RETROCESSO SOCIAL E A TERCEIRIZAÇÃO PRECARIZADORA
Mundo
do Trabalho & Primado do Trabalho Indigno: Está em pauta no
parlamento o PL 4330, permitindo a terceirização geral e irrestrita
(*) Maximiliano Nagl Garcez
Foto: Maximiliano Nagl Garcez
CCJ DEBATE A TERCEIRIZAÇÃO SEM LIMITES – AMEAÇAS DO PL 4330 AOS TRABALHADORES, AOS SINDICATOS, À SOCIEDADE E À DEMOCRACIA
A
Constituição Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação
e limitação do direitos trabalhistas e sindicais, proposta pelo PL
4330, de 2004, seja sob o nome de “terceirização” (em sua versão
original) quanto na regulamentação da “prestação de serviços” (no também
precarizante Substitutivo proposto na Comissão Especial).
Está
em pauta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados
desta semana o PL 4330, que significa uma séria ameaça aos
trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
Veremos a seguir que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de tais propostas.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A principal inconstitucionalidade das propostas reside no princípio da igualdade, contido no art. 5º., caput,
da Constituição Federal. Está inserido no rol dos direitos
fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a
restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser
limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação,
efetivação ou exercício desses direitos.
Vejamos a redação do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:” (...) negritamos
Ao
prever uma esfera de direitos ao terceirizado muito inferior ao
trabalhador contratado diretamente pela empresa tomadora, há flagrante
violação ao princípio da isonomia. A jurisprudência do E. STF
demonstra que a proposição, caso venha a ser transformada em lei (o que,
diga-se de passagem, consideramos altamente indesejável, ante sua
completa inadequação com nosso ordenamento jurídico), seria considerada
manifestamente inconstitucional: “O
princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é –
enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica –
suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse
princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as
manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua
função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114),
sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade
perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de
generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao
legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir
fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A
igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz
imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da
norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento
seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado
pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a
eiva de inconstitucionalidade.” (STF - MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso
de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.)
negritamos
E
o STF possui até mesmo julgado tratando exatamente da aplicação do art.
5º., caput, da CF às relações de trabalho, afirmando que “nosso
sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre
pessoas que prestam serviços iguais a um empregador”, o que mostra sem
sombra de dúvidas a flagrante inconstitucionalidade das proposições: “Estabelece
a Constituição em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no
art. 5º, caput (...). (...) De outra parte, no que concerne aos
direitos sociais, nosso sistema veda, no inciso XXX do art. 7º da
Constituição Federal, qualquer discriminação decorrente – além,
evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou estado civil. Dessa
maneira, nosso sistema constitucional é contrário a tratamento
discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um
empregador. No que concerne ao estrangeiro, quando a Constituição
quis limitar-lhe o acesso a algum direito, expressamente estipulou.
(...) Mas o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento.
Em consequência, não pode uma empresa, no Brasil, seja nacional ou
estrangeira, desde que funcione, opere em território nacional,
estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para seus
empregados, em regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto
dos servidores da empresa, tão só pela circunstância de não ser um
nacional francês. (...) Nosso sistema não admite esta forma de
discriminação, quer em relação à empresa brasileira, quer em relação à
empresa estrangeira.” (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto
do Min. Néri da Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ
de 19-12-1997.) negritamos
O caput do art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. Da CF:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A
vedação do tratamento discriminatório na seara trabalhista, previsto
não apenas no referido art. 5º. caput, mas também no art. 7º, XXXII da
CF, xxxii, da Lei Maior), já foi utilizada pelo TST para aplicar os
terceirizados os mesmos direitos do trabalhador contratado diretamente.
Tal tratamento igualitário é rechaçado pelo PL 4330 e pelo Substitutivo,
o que demonstra sua inconstitucionalidade: “1. A teor da orientação
jurisprudencial 383/SDI-I do TST, desempenhadas, pelo empregado
contratado mediante empresa interposta, funções inerentes à
atividade-fim do tomador dos serviços, a revelar quadro de terceirização
ilícita, impõe-se, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei
nº 6.019/74, forte no princípio da isonomia (art. 5º, caput, da
Constituição da República), e na vedação do tratamento discriminatório
(art. 7º, xxxii, da Lei Maior), o reconhecimento dos mesmos direitos
assegurados aos empregados do tomador dos seus serviços que exerçam as
mesmas funções, inclusive aqueles previstos nos instrumentos coletivos
da respectiva categoria profissional”. (Tribunal Superior do Trabalho
TST; RR 126600-11.2009.5.03.0077; Terceira Turma; Relª Minª Rosa Maria
Weber Candiota da Rosa; DEJT 17/06/2011; Pág. 992)
- VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O
art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do
trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente
tutelados e como fundamento para a construção de um Estado Democrático
de Direito:
“Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
A
interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão
obrigatoriamente condicionadas aos princípios constitucionais de
valorização do trabalho e do trabalhador como fator inerente à dignidade
da pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser humano como
fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se os
princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a
conferir ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do
próprio sistema da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado
democrático de Direito, fazendo com que os objetivos políticos decididos
pela Constituição sejam atingidos por meio de todo o ordenamento
jurídico.
