Ministério
Público do Trabalho aponta infrações na fábrica da empresa na Zona
Franca de Manaus. Em 2012, 2.018 pessoas pediram afastamento por
problemas de saúde
Por Carlos Juliano Barros | Categoria(s): Reportagens
Para
preparar uma caixa de telefone celular com carregador de bateria, fone
de ouvido e dois manuais de instrução, o empregado da fábrica da Samsung
localizada na Zona Franca de Manaus dispõe de apenas seis segundos.
Finalizada essa etapa, a embalagem é repassada ao funcionário seguinte
da linha de montagem, que tem a missão de escanear o pacote em dois
pontos diferentes e, em seguida, colar uma etiqueta. Em um único dia, a
tarefa chega a ser repetida até 6.800 vezes pelo mesmo trabalhador.
Trabalhadores
ficam até dez horas em pé, segundo Ministério Público do Trabalho.
Foto: Alex Pazzuelo, Agência de Comunicações do Governo do Estado do
Amazonas
Na
fábrica erguida no coração da maior floresta tropical do planeta pela
multinacional de origem sul-coreana – que em 2012 registrou lucro
líquido recorde de US$ 22,3 bilhões – uma televisão é colocada em uma
caixa de papelão a cada 4,8 segundos. A montagem de um smartphone, feita
por dezenas de trabalhadores dispostos ao longo da linha de produção,
leva 85 segundos. Já um ar-condicionado split fica pronto em menos de
dois minutos.
Os
dados que poderiam inspirar uma versão amazônica de “Tempos Modernos”,
do cineasta Charles Chaplin, constam de uma Ação Civil Pública (ACP)
ajuizada na última sexta-feira (10) contra a Samsung pela Procuradoria
Regional do Trabalho da 11ª Região do Ministério Público do Trabalho
(MPT). Mas os problemas não param por aí. O MPT flagrou diversos
empregados que trabalham até dez horas em pé, assim como um funcionário
cuja jornada extrapolou 15 horas em um dia e um empregado que acumulou
27 dias de serviço sem folga.
Por
conta dos riscos à saúde de seus empregados imposto pelo ritmo intenso e
pela atividade repetitiva da linha de montagem, eles cobram uma
indenização por danos morais coletivos de, no mínimo, R$ 250 milhões da
companhia sul-coreana, líder mundial do mercado de
smartphones. Procurada, a Samsung não se manifestou até o fechamento
desta reportagem.
Sem pausas
Não é possível, no entanto, calcular o número preciso de pessoas que fazem jornadas exaustivas e horas-extras abusivas. “A empresa foi notificada a apresentar a documentação referente a jornada, mas se recusou a mostrá-la”, afirma Ilan Fonseca, um dos procuradores do MPT que assina a ação. Nela, os procuradores pedem que a empresa conceda pausas aos empregados.
Não é possível, no entanto, calcular o número preciso de pessoas que fazem jornadas exaustivas e horas-extras abusivas. “A empresa foi notificada a apresentar a documentação referente a jornada, mas se recusou a mostrá-la”, afirma Ilan Fonseca, um dos procuradores do MPT que assina a ação. Nela, os procuradores pedem que a empresa conceda pausas aos empregados.
“Essa
Ação Civil Pública é importante porque o valor postulado possui um
efeito pedagógico”, afirma Luiz Antônio Camargo de Melo, Procurador
Geral do Trabalho, que também assina a ação. “A sujeição de
trabalhadores a jornadas de 15 horas é algo inadmissível, especialmente
em uma empresa do porte da Samsung”, completa o representante máximo do
MPT.
“O
estabelecimento da Samsung em Manaus há alguns anos vem apresentando um
índice de adoecimento muito elevado, acima até da média de outras
empresas”, continua o procurador Ilan Fonseca. De fato, as estatísticas
impressionam. Ao longo do ano passado, problemas na coluna, casos de
tendinite e bursite, além de outros distúrbios osteomusculares
relacionados ao trabalho (os chamados DORT), geraram 2.018 pedidos de
afastamento de até 15 dias por motivos de saúde, de acordo com o texto
da ACP. A Samsung emprega ao todo cerca de 5.600 pessoas na fábrica, que
abastece toda a América Latina. Segundo os procuradores, apesar da
gravidade dos problemas encontrados, não se trata de caso de exploração
de trabalho escravo.
Doenças em sérieSe
o sistema de trabalho nos setores de montagem de celulares e de TVs não
for alterado, o MPT projeta que cerca de 20% dos empregados vão
desenvolver algum tipo de DORT nos próximos cinco anos.
Linha de montagem da fábrica. Foto: Alex Pazzuelo, Agência de Comunicações do Governo do Estado do Amazonas
A
ação movida pelos procuradores tem como base os autos de infração
registrados por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) após
duas fiscalizações feitas na fábrica de Manaus – uma em maio de 2011 e
outra em maio deste ano. Por meio de análises técnicas, eles constataram
que os empregados da companhia sul-coreana chegam a realizar três vezes
mais movimentos por minuto do que o limite considerado seguro por
estudos ergonômicos.
A cadência frenética e os movimentos repetitivos típicos da linha de produção também são agravados por falhas no chamado “layout
dos postos de trabalho” – como a altura inapropriada de mesas e a
ausência de cadeiras para descanso, por exemplo. “A empresa não tem um
gerenciamento adequado da parte de saúde ocupacional. Ela não está
preocupada de fato em resolver o problema”, afirma Rômulo Lins, auditor
fiscal do MTE.
No
texto da ACP, os procuradores afirmam que a indenização por danos
morais coletivos de R$ 250 milhões “pode parecer, num primeiro momento,
excessivo, no entanto, bem postas as coisas, equivale ao que a ré lucra,
ao redor do mundo, em menos de dois dias”. Ainda segundo a ação, se os
R$ 250 milhões fossem divididos pelo número de empregados na fábrica de
Manaus, o valor (R$ 44 mil) seria próximo ao dos pedidos individuais de
indenização por danos morais, motivados por doenças ocupacionais, que
correm na Justiça do Trabalho do Amazonas.
Para se instalar na Zona Franca de Manaus, a Samsung conta com diversos incentivos fiscais, como a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o abatimento de até 75% do Imposto de Renda,
dentre outros estímulos. “A empresa recebe benefícios fiscais e
transfere todo esse passivo trabalhista para o INSS [que banca os
trabalhadores afastados por problemas de saúde]. Ela onera duplamente o
Estado”, critica o procurador Ilan Fonseca.
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