Antonio Delfim Netto
Caiu a ficha
A
grande vantagem do calendário é que ele, psicologicamente, define um
período ao qual damos significação. Temos a sensação de que 31 de
dezembro encerra um período. Em 1º de janeiro inicia-se outro, novinho,
como se houvesse uma descontinuidade física no tempo vivido.
Tudo
se passa como se os fogos do Ano-Novo tivessem consumido consigo as
alegrias e decepções, os erros e acertos de 2013. As contas são fechadas
de forma inexorável e definitiva. É inútil ficar triste. É inútil
blasfemar. É inútil arrepender-se. É inútil recorrer a contrafactuais
que eram então oportunidades mas foram perdidas. O tempo terminou: 2013
foi o que nossas escolhas (do governo e do setor privado) fizeram dele! O
que está feito está feito. Não pode ser não feito! Talvez possa ser
refeito!
O
problema é que a realidade física do mundo de janeiro é a mesma de
dezembro à qual insistimos dar nomes diferentes na busca de novas
esperanças que não se concretizarão se não houver convergência mais
rápida do entendimento da realidade (e das limitações que ela impõe) por
parte do governo e do setor privado. Três anos de desconfianças,
suspeitas e incompreensões do setor privado e de um longo aprendizado do
governo no tempo contínuo de 1.095 dias produziram um resultado pobre:
1) taxa de crescimento do PIB de 6%; 2) taxa de inflação de 19% e 3)
deficit em conta corrente de US$ 187 bilhões.
Pobre,
mas em relação a que? Àquilo que era razoável esperar, descontado o
efeito da menor expansão mundial: 1) crescimento de 3% ao ano (ou 9% no
período) contra os 6% (2/3 do esperado); 2) uma taxa de inflação
declinante, a partir dos 5,9% de 2010, de 0,5% ao ano, para entregar a
"meta de 4,5%" em 2013. Algo como 16% contra os 19% verificados (20%
acima do esperado) e 3) um deficit em c/c de 2,7% do PIB, contra 1,8% do
triênio anterior, o que o aumentou de US$ 127 bi para US$ 187 bi (47%
acima do que ocorreu no triênio anterior cujo PIB cresceu 13% contra os
6% atuais!).
Não
adianta sofisticar os diagnósticos e as receitas que eles sugerem. Com a
enorme desconfiança recíproca entre o governo e o setor privado
empresarial, existente até há pouco, não havia política econômica que
funcionasse. Felizmente "caiu a ficha": a Casa Civil e os ministérios da
Fazenda e dos Transportes, que "escutavam, mas não ouviam", passaram a
"ouvir". E o setor privado, por sua vez, entendeu que "modicidade
tarifária" não era "socialismo". Os primeiros resultados são visíveis:
os sucessos dos leilões de infraestrutura mostram que o diálogo está
restabelecendo a confiança. Com ela virão os investimentos!
Talvez essa seja mesmo uma descontinuidade temporal que fará um 2014 melhor do que a média do triênio 2011-13.
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