A
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, traz
também em seu preâmbulo o direito à dignidade como direito absoluto do
homem. E a dignidade do trabalho foi elevada a direito absoluto do homem
e do cidadão, conforme o artigo 14 da Declaração Americana do Direito e
Deveres do Homem.
A
proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho
impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL 4330) seja
considera constitucional. Tal princípio impede qualquer atitude ou norma
que diminua o status da pessoa humana enquanto indivíduo,
cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao terceirizado no PL
4330 e no Substitutivo da Comissão Especial e do Deputado Arthur Maia,
visto somente como um mero fator de produção, viola frontalmente tais
princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.
A
luta pelo respeito à integridade do trabalhador visa também lembrar à
sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização
humana, que ela própria fez constar do documento jurídico/político que é
a Constituição. O contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos
corrobora a abordagem supracitada, nos seguintes termos:
"Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade."
"Art. 7º Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação."
"Art. 23º-1- Todo
homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego."
- DA ULTRAJANTE POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE TODA ATIVIDADE EMPRESARIAL NO PL E NO SUBSTITUTIVO
Prevê o art. 2º do Substitutivo: “Empresa
prestadora de serviços a terceiros é a empresa especializada que presta
à contratante serviços determinados e específicos.”
Não há qualquer critério previsto no Projeto para afirmar se um objeto social é específico ou genérico.
A proposta tem como objetivo acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio.
A diferenciação atividade-fim e atividade-meio
serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido coibir tal
prática por meio da Justiça do Trabalho. A análise da atividade-fim é
voltada à atuação da empresa tomadora de serviços.
Já
o Substitutivo tira totalmente o foco da empresa tomadora de serviços,
ao propor um novo parâmetro: objeto social específico/objeto social
genérico. Específico é ainda mais genérico e vazio do que
atividade-fim. O que seriam serviços indeterminados? Quem contrata a e
paga algo indeterminado?
Vejamos os parágrafos 1º. e 2º. do art. 2º :
Ҥ
1º A empresa prestadora de serviços deverá ter objeto social único,
sendo permitido mais de um objeto apenas quando se tratar de atividades
correlatas.
§
2º A empresa prestadora de serviços é responsável pelo planejamento e
pela execução dos serviços, nos termos previstos no contrato entre as
partes.”
Se aprovado o PL, já não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode terceirizar.
A análise passa a ser somente para que tipos de serviços a empresa prestadora pode oferecer (qualquer um, desde que relativo a um objeto social específico – e ainda com a porta para atividades correlatas).
Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora do CNPJ da empresa, terceirizando
todo e qualquer atividade. E o trabalhador terceirizado, segundo o PL e
o Substitutivo do Deputado Arthur Maia, poderá ser quarteirizado,
quinterizado – ou seja, transformado em uma mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a fundação da OIT, da qual participou o Brasil: “O trabalho não é uma mercadoria.”
PL 4330 É CLARAMENTE ANTISSINDICAL - VIOLAÇÃO AO ART. 8º. DA CF
Prevê o art. 8º, caput, da CF:
”É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II
- é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer
grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma
base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria[1], inclusive em questões judiciais ou administrativas;
(...)
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;”
O
PL 4330 e os Substitivos sob análise na prática significam que o
empregador escolherá quais sindicatos representarão seus trabalhadores,
em clara violação à liberdade sindical. Na prática, pretende a
aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas últimas décadas uma
das principas forças-motrizes da democracia, da sociedade civil
organizada e da resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso,
significa também uma disfarçada Reforma Política, a fim de silenciar os trabalhadores e seus trabalhadores.
Os
referidos dispositivos constitucionais seriam violados, caso fosse
permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo
detalhado tal questão, em acórdão da SDI-1:
“PROCESSO Nº TST-E-RR-586341/1999.4
“De outro giro, a terceirização na esfera finalística das empresas,
além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como
afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva.
