INDENIZAÇÃO. PERDA DE UMA CHANCE. OUTRA MODALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO
Doutrina e Jurisprudência a respeito de uma terceira modalidade de reparação de Dano.
Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
Art.
186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art.
187 . Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927 . Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.
Art. 944 do Código Civil - Lei 10406/02: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.
Jurisprudência:
EMENTA:
INDENIZAÇÃO – PERDA DE UMA CHANCE – OCORRÊNCIA. Hodiernamente, ao lado
dos danos materiais e dos danos morais, como espécies de dano reguladas
pelo ordenamento jurídico, vem se firmando essa terceira modalidade de
dano, na qual se enquadra a indenização pela perda de uma chance, cuja
admissibilidade vem sendo reconhecida pelo Eg.TRT da 3ª Região. Para a
caracterização do prejuízo passível de ensejar reparação é necessária
uma oportunidade real e concreta que deixe de ...ser obtida pela
intromissão determinante de alguém, resultando no dano. No caso dos
autos, restou comprovada a perda da contratação do autor por culpa
exclusiva da reclamada, suficiente para ensejar o direito à indenização.
(TRT 3ª R. – 5ª Turma -
0000364-83.2013.5.03.0138.RO.(00364-2013-138-03-00-7 RO) Rel.:
Desembargador Paulo Roberto Sifuentes Costa – disponibilização: DEJT
18/12/2013, p. 243 - publicação: 19/12/2013).
STJ
Terceira Turma aplica teoria da perda da chance e reduz indenização por erro médico
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu o valor de
indenização – de R$ 120 mil para 96 mil – a ser paga por médico
oncologista em virtude de erro profissional no tratamento de câncer de
mama. O colegiado, seguindo o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi,
aplicou ao caso a teoria da perda da chance.
“Admitida
a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em
uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A
chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É
necessária uma redução proporcional”, assinalou a ministra.
No
caso, a família da vítima ajuizou ação de indenização contra o médico
alegando que, durante o tratamento do câncer na mama, ele teria cometido
uma série de erros, como falta de recomendação da quimioterapia,
realização de mastectomia parcial em vez da radical e falta de
orientação para não engravidar.
A
família afirmou ainda que, com o reaparecimento da doença, novamente o
tratamento foi inadequado, e houve metástase que foi negada pelo médico.
Em medida cautelar de produção de provas ajuizada previamente, os erros
foram confirmados.
Contestação
O
médico negou todos os fatos, defendendo a adequação do tratamento por
ele prescrito, e impugnou o laudo pericial. Também apresentou
reconvenção, alegando que o processo conteria apologia ao erro médico e
que a indenização seria devida a ele, tanto pelo abalo psicológico, como
pelo suposto dano de imagem decorrente da acusação feita pela família.
O
juízo de primeiro grau condenou o médico ao pagamento de R$ 120 mil
pelo dano moral, mais a reparação do dano material alegado pela família.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR)
manteve a condenação, considerando que a falecida teve chances objetivas
perdidas por conta do erro médico.
Oportunidade frustrada
Em
seu voto, a ministra Nancy Andrighi afirmou que o STJ vem enfrentando
diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda da chance em sua
versão tradicional, na qual o agente tira da vítima uma oportunidade de
ganho.
Segundo
a ministra, nos casos em que se discute erro médico, a incerteza não
está no dano experimentado, principalmente nas situações em que a vítima
vem a morrer. “A incerteza está na participação do médico nesse
resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da
doença, e não pela falha de tratamento”, disse ela.
A
ministra destacou que, no caso, a extensão do dano já está definida, e o
que resta saber é se esse dano teve como causa também a conduta do réu.
“A
incerteza, portanto, não está na consequência. Por isso ganha relevo a
alegação da ausência de nexo causal. A conduta do médico não provocou a
doença que levou a óbito, mas, mantidas as conclusões do acórdão quanto
às provas dos autos, apenas frustrou a oportunidade de uma cura
incerta”, disse a relatora.
