quarta-feira, 26 de março de 2014

ANOS DE CHUMBO & DITADURA MILITAR: Mesmo com "milagres Econômico" na decada de 70.

Mesmo com "milagre econômico" na década de 1970, governo militar devolveu um país quebrado ao deixar o poder

Conduzida por ministros civis, a política econômica do regime aumentou a inflação e deixou o Brasil mergulhado em dívidas

Mesmo com "milagre econômico" na década de 1970, governo militar devolveu um país quebrado ao deixar o poder Reprodução/Reprodução
Foto: Reprodução / Reprodução
Nilson Mariano
Se a economia fosse comparável a uma casa, pode-se dizer que os golpistas civis e militares de 1964 a receberam desarrumada. Eles reconstruíram os alicerces, trocaram a mobília e expulsaram os inquilinos indesejados, erguendo uma mansão aos olhares do mundo, mas não foram capazes de cuidá-la. Ao entregarem o poder, em 1985, a residência estava novamente arruinada, corroída pelo cupim da inflação.
Há méritos e fracassos no modelo econômico da ditadura militar, é o que analisam especialistas consultados por ZH. Se na área política vigorou o horror — tortura, cassações, assassinatos, prisões e perseguições de todo naipe —, na economia houve momentos de prosperidade. Para começar, os generais não se intrometeram nas pastas da Fazenda e do Planejamento, delegando-as a cérebros civis que partilhavam de suas ideias (leia entrevista do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso na página 6).
O professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando de Holanda Barbosa, autor de um estudo sobre os 50 anos do Programa de Ação Econômico do Governo (Paeg), pondera que é preciso reconhecer os acertos, até elogiar Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, os quais considera "grandes estrategistas". A dupla arquitetou o modelo econômico e lançou reformas que elevaram o país ao grau de potência.
— O Brasil foi uma espécie de tigre asiático temporário. O crescimento de cada ano da década de 1970 foi o dobro do obtido em 15 anos — destaca.
Holanda Barbosa se refere ao "milagre econômico", de 1969 a 1973, quando o país se expandiu a taxas de 11% ao ano. A classe média se refestelou. Comprou a casa própria em amigáveis prestações, teve crédito à farta para andar em Dodge Dart e desfrutar da coqueluche tecnológica da época: a rainha da sala de visitas, a TV. O que acontecia nos porões, onde verdugos trituravam adversários da ditadura a pauladas e choques elétricos, não interessava.
Assim como realça os êxitos, o professor da EPGE/FGV aponta os equívocos. Critica que os ministros civis erraram de estratégia ao pedir dinheiro emprestado aos Estados Unidos e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para enfrentar a crise do petróleo de 1973 e prolongar o milagre. O endividamento encalacrou o país numa hiperinflação de três dígitos por ano.
— No final, entregaram a economia mais ou menos como a receberam, com o país quebrado — analisa Holanda Barbosa.
VÍDEO: os legados do regime militar na economia

Aumentou o abismo entre ricos e pobres
O professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pedro Cezar Dutra Fonseca, observa que a ditadura seguiu a linha de Getúlio Vargas, instaurada em 1930, com prioridade ao crescimento industrial, tendo o Estado como tutor. O Brasil já era o mais industrializado da América Latina, mas necessitava de reformas, desde o governo de João Goulart.
— Houve uma modernização conservadora, sem afetar a distribuição de renda do país — define Fonseca.
Outro pecado do regime autoritário, na economia, foi não investir na educação para formar desde operários qualificados até doutores em produção e inovação tecnológica. Houve avanços, é certo, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas para o economista Flavio Tavares de Lyra, autor do ensaio Pós-1964: "milagre" e modernização fugaz, os trabalhadores ficaram em segundo plano.
— O foco era a proteção à expansão do patrimônio das classes empresariais. Foi um modelo elitista— diz Lyra, doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Justamente quando o "milagre econômico" alimentava ufanismos, como retratou a campanha publicitária "Brasil, ame-o ou deixe-o", a renda dos trabalhadores minguava. Lyra diz que o salário mínimo sofreu perdas de 25% (1964 a 1966 e de mais 15%, entre 1967 e 1973, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) engordava 11% ao ano.
Nenhuma ditadura se prolongaria por duas décadas sem uma economia robusta. O bolo do "milagre" embatumou, como desejava o ex-ministro Antônio Delfim Netto, mas as fatias mais generosas foram reservadas aos afortunados de sempre. Lyra exemplifica que a participação dos 80% de brasileiros mais pobres na riqueza nacional caiu 8,7%, em 1970. As favelas que bordejam as cidades comprovam.

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