O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, vem, por meio deste, manifestar seu repúdio ao Projeto de Lei nº 4330/2004, de autoria do Deputado Sandro Mabel, que se encontra incluído em pauta de votação no Congresso Nacional para o dia 3/9/2013.
Nós,
pesquisadores do mundo do trabalho, defendemos a REJEIÇÃO INTEGRAL do
referido projeto de lei, pelos motivos que passamos a expor:
1. O
projeto de lei, a despeito de se auto intitular regulamentador da
terceirização de serviços, da forma como redigido, para permitir a
terceirização do “conjunto das atividades empresariais”, em verdade, está a autorizar o ingresso da figura da intermediação de mão-de-obra no ordenamento jurídico brasileiro. A
terceirização de serviços acessórios à atividade principal de uma
empresa e que não se confundem com a sua atividade-fim, com o intuito de
permitir que o empreendimento capitalista se concentre no seu objetivo
principal, já está acomodada pelo ordenamento jurídico, por meio da
interpretação construída pelo Tribunal Superior do Trabalho e
cristalizada na Súmula nº 331 do TST, que autoriza a terceirização de
atividade-meio, desde que assumida pela empresa tomadora dos serviços
responsabilidade subsidiária pelas verbas devidas ao trabalhador. A
intenção do projeto, ao admitir a terceirização indiscriminada de todas
as atividades empresariais, é autorizar que as empresas terceirizem
inclusive suas atividades principais, objetivo que não encontra amparo
nem mesmo nas modernas técnicas administrativas que fundamentam a
terceirização. Terceirizar
atividade-fim é admitir que figure entre o trabalhador e o seu real
empregador uma empresa intermediária que, longe de possuir
especialização, atua como agenciadora de trabalho humano, oferecendo-o
como mercadoria, e extraindo do trabalhador, uma segunda vez, a
mais-valia do seu trabalho.
2. Nesses termos, o projeto de lei, ao permitir a intermediação de mão de obra, ou merchandage,
ofende um dos princípios básicos da Organização Internacional do
Trabalho, o de que o trabalho humano não é mercadoria, e retira do
trabalhador a condição de sujeito que oferta e contrata sua mão de obra
para impor a ele a condição de objeto de um contrato de prestação de
serviços entre duas empresas.
3. A
atual regulação da terceirização pelo TST, que se faz por meio da
Súmula 331 e que a restringe às atividades meio, é muito mais criteriosa
que o projeto de lei e, ainda assim, tem sido complexa e delicada a
regulação da terceirização no país. Isso porque a terceirização tem sido
usada como forma de reduzir custos trabalhistas, conforme representam
os seguintes dados: Pesquisa realizada pelo DIEESE em setembro de 2011,
dá notícia de números alarmantes a respeito da terceirização no país. De
início, a pesquisa identifica que a remuneração dos trabalhadores
terceirizados é inferior, em 27,1%, à remuneração dos trabalhadores
permanentes. Ademais, os dados noticiam que a remuneração dos
trabalhadores terceirizados se concentra nas faixas de 1 a 2 salários
mínimos e de 3 a 4 salários mínimos, ao passo que os trabalhadores
diretos estão mais distribuídos entre as diversas faixas salariais. Em
relação à jornada de trabalho contratada, o DIEESE constata que esse
grupo de trabalhadores realiza, semanalmente, uma jornada de 3 horas a
mais que a exercida pelos trabalhadores permanentes, sem considerar as
horas extras e os bancos de horas realizados. O tempo de emprego
demonstra uma diferença ainda maior entre trabalhadores diretos e
terceiros: enquanto a permanência no trabalho é de 5,8 anos para os
trabalhadores permanentes, em média, para os terceirizados é de 2,6
anos. Desse fato decorreria a alta rotatividade dos terceirizados: 44,9%
contra 22% dos diretamente contratados[1].
Portanto, o atual panorama do trabalho no país reclama uma atuação mais
enérgica frente à terceirização e não a sua ampliação indiscriminada.
4. A
terceirização tem sido responsável pela subjugação dos terceirizados
inclusive no que toca às condições de saúde e segurança, sendo marcante o
fato de que a incidência de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais entre terceirizados chega a ser 4 vezes maior que entre
empregados contratados diretamente pelas empresas destinatárias finais
dos seus serviços.
5. Trabalho
não é custo: trabalho é meio de inserção socioeconômica e afirmação
subjetiva dos seres humanos, razão porque, não se pode tolerar que, a
pretexto de favorecer a geração de lucro e de reduzir indefinidamente as
despesas com pessoal, as empresas forjem subcategorias de trabalhadores
terceirizados, subcontratados, sub-remunerados e desprovidos de
condições de saúde e segurança no trabalho. O centro do ordenamento
jurídico é a pessoa humana e o pleno desenvolvimento de suas
potencialidades como pessoa e cidadã, objetivo que fica inviabilizado
quando o mundo do trabalho se encontra dominado por trabalhadores em
condição de precariedade extrema, configurando mão de obra rotativa,
descartável e desvalorizada.