Doutrina
No
julgamento do processo foi exposta a controvérsia acerca do assunto
existente entre a doutrina francesa e a americana. Muitos autores
franceses entendem que, nas situações em que a conduta adequada do réu
teria potencial de interromper um processo danoso, não seria possível
aplicar a teoria da perda da chance.
Haveria,
nesses casos, um dano conhecido e a necessidade de comprovação da
responsabilidade do réu por esse dano. O julgamento, assim, teria de ser
realizado mediante um critério de tudo ou nada: se o nexo entre a
conduta do réu e o dano fosse comprovado, a indenização deveria ser
integral. Se o nexo não fosse comprovado, nenhuma indenização seria
devida.
Nos
Estados Unidos, por outro lado, a doutrina, aplicando à hipótese os
princípios da análise econômica do direito, vê a chance perdida como uma
“commodity” autônoma, passível de indenização. O nexo, assim, seria
estabelecido entre a conduta do réu e a perda desse direito autônomo à
chance. Contornam-se, com isso, os desafios que a apreciação do nexo
causal suscita e toda a dificuldade do trato da questão seria resolvida
no âmbito da quantificação do dano.
A
Terceira Turma, acompanhando o voto da relatora, posicionou-se no
sentido da doutrina americana, reconhecendo a autonomia do dano. Tendo
isso em vista, e ponderando todas as circunstâncias do caso, a Turma
concluiu que as chances perdidas, por força da atuação do médico, têm
conteúdo econômico equivalente a 80% do valor fixado pela sentença e
mantido pelo TJPR a título de indenização.
Doutrina.
A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil
Katiane da Silva Oliveira
Resumo: O
presente artigo objetiva abordar a teoria da perda de uma chance sob a
ótica de uma vertente peculiar da responsabilidade civil. Trata-se de um
tema ainda relativamente novo na doutrina e na jurisprudência pátria,
porém que vem ganhando aplicabilidade pelos tribunais brasileiros. A
questão apresentada cuida de nova vertente na responsabilidade civil: a
possibilidade de reparação pela perda de uma chance. Em outras palavras,
o ressarcimento pela perda da oportunidade de conquistar determinada
vantagem ou evitar certo prejuízo.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; dano; perda de uma chance.
Sumário: 1. Introdução 2. Responsabilidade civil 3. Perda de uma chance 4. Conclusão. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O
presente artigo objetiva abordar a teoria da perda de uma chance sob a
ótica de uma vertente peculiar da responsabilidade civil. Trata-se de um
tema ainda relativamente novo na doutrina e na jurisprudência pátria,
porém que vem ganhando aplicabilidade pelos tribunais brasileiros.
Primeiramente, é importante tecer breves considerações sobre as noções gerais de responsabilidade civil no direito brasileiro.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
Antes
de adentrarmos a temática propriamente dita, ou seja, na teoria da
perda de uma chance, é importante tentar compreender o conceito jurídico
de responsabilidade civil.
Uma
das áreas do Direito Civil que causa maior polêmica é, sem dúvida, a
responsabilidade civil. A idéia central consiste na obrigação legal que
cada um tem de reparar os prejuízos decorrentes de seus atos em face de
terceiros.
A palavra responsabilidade tem sua origem no verbo latino respondere,
significando a obrigação que alguém tem de assumir as conseqüências
jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais.
Os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho conceituam responsabilidade como sendo:
“A
responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma
obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as
conseqüências jurídicas de um fato, conseqüências essas que podem variar
(reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de
acordo com os interesses lesados.”[1]
Continuam os autores:
“Trazendo
esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma
linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da
agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o
infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não
possa repor in natura o estado anterior de coisas.”[2]
A responsabilidade civil, conforme o seu fundamento, pode ser dividida em responsabilidade subjetiva ou objetiva.
Diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa ou no dolo do
agente, que deverão ser comprovados para gerar a obrigação
indenizatória. Trata-se da teoria clássica, também chamada teoria da
culpa.
