Espionagem dos EUA é ilegal, decide Justiça
Para juiz federal, coleta de dados telefônicos feita pela NSA fere a Constituição; governo pode recorrer da sentença
Decisão vale só para os membros da ONG que moveu a ação, mas pode gerar jurisprudência e se estender a todo o país
RAUL JUSTE LORES DE WASHINGTON
Um
juiz federal de Washington decidiu ontem que a coleta de dados
telefônicos feita pela NSA (Agência de Segurança Nacional
norte-americana) é inconstitucional.
Para
o juiz Richard J. Leon, do Distrito de Columbia, a Quarta Emenda à
Constituição dos EUA, que protege a privacidade, foi violada.
Na
sentença, de 68 páginas, Leon determina o fim da coleta de dados de
e-mails e telefonemas dos membros da ONG que moveu a ação, a organização
conservadora Freedom Watch. Se confirmada, a decisão pode gerar
jurisprudência e ser aplicada aos demais cidadãos americanos --não há
menção a estrangeiros na ação da ONG.
A
decisão é preliminar, sem efeito imediato. Por reconhecer "interesses
nacionais significativos" no caso, o juiz escreveu que espera o recurso
do governo, que justifica a espionagem com base na segurança nacional. A
resposta pode levar até seis meses.
"Não
consigo imaginar invasão mais arbitrária e indiscriminada de
privacidade que essa sistemática coleta e retenção (....) de dados de
virtualmente cada cidadão, com os propósitos de questionar e analisar
sem aprovação judicial", escreveu Leon, que foi indicado ao cargo pelo
ex-presidente George W. Bush.
A
decisão é a primeira derrota legal do programa de vigilância da agência
desde que, em junho passado, o ex-técnico da NSA Edward Snowden revelou
a dimensão da espionagem americana.
Leon
também escreveu que tem "dúvidas significativas" sobre a eficácia do
programa. "O governo não cita uma única instância em que a análise de
dados da NSA de fato parou um ataque iminente ou ajudou o governo a
alcançar algum objetivo premente."
O
programa passou várias vezes por juízes da Corte de Vigilância de
Inteligência Estrangeira, criticada por aprovar todos os pedidos da NSA.
O
Departamento de Justiça americano alega que a coleta de informação
--com números dos telefones envolvidos e horário e duração das
ligações-- não era invasão de privacidade, pois os dados já estavam à
disposição das empresas telefônicas por razões de cobrança dos serviços.
No
domingo, a NSA deu "acesso inédito" às câmeras do "60 Minutos", o
programa jornalístico de maior audiência no país, da rede ABC. O general
Keith Alexander, diretor da NSA, respondeu a várias perguntas, sempre
falando da segurança nacional.
Entre
os "constrangimentos" causados por Snowden, a reportagem destacou a
espionagem do celular da chanceler alemã, Angela Merkel. A presidente
Dilma Rousseff não foi citada no programa.
Na
reportagem, um alto funcionário da NSA dizia, em opinião pessoal, que
Snowden deveria ser anistiado se devolvesse os documentos que furtou. A
Casa Branca negou que pense em anistia.
Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/144050-espionagem-dos-eua-e-ilegal-decide-justica.shtml
Leia mais.
Por asilo, Snowden promete ajudar Brasil
Em carta obtida pela Folha, delator da espionagem dos EUA diz querer auxiliar a apuração de vigilância no país
No documento, ele não se dirige diretamente a Dilma sobre asilo, para evitar mal-estar com a Rússia, onde está hoje
FÁBIO ZANINI EDITOR DE "MUNDO"
O
delator do esquema de espionagem do governo americano, Edward Snowden,
promete colaborar com a investigação sobre as ações da NSA (Agência de
Segurança Nacional) no Brasil. Para que possa fazer isso, em troca, quer
asilo político do governo Dilma Rousseff.
A promessa de ajuda está em uma "carta aberta ao povo do Brasil", obtida pela Folha,
que será enviada a autoridades e fará parte de uma campanha on-line,
hospedada no site da ONG Avaaz, especializada em petições.