6. A
terceirização tem sido responsável pela fragmentação de categorias de
trabalhadores que, atuam lado a lado, muitas vezes realizando as mesmas
atividades, porém remunerados diferenciadamente, com empregadores
diferentes e, consequentemente, categorias sindicais diferentes. Isso
tem sido responsável pelo enfraquecimento da atuação sindical e redução
do poder de negociação dos trabalhadores em face das redes de
empregadores. Não há democracia nas relações de trabalho se os
trabalhadores têm minadas suas condições de agregação e organização em
face dos empregadores. A Constituição Cidadã de 1988 não ampara a
pulverização do movimento sindical por uma estratégia empresarial.
7. A
admissão generalizada do trabalho terceirizado dá ensejo ao fenômeno de
empresas sem empregados ou formadas por uma quantidade de empregados
diretos significativamente menor do que de terceirizados, revelando
descaso do ordenamento jurídico com o valor social do trabalho na ordem
econômica e com a relevância do sujeito trabalhador e de sua inserção
socioeconômica digna no contexto empresarial para o qual se ativa.
8. A
terceirização, enquanto forma de gestão do trabalho típica do modelo
pós-fordista flexibilizador, subverte a relação de emprego clássica, que
é o melhor instrumento contratual de inserção social do trabalhador.
Esse instrumento, portanto, tem que ser a regra no mundo do trabalho, e
não a exceção amedrontada.
9. Terceirização
não gera emprego: o que gera emprego é desenvolvimento econômico. E
mais do que criar qualquer emprego, as políticas públicas e legislativas
desse país devem se voltar à criação de empregos dignos, estáveis e
juridicamente protegidos.
10. A
análise científica do fenômeno da terceirização e de sua regulação
jurídica demonstra que esse mecanismo tem sido responsável pelo
decréscimo dos patamares jurídicos da afirmação dos direitos individuais
e coletivos dos trabalhadores, razão porque a instituição de um projeto
de lei com perspectiva patrimonialista e que visa a satisfazer as
exigências do mercado sem preocupação com os reais destinatários da
norma, que são os trabalhadores, será responsável pela negação dos
princípios básicos do Direito do Trabalho e dos postulados
internacionais de proteção ao trabalho.
Por
tudo isso, nós, abaixo assinados, pesquisadores, estudiosos e
operadores do Direito do Trabalho, em defesa das lutas históricas dos
trabalhadores brasileiros, que renderam um ordenamento jurídico
trabalhista sólido, protetivo e voltado para a preservação da dignidade
do trabalhador, nos posicionamos contrariamente à lamentável involução
jurídica que representa o Projeto de Lei nº 4330/04.
Dirigimos
nosso apelo aos Parlamentares que integram o Congresso Nacional e, em
especial, à base governista liderada pelo Partido dos Trabalhadores,
pela articulação política em prol da rejeição do referido projeto, como
forma de não trair uma das principais bandeiras históricas desse
partido, que é a garantia de direitos trabalhistas e o combate à
precarização das condições de vida da classe trabalhadora.
Clamamos
também à Presidente Dilma Rousseff, por sua trajetória de luta pela
Democracia nesse país. A Democracia não pode ser concretizada sem
direitos humanos. E o conteúdo mínimo dos direitos sociais que é
violentado por esse projeto, constitui a essência dos direitos humanos
dos trabalhadores: não ser tratados como mercadoria.
Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania – Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
1. Gabriela Neves Delgado (Doutora em Filosofia do Direito/UFMG - Professora Adjunta da Faculdade de Direito/ UnB - Coordenadora do Grupo)
2. Ricardo José Macêdo de Brito Pereira (Doutor em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid - Professor Colaborador da Faculdade de Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho em exercício na PGT).
3. Cláudio Ladeira de Oliveira (Doutor em Direito/UFSC - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB)
4. Juliano Zaiden Benvindo (Doutor em Direito/HU-Berlin e UnB - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB)
5. Cristiano Paixão (Doutor em Direito Constitucional/UFMG - Professor Adjunto da Faculdade Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho - PRT10)
6. Paulo Henrique Blair de Oliveira (Doutor em Direito/UnB - Juiz do Trabalho - TRT 10ª Região)
7. Marthius Sávio Lobato (Doutor em Direito/UnB - Advogado Trabalhista)
8. Noemia Aparecida Garcia Porto (Doutoranda em Direito/PPGD-UnB, Juíza do Trabalho - TRT 10ª Região - Presidente da AMATRA 10)
