PL 4.330
Terceirização elimina responsabilidade social do capital
Os
protagonistas do PL 4.330 tentam vender a ideia de que estão fazendo um
bem para os trabalhadores. No entanto, estão tentando justificar e
minimizar todas as maldades já cometidas pela terceirização ao longo dos
20 anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no
Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993,
tendo servido ao aumento vertiginoso da precarização das condições de
trabalho.
O
projeto preconiza que terceirização “é técnica moderna de administração
do trabalho”, mas, concretamente, representa uma estratégia de
destruição da classe trabalhadora, de inviabilização do antagonismo de
classe, servindo ao aumento da exploração do trabalhador, que se vê
reduzido à condição de coisa invisível, com relação à qual, segundo a
trama engendrada, toda perversidade está perdoada.
O
próprio projeto se trai e revela, na incoerência, a sua verdadeira
intenção. Diz que a terceirização advém da “necessidade que a empresa
moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal” – grifou-se.
Ocorre que o objetivo principal do projeto é ampliar as possibilidades
de terceirização para qualquer tipo de serviço. Assim, a tal empresa
moderna, nos termos do projeto, caso aprovado, poderá ter apenas
trabalhadores terceirizados, restando a pergunta de qual seria, então, o
“negócio principal” da empresa moderna? E mais: que ligação direta essa
empresa moderna possuiria com o seu “produto”?
E
se concretamente a efetivação de uma terceirização de todas as
atividades, gerando o efeito óbvio da desvinculação da empresa de seu
produto, pode, de fato, melhorar a qualidade do produto e da prestação
do serviço, então a empresa contratante não possui uma relevância
específica. Não possui nada a oferecer em termos produtivos ou de
execução de serviços, não sendo nada além que uma instituição cujo
objeto é administrar os diversos tipos de exploração do trabalho. Ou
seja, a grande empresa moderna, nos termos do projeto, é meramente um
ente de gestão voltado a organizar as formas de exploração do trabalho,
buscando fazer com que cada forma lhe gere lucro. O seu “negócio
principal”, que pretende rentável, é, de fato, o comércio de gente, que
se constitui, ademais, apenas uma face mais visível do modelo de
relações capitalistas, q ue está, todo ele, baseado na exploração de
pessoas conduzidas ao trabalho subordinado pela necessidade e falta de
alternativa.
A
terceirização, ainda, visa a dificultar que se atinja a necessária
responsabilidade social do capital. Nesse modelo de produção, a grande
empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez
contratados, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva
temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que
possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes,
instaurando-se uma rede de subcontratações que provoca, na essência, uma
desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho, tornando
mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, pois o empregador
aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o
trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica ou, ao
menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da
empresa que o contratou. Vale lembrar que o capital envolvido no
processo produtivo mundial é controlado, efetivamente, por pouquíssimas
corporações, que com a lógica da terceirização buscam se desvincular do
trabalho para não se verem diretamente ligadas às obrigações sociais,
embora digam estar preocupadas com ações que possam “salvar o mundo”!
Em
várias situações o próprio sócio-empresário da empresa contratada,
dependendo do alcance da rede de subcontratações, não é mais que um
empresário aparente, um pseudo capitalista. Ele não possui de fato
capital e sua atividade empresarial é restrita a dirigir a atividade de
trabalhadores em benefício do interesse produtivo de outra empresa. Na
divisão de classes, suplantando as aparências, situa-se no lado do
trabalho. São, de fato, empregados daquela empresa para a qual prestam
serviços, mesmo que seu serviço se restrinja ao de administrar o serviço
alheio.
É
interessante perceber que essa situação da precarização do capital,
como efeito da terceirização e principalmente das subcontratações em
rede, foi visualizada pelos autores do projeto de lei em comento, tanto
que tiveram o “cuidado”, na perspectiva do interesse do grande capital,
de prever que não se forma vínculo de emprego entre o sócio da empresa
terceirizada e a empresa contratante, embora tenham tentado, é verdade,
minimizar os problemas daí decorrentes com a exigência de um capital
mínimo para a constituição da empresa terceirizada, o que, no entanto,
como se verá adiante, não constitui garantia eficiente ao trabalhador e
não anula o problema maior do afastamento entre o capital e a
responsabilidade social.
A
revelação mais importante que se extrai do projeto é a de que o negócio
principal de uma empresa é a extração de lucro por intermédio da
exploração do trabalho alheio e quanto mais as formas de exploração
favorecerem ao aumento do lucro melhor, sendo que este aumento se
concretiza, mais facilmente, com redução de salários, precariedade das
condições de trabalho, fragilização do trabalhador, destruição das
possibilidades de resistência e criação de obstáculos para a organização
coletiva dos trabalhadores, buscando, ainda, evitar qualquer tipo de
consciência em torno da exploração que pudesse conduzir a práticas
ligadas ao antagonismo de classe.
O
engodo fica mais evidenciado na percepção da contradição de um sistema
econômico que tenta vender a ideia de preocupação com o social,
desenvolvendo estratégias de gestão de pessoal voltadas ao que denominam
de “humanização” das relações de trabalho, mas que, ao mesmo tempo,
preconiza que só pode se sustentar por intermédio de um modo de produção
no qual o capital se desvincule do trabalho e, consequentemente, do
trabalhador, para que não tenha que se preocupar com os dilemas pessoais
deste. Do embaralhado de contratos entre empresas, o que se pretende é
que o serviço seja feito, não importando por quem ou o meio que a
empresa terceirizada utilize para que o serviço esteja pronto, na forma,
na quantidade, na qualidade e no prazo contratados. E se o grande
capital possui e exerce esse poder sobre a empresa contratada, esta,
concorrendo com out ras para pegar uma parcela do capital, tende a se
relacionar da mesma forma com outras empresas que venha a contratar e,
mais ainda, com os seus trabalhadores subordinados.
Nesta
perspectiva é importante que a classe trabalhadora perceba que nem
mesmo a mera rejeição do PL 4.330 constitui uma vitória completa, vez
que a terceirização que está aí precisa ser combatida, na medida em que
agride vários preceitos jurídicos e atinentes às relações humanas,
sobretudo no âmbito do setor público.
Em
suma, a situação que se extrai do PL 4.330, caso viesse a ser aprovado,
pois já se tem boas razões para acreditar que não será, seria a de
empresas constituídas sem empregados, com setores inteiros da linha de
produção, da administração, do transporte e demais atividades geridos
por empresas interpostas cujo capital social é bastante reduzido se
comparado com a contratante, gerando, por certo, uma redução de ganhos,
além de um grande feixe de relações jurídicas e comerciais, que se
interligam promiscuamente, mas que servem para evitar que os diversos
trabalhadores, das variadas empresas, se identifiquem como integrantes
de uma classe única e se organizem.
De
fato, ter-se-ia a formação de uma espécie de shopping center fabril,
onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano.
Jorge Luiz Souto Maior é
juiz do trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP),
livre-docente em Direito do Trabalho pela USP e membro da Associação
Juízes para a Democracia.
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