sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Memorial da Justiça do Trabalho do RS recebe da Unesco o Selo memórial do mundo.

Selo Memória do Mundo
 
Magda Barros Biavaschi*
 
[...] Essa documentação é realmente preciosa. Ela registra, sem dúvida, a própria história do Direito e da Justiça: o modo como as leis foram interpretadas e aplicadas em casos concretos, a atuação de magistrados, promotores e advogados, os conflitos e os modos como foram encaminhados e solucionados. Ela guarda também a história de muitas lutas individuais e coletivas por direitos, permitindo entrever o modo como pessoas e entidades pressionaram pela criação de normas jurídicas ou como certas normas legais foram interpretadas de modos diversos ao longo do tempo ou em contextos diferentes. Constituindo-se em repositório da história do Direito e das lutas por direitos, ela se torna fonte importante da própria história dos trabalhadores no Brasil. Por isso mesmo, todos os processos, da Justiça Civil, Criminal, do Trabalho – todos devem ser preservados. Todos. [Silvia Hunold Lara, Trabalho, Direitos e Justiça no Brasil, V Jornadas Regionais GT Mundos do Trabalho, ANPUH/RS, Porto Alegre, junho de 2009]
O Memorial da Justiça do Trabalho no RS, Memorial/RS, criado em dezembro de 2003 pela Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, TRT4, acabou de receber da UNESCO o Selo “Memória do Mundo”, que atribuiu ao seu acervo condição de Patrimônio da Humanidade. Desde sua criação, o Memorial/RS se tem destacado por ações e políticas de preservação e disponibilização da massa documental produzida pela Justiça do Trabalho da 4ª Região, buscando, de forma incessante, internalizar amplamente a idéia de que essa documentação integra o patrimônio da União e que preservá-la e torná-la acessível a todos é dever do Estado e direito do cidadão. Em todos os espaços dos quais tem participado, em especial no âmbito do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Preservação da Memória da Justiça do Trabalho, MEMOJUTRA[1] e do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho, COLEPRECOR, vem dando ênfase ao valor histórico de todos os processos trabalhistas, afirmando que a história não se faz com documentos que nasceram para ser históricos, nem com autógrafos de grandes figuras ou documentos isolados, mas com todos aqueles documentos produzidos no cotidiano.
 
 
Segundo o historiador Chalhoub[2], os processos judiciais têm densidade humana e rica quantidade de informação sobre a cultura de outro tempo, sendo necessário preservá-los para as futuras gerações. Matérias-prima do conhecimento, essas fontes devem estar organizadas, sistematizadas e disponíveis e forma a que se estabeleça efetivo intercâmbio de idéias e experiências.
Na Justiça do Trabalho, a explosão de litigiosidade que houve a partir do início dos anos 1980 e se ampliou com a Constituição Federal de 1988, gerou grande e crescente volume de documentos. Em cenário de carência de meios para sua guarda e preservação, grande parte dos Tribunais optou pela destruição generalizada ou eliminação seletiva de processos findos e documentos, legitimada por legislação federal anterior à Constituição de 1988[3]. O desenvolvimento dessa política já ocasionou irreparáveis prejuízos aos cidadãos quanto ao assegurado direito à prova e à informação e, seguramente, eliminou dados importantes à construção da história do País.  Em meio a essa tensão, em tempos de instituição do processo digital, o Memorial/RS, fiel aos seus pressupostos, com o apoio da Administração do TRT4 e estimulado pela iniciativa pioneira do TRT6 – destacado, em 2012, no projeto “Memória do Mundo” - candidatou-se ao Selo da UNESCO em 2013. O Comitê Nacional do Brasil, reunido em novembro de 2013, avaliou as candidaturas, os projetos, os acervos e suas condições de preservação e acessibilidade, aprovando oito dos dezessete inscritos. Entre eles, o acervo do Memorial/RS, abrangendo o período 1935 a 2000.
 
 
 
 
O Programa Memória do Mundo da UNESCO tem por objetivo identificar conjuntos documentais com valor de patrimônio documental da humanidade, destacando-os com Selo de grande relevância.  A partir da aprovação do projeto por Comitê de especialistas, o acervo destacado com o Selo é inserido no Registro de Patrimônio Documental, detendo, além da condição de Patrimônio da União que a Constituição de 1988 lhes confere, o reconhecimento de Patrimônio da Humanidade, não sendo mais passível de qualquer eliminação.
O destaque ao acervo do Memorial/RS, por um lado, mais o estimula a dar continuidade à difícil e instigante luta de ampliar a consciência de preservar como integrante do dever de prestar jurisdição e a persistir na caminhada que vem trilhando e que se projeta para as gerações futuras. Por outro lado, amplia as responsabilidades e o dever da Instituição com a guarda do acervo selado de cuidá-lo, preservá-lo e torná-lo acessível a todos os cidadãos. 
* * Desembargadora aposentada do TRT4, pesquisadora do CESIT/IE/UNICAMP, integrante da Comissão Coordenadora do Memorial/RS de 2004 a 2013 e, atualmente, do Comitê Gestor do CSJT  e do PRONAME. Presidente do MEMOJUTRA no período 2007-2011.
[1] O Fórum foi criado no II Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho, Campinas, 2007, como lócus de difusão da idéia de preservar e disponibilizar os documentos judiciais e para concretizar as Resoluções dos seus Encontros Nacionais.
[2]CHALHOUB, S. O conhecimento da História, o direito à memória e os arquivos judiciais. http://iframe.trt4.jus.br/portaltrt/htm/memorial/index.htm. Texto apresentado em conferência no II Encontro da Memória, Campinas, 2007.
[3] BIAVASCHI, Magda B. Os Processos como Fontes Primárias para a Pesquisa. In: II Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho [Campinas, 2007]. SP: Ltr, p. 42.
 

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