado, contribuindo, assim, para que mais uma vez, a proteção legal legislada, se torne, também, letra morta.

CONCLUSÃO.

Atualmente, pelo que temos vivenciado a "reabilitação" tem ficado ao encargo das empresas. E de reabilitação mesmo, nem se pode falar e serve para demitir trabalhadores doentes e lesionados. A empresa declara reabilitado o trabalhador e é retornado às atividades normais anteriores, vindo a agravar, ainda mais, o quadro de sequelas ainda presentes, quando já não é demitido de imediato, ainda doente e lesionado. Como pode a reabilitação ficar ao encargo de quem não tem perfil para essa função pública delegada. O mesmo empregador que já descumpriu a legislação infortunística, não eliminando os riscos da atividade econômica, não investindo em prevenção e continuando a praticar as conhecidas e repudiadas subnotificações acidentárias, ao arrepio da legislação infortunística protetora da vida e da higidez física e psíquica do trabalhador.
Além do mais, de se reafirmar que sendo sabido que o NTEP veio exatamente para corrigir uma anomalia de mercado, permitindo ao INSS conceder o benefício de lei, o acidentário, subnotificado, continua sendo letra morta, por reação dos interesses contrariados dos próprios responsáveis por sua aplicação, pelas brechas propiciadas quer por normativas internas (IN31), quer por falta de vontade política, quer por falta de perfil para o exercício de cargo público (servidor) que são os próprios peritos do INSS, salvo exceções conhecidas, sendo que muitos deles, atual em tripla função: trabalham para o empregador, onde acompanham a evolução do estado de saúde de cada empregado, pelos prontuários médicos; paralelamente, atual também como peritos do INSS e por último, muitos deles passaram também a atuar como peritos judiciais, onde o nexo causal no geral resta não reconhecido, contribuindo para que o direito legislado de proteção à vida e a incolumidade física e psíquica do trabalhador segurado, não tenha efetividade, negando-se a proteção dos direitos fundamentais da prevalência do social e da vida, favorecendo o mau empregador que descumpre as normas de proteção à saúde do trabalhador.
Essa é uma triste realidade sabida e conhecida e que vimos denunciando em nossos artigos e palestras de há anos, além de caracterizar um problema seriíssimo do ponto de vista ético, violador dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.
(*) Membro do corpo técnico do Diap, é advogado trabalhista e previdenciário. E-mail: luizsalv@terra.com.br - site: www.defesadotrabalhador.com.br 

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