segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A ARGENTINA E OS ABUTRES: A Argentina tenta resolver o impasse criado pelos "fundos abutres" sobre o endividame.


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A Argentina e os abutres
O juiz de NY parece movido pelo moralismo, que põe no devedor a responsabilidade exclusiva por um 'default'
A Argentina tenta resolver o impasse criado pelos "fundos abutres" sobre o endividamento externo que levou o país à moratória em 2001.
Como já se tornou notório, 93% dos credores aceitaram as renegociações de prazos e juros que o país empreendeu em 2005 e 2010. Porém uma minoria preferiu vender seus créditos aos chamados "fundos abutres", cuja atividade é comprar títulos de dívida depreciados para tentar recebê-los nas condições originais, incluindo os juros acumulados desde a cessão dos pagamentos.
Para tanto, os abutres lançaram pelo mundo uma ofensiva de ações judiciais. Em 2012, um deles conseguiu que a Justiça de Gana determinasse a apreensão de uma fragata argentina. Meses depois, o ultraconservador juiz Thomas Griesa decidiu a favor do mesmo fundo em uma corte de Nova York, jurisdição comumente prevista nos títulos internacionais, determinando o pagamento de US$ 1,3 bilhão.
Após recursos, a Suprema Corte dos EUA decidiu não se pronunciar sobre o caso, tornando definitiva a decisão de Griesa, contrariando até o governo americano, que teme que Nova York perca relevância como praça de negociação de títulos de dívida soberana.
No fim de junho, o juiz impediu que instituições financeiras efetivassem o pagamento de US$ 539 milhões aos credores que aceitaram a renegociação sem que o mesmo fosse feito ao "fundo abutre". Isso fez o país entrar, na semana passada, em "default técnico": tem recursos para pagar, mas não consegue.
O caso é dramático porque o US$ 1,3 bilhão representa só 1% da dívida total, restando 6% em poder de outros abutres. Além disso, se a Argentina decidir pagá-los para evitar o inadimplemento, ficará exposta a uma cláusula da renegociação que permite aos credores voltar atrás e exigir o valor integral. O país não tem reservas cambiais para isso.
Há quem diga que a decisão de Griesa foi legal. Talvez, mas vale lembrar que a lei de falências dos EUA determina no caso de empresas em recuperação judicial que uma oferta de renegociação feita pelo devedor seja aceita por todos os credores se ao menos 70% o fizerem.
Griesa parece movido pelo moralismo, que põe no devedor a responsabilidade exclusiva por um "default" e vitimiza os credores. Porém a impossibilidade de um devedor arcar com seus compromissos é um evento comum de mercado e devidamente precificado: os juros mais altos são a recompensa por conceder empréstimos mais arriscados. Credores também devem agir com prudência, diversificando seus ativos. Assim, os ganhos adicionais com quem foi capaz de honrar a dívida a custo elevado compensam os que entraram em moratória.
Quando isso ocorre, a renegociação é um jeito de minorar os problemas. Se a opção se torna binária (pague tudo ou entre "default"), o risco de perdas cresce e, assim, os credores exigirão juro maior, o que eleva mais o risco de incapacidade de pagamento. A decisão de Griesa traz mais insegurança e instabilidade ao sistema financeiro internacional.
Não é só a Argentina que perde com a situação. No entanto, como destaca o economista portenho-carioca Matias Vernengo --com quem debati esta coluna e cujo blog (http://nakedkeynesianism.blogspot.com.br) tem vários textos que permitem entender o assunto--, o país precisa negociar com os abutres.
Agências de classificação de risco e um comitê de instituições financeiras que decide sobre o acionamento de um seguro de crédito declararam que a Argentina está em "default", podendo dificultar seu acesso ao mercado internacional justamente quando o país voltou a ter deficit de balanço de pagamentos.
Nos últimos anos, a economia argentina tem crescido menos em razão da restrição externa, em particular por causa da deterioração dos saldos ligados a petróleo e gás. Para reverter o quadro, é preciso tomar recursos em moeda estrangeira a fim de financiar as importações de energia e os investimentos que permitam poupar ou gerar divisas no futuro para fazer frente ao endividamento.
Essa é uma estratégia factível, cujos riscos devem ser ponderados e precificados no mercado. Contudo, a decisão de Griesa traz insegurança real para quem deseja negociar com a Argentina, já que sua capacidade de efetivamente fazer pagamentos está em dúvida mesmo quando há recursos e desejo de fazê-lo.
A situação é grave.
MARCELO MITERHOF, 40, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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