Processo Novo
Concretizar novo CPC impõe mudanças em nossas práticas
Por
ter participado da comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código
de Processo Civil, praticamente tudo o que escrevo ou falo a respeito é
visto com reservas: se elogio, é porque estou enaltecendo algo de que
participei; se critico, é porque alguma de minhas sugestões não foi
aceita. Mas são ossos do ofício. Ainda que de maneira contida, não é
possível deixar de falar sobre tema. Acredito que é no processo que se
revelam não apenas questões do direito substantivo, mas também as
deficiências do Estado, as mazelas da sociedade e a miséria humana.
Difícil
saber se, em 2014, a Câmara dos Deputados finalmente votará o projeto
de novo CPC e o devolverá, com as muitas emendas que fez, ao Senado
Federal. Uma de minhas “resoluções” para o Ano Novo foi a seguinte: não
aguardar mais a lamentável lentidão com que o Congresso Nacional lida
com esse projeto. Espero ser surpreendido com alguma boa notícia a
respeito. Confesso que será mesmo uma surpresa, para mim, se o projeto
for aprovado logo, neste semestre, ou neste ano... Aguardemos!
O
projeto de novo CPC, de todo modo, já rendeu muitos frutos
interessantes. Tenho lido cada vez mais obras e artigos doutrinários que
refletem sobre as características do processo civil moderno que vieram a
ser incorporadas no projeto. Gradativamente, os ideais contidos no
projeto começam a fazer parte do discurso jurídico e, com o tempo —
espero —, o discurso deve se converter em prática.
O
processo novo, contudo, é um processo profundo e integral. Há muito
ainda que se dizer e explorar em torno desses conceitos. Falemos um
pouco, a respeito.
Durante
muito tempo, a atuação jurisdicional foi considerada pelos teóricos
como o centro do processo, como se o processo servisse à jurisdição
estatal. Paradoxalmente, esse discurso gerou um efeito curioso: o Estado
vê-se a si mesmo como algo que está acima do processo, ou mesmo fora
dele. Ver os resultados apenas como “números”
é uma das consequências desse ponto de vista. Mas não é assim que deve
ser. O Estado não existe para servir a si mesmo, assim como o processo
não existe para servir ao Estado. A prestação jurisdicional deve passar a
ser vista também como serviço público prestado pelo Estado ao cidadão.
Evidentemente, isso não expurga todas as teorias que foram concebidas
para explicar a jurisdição, mas exige que, ao se pensar na prestação
jurisdicional, considere-se sobretudo aquele a que o Estado deve servir.
No processo velho, estudamos o processo como algo servil ao Estado.
Assim considerado, o processo é superficial. No processo novo, o Estado é
um dos elementos — importantíssimo, evidentemente —, mas não o
principal ou único foco. O levar a sério os fins do processo impõe uma
consideração profunda que tenha em vista os outros elementos que compõem
o processo.
Não deixam de ser animadoras, nesse contexto, notícias como a recentemente publicada em vários jornais,
que informam que o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo,
José Renato Nalini, pretende “descentralizar” o tribunal, criando
unidades de segunda instância no interior do estado, facilitando o
acesso das partes ao tribunal. Esse é um problema que não aflige apenas a
Justiça paulista. Como já mencionei em outro texto,
na Justiça Federal e em muitos outros estados às sedes dos tribunais
encontram-se muito distantes da comarca ou subseção judiciária, o que
torna dispendioso o deslocamento do advogado da parte para
acompanhamento da causa. Evidentemente, quem mais sofre com esse estado
de coisas é o litigante que tem poucas condições de arcar com tais
despesas.
Aqui, toca-se na ideia de que, além de profundo, o processo novo deve ser integral. Isso compreende o que tenho chamado de jurisprudência integral ou íntegra,
mas vai além. A ideia de que a Justiça deve ser acessível a todos é
amplamente compreendida, embora nem sempre realizada concretamente. A
demora na implementação das Defensorias Públicas em vários cantos do
país é exemplo disso. Mas, além de acessível a todos, é necessário que a
todos seja dado acesso a toda a Justiça. Nesse contexto, a criação de
obstáculos injustificáveis ao acesso aos tribunais — a odiosa prática da
“jurisprudência defensiva” — revela que ainda temos muito o que caminhar, nesse sentido.Os problemas da jurisdição estatal acabam impelindo as partes a outros meios de solução de conflitos. Não deveria ser assim. A opção pela conciliação ou pela mediação, ou, ainda, pela arbitragem, deveria ser vista como alternativa posta à disposição do cidadão, que poderiam escolher um desses caminhos por vê-lo como mais adequado à solução do problema, e não para fugir das mazelas do processo judicial.
O processo novo tem tudo a ver com os princípios consagrados no projeto do novo CPC, mas a eles não se limita. Tornar concreto tudo o que envolve a ideia de processo novo exige, sobretudo, que alteremos nossa praxis. Que consigamos dar passos nesse sentido é o que desejo, para este ano de 2014.
José Miguel Garcia Medina é
doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas
nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de
Processo Civil.
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