Diz-se
objetiva a responsabilidade quando se prescinde a comprovação da culpa
para a ocorrência do dano indenizável. A lei impõe, entretanto, em
determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente
de culpa. É a teoria dita objetiva ou do risco. Na responsabilidade objetiva imprópria a culpa é presumida.
O
Código Civil Brasileiro adota como regra a responsabilidade subjetiva,
porém no art. 927, parágrafo único, prevê a responsabilidade objetiva
decorrente do risco.
Nesse sentido são os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
“Assim,
a nova concepção que deve reger a matéria no Brasil é de que vige uma
regra geral dual de responsabilidade civil, em que temos a
responsabilidade subjetiva, regra geral inquestionável do sistema
anterior, coexistindo com a responsabilidade objetiva, especialmente em
função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano (conceito
jurídico indeterminado a ser verificado no caso concreto, pela atuação
judicial), ex vi do disposto no art. 927, parágrafo único.”[3]
A
doutrina ainda divide a responsabilidade em: a) responsabilidade
extracontratual ou aquiliana e b) responsabilidade contratual.
De
forma simples, pode-se considerar que a responsabilidade
extracontratual ou aquiliana dar-se-á quando ocorre violação direta da
norma legal. Nesse caso, a responsabilização será com base nos arts. 186
e 927 do CC/02, in verbis:
“Art. 186. Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Por
outro lado, a responsabilidade contratual dar-se-á quando ocorrer
violação de norma contratual anteriormente fixada pelas partes.
A
maioria da doutrina traz como pressupostos para a configuração da
responsabilidade civil, os seguintes: a) conduta; b) dano ou prejuízo; e
c) nexo de causalidade.
Dentre
esses pressupostos o que mais está relacionado com a teoria da perda de
uma chance é o dano, pois sem o dano não há o que indenizar.
O dano pode ser material ou moral.
A visão tradicional é a visão materialista da análise do dano, onde a diminuição patrimonial seja facilmente perceptível.
Ocorre
que novas espécies de dano vêm sendo tuteladas pela doutrina e
jurisprudência, em razão do surgimento de novos interesses que antes
ficavam carentes de indenização, modernamente vêm sendo protegidos, como
o dano decorrente da perda de uma chance.
Veja como Sergio Cavalieri Filho define o dano:
“Conceitua-se,
então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico,
qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial,
quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima,
como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um
bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida
divisão do dano em patrimonial e moral.”[4]
O
dever de indenizar (reparar o dano) é a consequência jurídica do ato
danoso, possuindo assento constitucional, veja o disposto nos incisos V e
X, in verbis:
“Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)
X
- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;”
A
responsabilidade civil também vem positivada no Código Civil. Na Parte
Geral, nos arts. 186, 187 e 188, estabeleceu a regra geral da
responsabilidade aquiliana e algumas excludentes. A Parte Especial
dedicou-lhe, em seu Título IX, ainda, dois capítulos, um "Da obrigação de indenizar" e outro "Da indenização", sob o título "Da Responsabilidade Civil".
3. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Após
as breves considerações acerca da responsabilidade civil, iniciaremos o
estudo propriamente dito do trabalho, que é a teoria da perda de uma
chance.
A
questão apresentada cuida de nova vertente na responsabilidade civil: a
possibilidade de reparação pela perda de uma chance. Em outras
palavras, o ressarcimento pela perda da oportunidade de conquistar
determinada vantagem ou evitar certo prejuízo.
A teoria da perda da chance (perte d´une chance) surgiu na França na década de 60 do século passado e foi bastante difundida na Itália.
Por
muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o
autor do dano decorrente da perda de alguém obter uma oportunidade de
chances ou de evitar um prejuízo, argumentando que aquilo que não
aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza, a propiciar uma
reparação.
