Marcha serviu de estímulo a militares que deram o golpe
DE SÃO PAULO
A
primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em São
Paulo em 19 de março de 1964, foi um protesto contra o governo do
presidente João Goulart (1961-1964) e serviu de estímulo para os
militares que duas semanas depois deram o golpe que derrubou Jango.
A
marcha foi uma espécie de resposta ao discurso de Jango no Comício da
Central do Brasil, ocorrido seis dias antes, em que o presidente
reafirmou seu compromisso com as esquerdas e as chamadas reformas de
base.
Calcula-se
que cerca de 200 mil pessoas tenham feito o trajeto da praça da
República à praça da Sé carregando faixas contra o comunismo e o
presidente. O golpe que depôs Jango logo depois abriu caminho para uma
ditadura que durou 21 anos.
A
manifestação contou com o patrocínio do Ipes (Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais), composto por elites empresariais favoráveis à abertura
do país ao capital estrangeiro. O instituto contava com filiais em
diversas capitais do país e foi responsável por forte esquema de
propaganda que, no início da década de 60, divulgava os "perigos do
comunismo".
A
essa ideia se opunha um imaginário "ocidental e cristão" que encontrou
grande adesão nas camadas médias urbanas, que se mobilizaram em diversas
marchas que foram às ruas naquela época.
A
historiadora Aline Presot, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
estudou, em sua dissertação de mestrado, as cerca de 70 passeatas desse
gênero que aconteceram em dez Estados entre março e junho de 1964.
"Estamos
falando tanto de grandes manifestações públicas nas principais capitais
do país como de passeatas em pequenas cidades do interior, que podem
ter partido da iniciativa de uma associação de comerciantes ou de uma
paróquia", explica Presot.
Para
a historiadora, isso indica que o fenômeno das marchas não pode ser
considerado apenas efeito da propaganda anticomunista. Havia
espontaneidade nos eventos.
Esses
fatores não parecem tão fortes nas novas edições das marchas, avalia
Presot. "Elas dificilmente poderão ser comparadas ao aparato de
propaganda e organização com que contaram as manifestações anteriores ao
golpe", justifica a historiadora.
"Mas
isso não torna as Marchas da Família de 2014 menos significativas", diz
Presot. "Elas nos revelam a faceta profundamente conservadora e
autoritária da sociedade brasileira."
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