9. Ricardo Machado Lourenço Filho (Doutorando em Direito/ PPGD - UnB, Juiz do Trabalho - TRT 3ª Região).
10. Renata Queiroz Dutra (Mestranda/PPGD-UnB)
11. Laís Maranhão Santos Mendonça (Mestranda/PPGD-UnB)
12. Murilo Rodrigues Coutinho (Graduado em Direito/UNAMA - integrante do Grupo de Pesquisa)
13. Oyama Carina Barbosa Andrade (Mestre em Direito do Trabalho - UFMG)
14. Gabriel Oliveira Ramos (Graduado em Direito/USP - integrante do Grupo de Pesquisa)
15. Pedro Mahin de Araújo Trindade (Mestrando /PPGD-UnB)
16. Guilherme Lissen B. H. da Rocha (Graduado em Direito/CEUB - integrante do Grupo de Pesquisa)
17. Lara Parreira (Mestranda/PPGD-UnB)
18. Raissa Roussenq Alves (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa)
19. Milena Pinheiro Martins (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa)
20. Ana Carolina Paranhos de Campos Ribeiro (Mestranda/PPDG-UnB)
1. Gabriela Neves Delgado (Doutora em Filosofia do Direito/UFMG - Professora Adjunta da Faculdade de Direito/ UnB - Coordenadora do Grupo)
2. Ricardo José Macêdo de Brito Pereira (Doutor em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid - Professor Colaborador da Faculdade de Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho em exercício na PGT).
3. Cláudio Ladeira de Oliveira (Doutor em Direito/UFSC - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB)
4. Juliano Zaiden Benvindo (Doutor em Direito/HU-Berlin e UnB - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB)
5. Cristiano Paixão (Doutor em Direito Constitucional/UFMG - Professor Adjunto da Faculdade Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho - PRT10)
6. Paulo Henrique Blair de Oliveira (Doutor em Direito/UnB - Juiz do Trabalho - TRT 10ª Região)
7. Marthius Sávio Lobato (Doutor em Direito/UnB - Advogado Trabalhista)
8. Noemia Aparecida Garcia Porto (Doutoranda em Direito/PPGD-UnB, Juíza do Trabalho - TRT 10ª Região - Presidente da AMATRA 10)
9. Ricardo Machado Lourenço Filho (Doutorando em Direito/ PPGD - UnB, Juiz do Trabalho - TRT 3ª Região).
10. Renata Queiroz Dutra (Mestranda/PPGD-UnB)
11. Laís Maranhão Santos Mendonça (Mestranda/PPGD-UnB)
12. Murilo Rodrigues Coutinho (Graduado em Direito/UNAMA - integrante do Grupo de Pesquisa)
13. Oyama Carina Barbosa Andrade (Mestre em Direito do Trabalho - UFMG)
14. Gabriel Oliveira Ramos (Graduado em Direito/USP - integrante do Grupo de Pesquisa)
15. Pedro Mahin de Araújo Trindade (Mestrando /PPGD-UnB)
16. Guilherme Lissen B. H. da Rocha (Graduado em Direito/CEUB - integrante do Grupo de Pesquisa)
17. Lara Parreira (Mestranda/PPGD-UnB)
18. Raissa Roussenq Alves (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa)
19. Milena Pinheiro Martins (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa)
20. Ana Carolina Paranhos de Campos Ribeiro (Mestranda/PPDG-UnB)
21. Henrique Guariento (Estudante de Graduação/FD-UnB - Integrante do Grupo de Pesquisa)
22. Thais Safe Carneiro (Graduada em Direito - Advogada - Integrante do Grupo de Pesquisa)
23. Lauro Guimarães (Graduado em Direito - integrante do grupo de pesquisa)
24. Melina Silva (Graduada em Direito - integrante do grupo de pesquisa)
25. Luíza Anabuki (Graduada em Direito/UnB - integrante do grupo de pesquisa)
26. Mauro de Azevedo Menezes (Mestre em Direito Público pela UFPE - Advogado Trabalhista - apoiador do manifesto)
27. Carla Gabrieli Galvão de Souza (Mestre em Direito e Sociologia pela UFF - Auditora Fiscal do Trabalho - Coordenadora de uma das equipes do grupo especial de fiscalização móvel de combate ao trabalho escravo - apoiadora do manifesto)
22. Thais Safe Carneiro (Graduada em Direito - Advogada - Integrante do Grupo de Pesquisa)
23. Lauro Guimarães (Graduado em Direito - integrante do grupo de pesquisa)
24. Melina Silva (Graduada em Direito - integrante do grupo de pesquisa)
25. Luíza Anabuki (Graduada em Direito/UnB - integrante do grupo de pesquisa)
26. Mauro de Azevedo Menezes (Mestre em Direito Público pela UFPE - Advogado Trabalhista - apoiador do manifesto)
27. Carla Gabrieli Galvão de Souza (Mestre em Direito e Sociologia pela UFF - Auditora Fiscal do Trabalho - Coordenadora de uma das equipes do grupo especial de fiscalização móvel de combate ao trabalho escravo - apoiadora do manifesto)
[1]Terceirização e Desenvolvimento: Uma conta que não fecha -Dossiê
sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas
para garantir a igualdade de direitos. DIEESE,Setembro de 2011.
Disponível em http://www.sinttel.org.br/downloads/dossie_terceirizacao_cut.pdf. Acesso em 9/6/2013, às 14h30.
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