Igualmente
à postura da doutrina, os tribunais costumavam exigir, por parte da
vítima que alegava a perda de uma chance, prova inequívoca de que, não
fora à ocorrência do fato, teria conseguido o resultado que se diz
interrompido.
No
Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma
chance, é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da
doutrina e da jurisprudência, uma vez que o Código Civil de 2002 não fez
menção a ela. Existe, ainda, ausência de critérios argumentativos que
tragam uniformidade aos casos.
A
aplicação da teoria da perda de uma chance no ordenamento brasileiro
não é uma questão pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência.
A
doutrina tradicional não reconhece a teoria da perda de uma chance,
pois como inexiste possibilidade de se determinar qual seria o resultado
final, não se cogita em dano pela perda da chance, pois esta recai na
seara do dano hipotético, eventual.
Com
a devida vênia, aos doutrinadores que não reconhecem a teoria, entendo
que a indenização não está relacionada com o resultado final, ou seja,
com a vantagem em si, mas sim com a perda da possibilidade de obter um
beneficio ou de evitar um prejuízo.
No sentido jurídico, a perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo.
Acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance o ilustre autor Sergio Cavalieri Filho sustenta que:
“Caracteriza-se
essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem,
desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio
futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar,
arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença
desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois,
entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar
uma perda”.[5]
Problema
que se deparam os julgadores na hora de aplicar esta teoria, é o da
quantificação do dano decorrente da chance perdida. Para a melhor
doutrina, deve-se realizar um cálculo das probabilidades de ocorrência
da vantagem caso a chance de consegui-la não tivesse sido frustrada.
Veja as lições de Sergio Cavalieri Filho:
“A
perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será
indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinqüenta
por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma
chance serão indenizáveis.”[6]
Outro
ponto controvertido na doutrina e na jurisprudência é com relação à
natureza jurídica da responsabilidade civil por perda de uma chance. A
doutrina divide, basicamente em quatro correntes: a) danos emergentes;
b) lucro cessante; c) dano moral e d) terceiro gênero, categoria
autônoma.
Não
querendo aprofundar a questão, entendo que a responsabilidade civil por
perda de uma chance deve ser considerada uma categoria autônoma, pois
não se enquadra perfeitamente nos institutos já reconhecidos pelo
ordenamento brasileiro.
Os tribunais também, embora aplicando a teoria, não trata de forma uniforme a questão.
Na
jurisprudência são encontrados casos em que o Poder Judiciário apreciou
a questão da responsabilidade civil pela perda de uma chance, aplicando
o novo Código Civil, cujos artigos 186, 402, 927, 948 e 949 acolhem a
possibilidade de reparação de qualquer dano injusto causado à vítima.
Pode-se
citar a título de exemplo, a inegável perda do direito do cliente pela
inércia desidiosa do advogado que impediu que a causa fosse examinada
pelo órgão jurisdicional competente; o médico que não diagnostica
corretamente o paciente, retardando o tratamento; o concursando que
deixa de prestar o concurso porque o curso preparatório que se
comprometeu a fazer a inscrição não o fez, entre outros.
Desses
exemplos acima mencionados observa-se um ponto em comum, não há em
exame superficial um dano certo e determinado, mas existe um prejuízo
para a vitima decorrente da perda da oportunidade ou evitar um prejuízo.
Pode-se
considerar caso notável o apreciado pelo STJ em março de 2006, em que a
autora teve frustrada a chance de ganhar o premio máximo de R$ 1 milhão
no programa “Show do milhão”, em virtude da formulação de uma pergunta
imprecisa. O voto do ministro relator Fernando Gonçalves reafirmou
entendimento favorável à aplicação da teoria da responsabilidade civil
pela perda de uma chance. A ementa do acórdão está assim escrita:
Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. 1.
O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão,
sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica
percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como
decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por
culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que
razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2.
