Composição extrajudicial
Arbitragem trabalhista divide opiniões no TST
A
simples menção, na discussão de reforma da Lei de Arbitragem, de se
incluir as relações de trabalho entre as situações que podem ser
resolvidas por esse método já levanta questionamentos sobre sua
aplicação prática. Ministros do Tribunal Superior do Trabalho ouvidos
pela ConJur
mostraram preocupação com a sugestão. Para eles, critérios como
previsão em contrato, o momento em que o trabalhador pode fazer a opção
por esse meio e a forma como serão escolhidos os árbitros podem fazer a
diferença entre a violação ou não de direitos dos trabalhadores.
A atualização das regras trabalhistas é um dos temas tratados no Anuário da Justiça do Trabalho 2013, lançado pela revista Consultor Jurídico
nesta quinta-feira (12/9), na sede do Tribunal Superior do Trabalho em
Brasília. O Anuário é uma publicação que analisa profundamente os perfis
dos julgadores da Justiça do Trabalho e as principais transformações
jurisprudenciais desse ramo do Direto.
Desde
abril, o Senado conta com uma comissão de juristas encarregada de
elaborar o texto de reforma da Lei 9.307/1996, a Lei de Arbitragem.
Presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de
Justiça, o grupo é integrado por outros 16 especialistas, que devem
apresentar a redação final do anteprojeto até o próximo dia 30. Entre as
propostas em debate está a de permitir a arbitragem nos contratos de
trabalho, desde que parta de pedido do trabalhador, tido como parte
hipossuficiente na relação. Como a arbitragem exige que as partes tenham
poder semelhante para decidir e que seja aprovada por ambas, caso o
empregado proponha o procedimento, o risco de desequilíbrio cessaria.
A ministra Maria Cristina Peduzzi
destaca que a jurisprudência sobre arbitragens trabalhistas ainda não
está sedimentada. “Discute-se, por exemplo, se a cláusula que
previamente determina a arbitragem é ou não válida e se é possível
concordar, no momento da celebração do contrato, em se inserir essa
previsão, ou se o contrato é silente e simplesmente existe o convite
para se socorrer do mecanismo”, explica.
Hugo Carlos Scheuermann,
ministro da 1ª Turma, também recomenda cautela. Ele afirma não
concordar nem discordar do uso, mas lembra que a falta de igualdade
entre as partes pode comprometer o equilíbrio. “Há
na Justiça do Trabalho um arcabouço de proteção ao trabalhador que é a
parte mais fraca, que exige a participação do advogado, do sindicato. A
arbitragem pressupõe igualdade e não temos isso numa relação
trabalhista”, diz. “O trabalhador, na maioria das vezes, não tem
conhecimento pleno de seus direitos e em busca de uma solução mais
rápida pode ter seus direitos lesados.”
Seu colega de Turma, Walmir Oliveira da Costa,
aceita arbitragens apenas em dissídios coletivos. “Sou contrário à
arbitragem em dissídios individuais. Acredito em outros meios de
conciliação, mas não concordo com a atuação de um terceiro, mesmo que
tenha sido escolhido pelas partes”, define. O ministro, no entanto, abre
uma exceção para empregados de alta qualificação. “Ainda assim, não com
a eficácia da sentença prevista na Lei de Arbitragem, mas através de um
acordo extrajudicial.”
O ministro Brito Pereira,
da 5ª Turma, é radicalmente contra. “A arbitragem exige das partes
interessadas assumir o compromisso de respeitar o laudo arbitral. O
empregado que acaba de ser despedido — nos casos mais comuns — não terá
tranquilidade para ajustar com o empregador a indicação dos mesmos
árbitros”, analisa.
O ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho,
presidente da 7ª Turma, diz que a arbitragem, salvo na esfera coletiva,
é incompatível com todos os princípios da Justiça do Trabalho. “As
Comissões de Conciliação Prévia, individualmente, são uma prova disso.
Os trabalhadores são retirados de um estado para trabalhar em outro e,
para voltar, são coagidos a passar pela comissão e aceitar os valores
oferecidos. Essas comissões não funcionam. Não tenho a menor dúvida de
que a arbitragem não tem campo no Direito do Trabalho. É acabar com a
relação de trabalho, porque é uma relação assimétrica”, afirma.
Assim também pensa a ministra Delaíde Alves Miranda Arantes,
da 7ª Turma. “Adoto entendimento doutrinário do ministro Maurício
Godinho Delgado, no sentido de que o instituto da arbitragem, na forma
preconizada no Brasil, é aplicável a outros campos normativos, como
Direito Empresarial, Civil e Internacional, mostrando-se inadequado e
ineficaz para o âmbito das relações de trabalho”, diz. Além disso, para
ela, a arbitragem é incompatível com “a natureza nuclear protetiva do
Direito do Trabalho, instrumentalizado pelo Processo Trabalhista”.