A ideia é sensibilizar Dilma a conceder abrigo a Snowden, ex-agente de inteligência do governo americano.
"Muitos
senadores brasileiros pediram minha ajuda com suas investigações sobre
suspeita de crimes contra cidadãos brasileiros. Expressei minha
disposição de auxiliar, quando isso for apropriado e legal, mas
infelizmente o governo dos EUA vem trabalhando muito arduamente para
limitar minha capacidade de fazê-lo", declara na carta, originalmente em
inglês.
Snowden
se refere à CPI aberta no Senado para investigar as atividades da NSA
no Brasil, que incluíram monitoramento de comunicações de Dilma e da
Petrobras.
Segundo
ele, não é possível colaborar diante da precária situação jurídica em
que se encontra agora, com apenas asilo temporário, concedido pela
Rússia até o meio de 2014.
"Até
que um país conceda asilo permanente, o governo dos EUA vai continuar a
interferir em minha capacidade de falar", afirma Snowden, na carta.
O
ex-prestador de serviços para a NSA, que está na Rússia desde junho,
reclama de lá ter seus movimentos muito limitados, sem condições de
fazer um verdadeiro debate sobre o escândalo, de acordo com Glenn
Greenwald, o jornalista para quem ele vazou os dados.
No Brasil, com status de asilado permanente, teria mais liberdade para isso.
Snowden
toma cuidado, na carta, de não se dirigir diretamente a Dilma. A razão é
não melindrar o governo russo, que o hospeda. Mas, ainda de acordo com
Greenwald, ele quer vir para o Brasil.
Em
junho, Snowden revelou ao jornalista, à época trabalhando para o diário
inglês "Guardian", documentos que mostram a capacidade do governo
americano de espionar cidadãos e empresas em vários países.
"Hoje,
se você carrega um celular em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você
se encontra, e o faz. [...] Quando uma pessoa em Florianópolis visita um
site na internet, a NSA mantém um registro de quando isso aconteceu e
do que você fez naquele site. Se uma mãe em Porto Alegre telefona a seu
filho para lhe desejar sorte no vestibular, a NSA pode guardar o
registro da ligação por cinco anos ou mais tempo", afirma, na carta.
Segundo Snowden, a vigilância sem critério "ameaça tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos tempos".
"A
NSA e outras agências de espionagem aliadas nos dizem que, pelo bem da
nossa própria segurança' --em nome da segurança' de Dilma, em nome da
segurança' da Petrobras--, revogaram nosso direito à privacidade e
invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a permissão da população
de qualquer país, nem mesmo do deles", afirma, em outro trecho.
APÁTRIDA
Greenwald,
que vive no Rio, e seu namorado, o brasileiro David Miranda, pretendem
liderar uma campanha para que Dilma lhe conceda o asilo.
Após chegar à Rússia, Snowden enviou pedido a vários países, Brasil inclusive. Mas não obteve resposta.
Quem respondeu favoravelmente foram Bolívia, Venezuela e Nicarágua, mas Snowden prefere o Brasil.
"O
Brasil é o lugar ideal por ser um país forte politicamente, onde as
revelações tiveram um impacto real", afirma Miranda. O argumento
jurídico para convencer as autoridades brasileiras é o de que os
direitos humanos de Snowden estão ameaçados.
"Se o governo brasileiro agradece a ele pelas revelações, é lógico protegê-lo", declara Greenwald.
O
Brasil, lembra Snowden na carta, foi coautor, ao lado da Alemanha, do
texto da resolução aprovada por uma comissão da Assembleia Geral da ONU,
em que se associava o impacto da espionagem a violações aos direitos
humanos.
"Nossos
direitos não podem ser limitados por uma organização secreta, e
autoridades americanas nunca deveriam decidir sobre as liberdades de
cidadãos brasileiros", afirma ele.
Snowden recorda que a decisão de revelar ao mundo o esquema de espionagem custou sua família, sua casa e pôs sua vida em risco.
"O preço do meu discurso foi meu passaporte, mas eu o pagaria novamente. Prefiro virar apátrida a perder minha voz", declara.
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