O caso dos autos é emblemático, na medida em que a empresa reclamada,
atuante no setor de energia elétrica, estaria autorizada a terceirizar
todas as suas atividades, quer na área fim, quer na área meio. Nessa
hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final dos serviços
prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento das
normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações
trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta
dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional
dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao
setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores.
Todas essas questões estão em jogo e merecem especial reflexão.”
Convém destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de Direito: "A
liberdade de associação, observada, relativamente às entidades
sindicais, a base territorial mínima – a área de um Município –, é
predicado do Estado Democrático de Direito. Recepção da Consolidação das
Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que viabilizados o
agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando a
formar sindicato específico." (RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)
ART. 170 E ART. 193 DA CF
Vejamos o contido nos arts. 170 e 193 da CF:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
(...)
VIII - busca do pleno emprego;
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e com objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Tais
dispositivos constitucionais servem também para demonstrar a
inconstitucionalidade do PL 4330 e do Substitutivo, conforme o seguinte
julgado do E. TST: “(…) É inviável o conhecimento dos recursos de
revista por divergência dos arestos apresentados, pois a decisão
recorrida está em consonância com a Súmula nº 331, I, do TST (art. 896, §
4º, da CLT e Súmula nº 333 do TST). O art. 94, II, da Lei nº 9.472/97
não foi violado, pois não se pode concluir que, ao dispor que com
terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou
complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos
associados, esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à
atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o
disposto no art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a
intermediação de serviço em área-fim das empresas de telecomunicações,
sem prévia definição em Lei, culminaria na desvalorização do trabalho
humano e no comprometimento da busca do pleno emprego (…).” (Tribunal
Superior do Trabalho TST; RR 135400-67.2008.5.03.0140; Quarta Turma;
Relª Minª Kátia Magalhães Arruda; DEJT 18/03/2011; Pág. 1048)
Da necessidade de impor limites à terceirização
O
fenômeno da terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico
somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes
(Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula
331 do TST).
Tal
Súmula sabiamente considera ilegal a terceirização da atividade-fim da
empresa. Ou seja, qualquer descentralização de atividades deverá estar
restrita a serviços auxiliares e periféricos à atividade principal da
empresa.
Uma
adequada interpretação da Constituição Federal também permite colocar
sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos
princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade
humana, como vimos acima.
Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade. A terceirização sem limites, como proposta no PL 4330, gera:
a) a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, segundo
o TST: “a terceirização na esfera finalística das empresas, além de
atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado,
traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da
negociação coletiva.(...). Não resta dúvida de que a consequência desse
processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria
profissional dos eletricitários, diante da pulverização das
atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do
número de empregadores.” (E-RR-586.341/1999.4);
b) baixos
salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos
negativos na economia, no consumo e na receita da Previdência Social e
do FGTS (usado primordialmente para saneamento básico e habitação),
com prejuízos a todos; nesse sentido, convém mencionar as sábias
palavras do magistrado José Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho: “Eu diria que a
terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho.
Porque essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela se
desvia da sua finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da
empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora,
vai determinar uma redução da renda do trabalhador, vai diminuir o
fomento à economia, diminuir a circulação de bens, porque vai reduzir o
dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande quando se
pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a
economia. Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores.
Eles têm que estar empregados e ganhar bem para os bens circularem no
mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar dessa forma, com uma
terceirização que serve para a redução e a precarização da mão-de-obra,
haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de um
modo geral”;
c) precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho”
pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a
demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados”
(vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90);
d) aumento do número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados, como já atestou o TST no julgado supracitado;
e) prejuízos aos consumidores e à sociedade,
ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas
áreas de energia, água e saneamento, que seriam fortamente afetados pela
terceirização ilega;
f) prejuízos sociais profundos.
A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos
dos trabalhadores, com a existência de um grande número de
trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda a
sociedade, degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: “Como
se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo?
Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano
desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa
sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova
economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo,
de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais
amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo
corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam
os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de
identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As
Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos
Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
Conclusão.
Não
se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de
mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização sem
limites e sem proteção aos trabalhadores, como proposto no PL 4330,
deve também lembrar à sociedade os princípios fundamentais de
solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do
documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a
necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a qualidade do
serviços públicos, essenciais para o bem-estar da população.
(*) Maximiliano Nagl Garcez é advogado
de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo
legislativo. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação
Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das
Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e
Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br
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