Também integrante da 7ª Turma, o ministro Cláudio Mascarenhas Brandão
entende que a arbitragem só é possível em casos de negociação coletiva e
para altos executivos das empresas. “A cobrança de um direito
indisponível não pode se dar por meio de arbitragem, porque não há
paridade de armas”, afirma. E, em sentido contrário ao ministro Vieira
de Mello, defende as Comissões de Conciliação Prévia. Para ele, elas têm
obtido bons resultados.
O desembargador convocado João Pedro Silvestrin diz
que a anuência do empregado em participar de uma arbitragem presume
coação. “O problema não é a arbitragem em si, mas a forma como o
trabalhador será levado a ela. As Comissões de Conciliação Prévia são
uma forma de ter reconhecido os seus direitos, sem ter de levar a
questão ao Judiciário. E o Tribunal Superior do Trabalho tem entendido
pela sua legitimidade.”
O ministro Aloysio Corrêa da Veiga,
da 6ª Turma, entende que a introdução de um terceiro em substituição ao
Estado requer muita cautela. "Dentro dos princípios do Direito do
Trabalho fica difícil negociar em condições de igualdade, podendo
renunciar e transigir, dentro da existência do contrato de trabalho". A
arbitragem, segundo o ministro, pode se dar após o fim do contrato de
trabalho mas voltada apenas para o Direito Coletivo, quando os
interesses do trabalhador são defendidos pelo sindicato que tem paridade
de armas com o empregador. "Para o Direito individual, a arbitragem é
ainda muito precoce, pois há uma inibição natural da classe trabalhadora
para fazer a eleição de um foro especial".
Com ele concorda o ministro Lélio Bentes Corrêa:
"A arbitragem é valida para os conflitos coletivos de trabalho, não na
esfera individual. Tratando de conflitos coletivos, em que os
trabalhadores são representados por sindicatos, por associações
devidamente organizadas, é possível eleger um árbitro para decidir sobre
reivindicações que estão acima da lei. No que diz respeito a direitos
individuais fixados em lei, especialmente aqueles constitucionalmente
consagrados, não há espaço para a ingerência de um particular. Nesse
caso, é necessário que o Estado esteja presente pela Justiça do
Trabalho, pelo juiz do Trabalho, para dirimir o conflito e otorgar a
proteção necessária aos direitos do trabalhador". Para o ministro, "os
direitos trabalhistas consignados na constituição e na legislação
trabalhista como mínimo ético a ser respeitado em toda relação de
trabalho, tem na norma cogente uma proteção inderrogável e por essa
razão a atuação do Estado deve estar presente".
Já o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho,
tem opinião oposta. Segundo ele, a arbitragem é um meio de composição
como outros já admitidos. Ele discorda de que ela pode obrigar o
trabalhador a dispor de direitos. “Na arbitragem, um terceiro decide
quem tem o direito. É um juízo de terceiro, não é do Estado. E pode
decidir que a empresa tenha que pagar tudo, diferentemente da
conciliação, onde as duas partes devem ceder”, diferencia. “O Estado tem
monopólio do uso da força, mas não de decidir o que é justo. A decisão
de compor conflito pode ser de outras formas.” Ele elogia o uso de
métodos alternativos para solução de conflitos e inclui a arbitragem
entre as saídas para a sobrecarga de processos no Judiciário. “Que tipo
de Judiciário quero? Uma República de bacharéis, com litigiosidade da
ordem de uma ação a cada três brasileiros? Isso supõe peso para o bolso
do contribuinte. Se eu admito composições de conflitos de formas
alternativas, faço com que Justiça seja mais rápida e eficiente.”
Guilherme Caputo Bastos,
da 5ª Turma, é ainda mais enfático. “Há mais de 10 anos defendo a
possibilidade de se praticar arbitragem no Direito do Trabalho. As
pessoas entendem não caber pelo fato que direitos trabalhistas são
considerados indisponíveis, e a Lei de Arbitragem diz se aplicar apenas a
disponíveis. Mas a lei diz que o juiz do primeiro grau pode fazer uma
proposta de conciliação e, se as partes aceitarem, ele pode homologar o
acordo. Isso também é uma proposta alternativa, uma composição”,
discute. Para ele, no entanto, a mudança legislativa deve exigir que o
trabalhador possa optar por aceitar o procedimento arbitral ou não. “A
liquidação desse contrato ficaria com a arbitragem.”
O ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, entende que, além da iniciativa do
empregado para instalar a arbitragem, a norma deveria prever também uma
barreira de valores, a exemplo do que existe no caso das preferências de
pagamento de credores no caso de falência: "No caso da Lei de Falências
estabecemos um limite acima do qual as verbas salariais não têm
preferência entre os demais credores", diz o ministro,lembrando que ele,
como subchefe de Assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da
República, participou diretamente da elaboração do ante projeto da Lei
de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005). "A arbitragem no
Direito do Trabalho também somente deveria ser admitida acima de um
limite de salário determinado em lei".
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