Recurso conhecido e, em parte, provido”[7]
No
presente caso, a candidata, autora da ação, chegou à pergunta do
milhão, no entanto, achou por bem não respondê-la, por entender que não
existia resposta correta. Perguntava-se qual percentual do território
brasileiro a Constituição Federal reconhece aos índios, dando-se como
possíveis respostas 22%, 2%, 4% ou 10%.
Considerando
que nenhuma dessas respostas encontrava guarida no artigo 231 da
Constituição Federal, a candidata ajuizou ação pleiteando exatamente o
valor de R$ 500.000,00 que, segundo ela, deixara de ganhar em razão da
questão erroneamente formulada pelo réu.
A
sentença de primeira instância acolheu a teoria da responsabilidade
civil pela perda da chance e concedeu o pedido de R$ 500.000,00.
O
STJ, que apreciou o Recurso Especial do réu, aplicou a teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, mas acolheu em parte o
inconformismo do réu, entendendo que as chances matemáticas que a autora
tinha de acertar a resposta da pergunta do milhão, se formulada a
questão corretamente, eram de 25%. Assim, reduziu a condenação para R$
125.000,00. Eis, a seguir, importantes fundamentos do voto vencedor,
relatado pelo ministro Fernando Gonçalves:
"Na
hipótese dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como
se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento
em que surpreendida com uma pergunta, no dizer do acórdão, sem resposta,
obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o
questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros
regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável
esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão".
... Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade,
que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta,
assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da
integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na
pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do
acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante,
é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal
formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente
no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta
ensejadora de evidente dano. Resta, em conseqüência, evidente a perda da
oportunidade pela recorrida ... Quanto ao valor do ressarcimento, a
exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao
tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema,
adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o
enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado da outra. A
quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00) – equivalente a um
quarto do valor em comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de
acerto da questão de múltipla escolha com quatro itens, reflete as reais
possibilidades de êxito da recorrida”.
Outro
caso emblemático que podemos citar é o caso do atleta brasileiro
Vanderlei Cordeiro de Lima, que perdeu uma grande chance de levar para o
Brasil a medalha de ouro na prova de maratona nas Olimpíadas de Atenas.
O atleta estava na liderança da prova olímpica, com mais de 28 segundos
de vantagem, quando sofreu interferência dolosa de um terceiro, que
invadiu a pista, agarrou o atleta e o derrubou no chão, fazendo-o perder
duas posições e acabar a prova em terceiro lugar.
Além
dos casos mencionados acima, fazendo uma pesquisa no sítio do STJ,
pôde-se encontrar referência aos seguintes julgados: REsp 788459, REsp
965758, REsp 1079185 e REsp 1104665.
Assim,
observa-se que mesmo timidamente, sem dar uniformidade aos casos, ora
considerando tratar de dano moral, ora de lucro cessante, os tribunais
vem reconhecendo a aplicação da teoria da perda de uma chance, pois no
estágio de evolução que se encontra o direito brasileiro não é possível
que deixe sem proteção a vítima de danos que deverão ser ressarcidos.
4. CONCLUSÃO
Por ser ainda relativamente recente no Brasil, há muita discussão sobre o tema.
Não
obstante a aplicação da teoria da perda de uma chance ser pacífica, nos
últimos três anos pôde estudar a evolução da jurisprudência brasileira,
reconhecendo a existência da responsabilidade civil em decorrência da
perda de uma oportunidade, em pretensões de naturezas distintas.
O
tema é novo e merece reflexões para se evitar desvirtuamentos,
enquadramentos errôneos e até mesmo corrida desenfreada e irresponsável
na busca de indenizações para qualquer situação.
Com
o objetivo de a teoria não ser desvirtuada e cair na chamada “indústria
do dano moral”, os tribunais precisam aplicar o bom senso, a
razoabilidade e é ainda preciso que essa oportunidade perdida seja
plausível, séria e real excluindo as meras expectativas e possibilidades
hipotéticas.
Bibliografia
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007;
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil,volume 3. 7° edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
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