terça-feira, 22 de julho de 2014

Parauapebas: riqueza e destruição caminham lado a lado.

Pará

Parauapebas: riqueza e destruição caminham lado a lado

terça-feira 24 de junho de 2014
Uma análise mais profunda revela que tanto a riqueza quanto a destruição caminham lado a lado numa das cidades mais ricas do País. Mas, porque isso aconteceu? E qual a saída para essa crise que se revela de forma mais cruel nas periferias que cercam o castelo de ferro.
Chagas Filho
Já faz algum tempo que a mídia regional e nacional ensaia o debate sobre uma possível crise financeira e social em Parauapebas para quando o minério de ferro da Serra dos Carajás se acabar. Mas, fazendo uma análise menos superficial, é fácil afirmar que esse debate é infrutífero porque leva a crer que hoje a situação é boa em Parauapebas e que poderá piorar. Quando, na verdade, os problemas no município mais rico do Pará estão ocorrendo agora, justamente na época das vacas gordas.
E provar isso é fácil, com a ajuda dos números. Por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) de Parauapebas cresceu 144% entre os anos de 2008 a 2011, enquanto a média nacional não fez nem cócegas no mesmo período. Ficou em apenas 10%.
Outra boa comparação para entendermos o valor de todas as riquezas do município é que o PIB do Pebas supera o de Belém (capital do Pará). E não é só isso: supera também o dos Estados do Tocantins, Roraima, Acre e Amapá.
Para quem não sabe, Parauapebas foi o município campeão em exportações no Brasil em 2013. Somente a exportação de minérios gerou US$ 10 bilhões em divisas, enquanto São Paulo, o segundo colocado, gerou US$ 8,6 bilhões.
Quem mora em outro Estado deve imaginar que Parauapebas é um primor de cidade, com ruas totalmente asfaltadas, saneamento básico com 99% de atendimento à população, sem problemas de moradia e com violência reduzida a taxas de países da Escandinávia (região bastante desenvolvida da Europa)... Não.
Na verdade, o que ocorre é exatamente o contrário. Em Parauapebas nada menos de 22 mil famílias vivem em habitações precárias.
A maior parte do esgoto corre a céu aberto e o índice de coleta de lixo é de apenas 13%, enquanto a média brasileira é de 48%, o que já é considerada longe do ideal.
No quesito violência, Parauapebas revela um cenário de verdadeiro “Faroeste Caboclo”, com uma taxa anual de 60,5 homicídios por 100.000 habitantes, ficando vergonhosamente entre as 100 cidades mais violentas do Brasil.
A divulgação desses números não é uma crítica à Vale ou mesmo à prefeitura municipal. É uma crítica ao modelo de produção implantado em regiões de riqueza mineral. Principalmente ao governo federal, que na era FHC privatizou a mineradora – de uma forma que só agora, quase 20 anos depois, a Justiça descobriu ter sido fraudulenta.
É uma crítica também aos outros governos que sucederam FHC (Lula e Dilma), que bancaram a privatização, mantiveram o modelo de exploração, flexibilizando questões ambientais e trabalhistas e apagando componentes indígenas.
Quanto à Vale, o que se pode dizer é que, por mais que a mineradora promova ações sociais e ambientais – como realmente tem feito –, ainda estará em dívida com alguém ou alguma comunidade em algum lugar, não por que seus dirigentes e acionistas sejam “maus”, mas porque o modelo opressor de exploração exige que seja assim.
Vale tudo em nome do “acúmulo de capital”
Atuando há décadas nesta região, o combativo sociólogo e engenheiro agrônomo Raimundo Gomes da Cruz Neto observa que o processo de destruição de Parauapebas é visível.
Um exemplo é que os morros verdes que sempre compuseram a paisagem da cidade estão sendo cobertos de barracos em áreas de ocupações ou cortados num processo afoito de terraplenagem para construção de loteamentos urbanos, destinados a quem pode pagar por um terreno.
Algo visível é a destruição das margens dos rios para extração de seixo e areia, sobretudo na área do Cedere I, no PA Carajás III, onde a prática que alimenta a construção civil está destruindo igarapés, nascentes e deixando grandes crateras.
Ele chama atenção para o fato de que o município de Parauapebas tem uma área pequena, porque boa parte é a Floresta Nacional de Carajás e outra parte razoável é onde está a reserva indígena dos Xikrin do Cateté. “Dentro de pouco tempo, o espaço vai ficar inviável para sobrevivência humana”, alerta.
A especulação que se forma em torno desse modelo de exploração é inacreditável. Vendedores de material para construção faturam alto. Para se ter uma ideia, há comerciantes que compram o volume de uma caçamba com 15m³ de areia a R$ 50 e vendem na cidade a R$ 70,00, apenas 1m³. Nessa matemática, o comerciante ganha R$ 1 mil, tirando os R$ 50,00 que gastou inicialmente.
“Por trás disso tudo tem o interesse da acumulação do capital. O enriquecimento de pequenos grupos num local que gera tanta riqueza é, ao mesmo tempo, fonte de tanta destruição”, observa Raimundinho.
É óbvio que numa situação como esta, os índices de violência só podem mesmo é subir, ainda mais porque muita gente desembarca todos os dias na cidade em busca de emprego, mas sem muitas vezes ter a qualificação necessária que o mercado exige.
Com isso, aumentam os furtos, roubos, prostituição, uso de drogas (principalmente o crack) e junto com isso os homicídios. Em 2013, mais de 100 pessoas foram assassinadas, principalmente por acertos de contas. E somente em janeiro deste ano, foram registrados mais de 16 assassinatos, logicamente que esses números vitimam pessoas pobres.
Tudo isso sem contar com a possível poluição das águas de rios e igarapés em razão dos projetos de extração de minerais.
Aliada a essa degradação ambiental está também a exploração da força de trabalho. Não é atoa que quase todos os meses “explodem” protestos de funcionários de empresas terceirizadas e sub-terceirizadas que empregam a maior parte da mão de obra.
“No modelo vigente econômico no País, que é gritante em Parauapebas, só é valorizado quem tem dinheiro para comprar ou quem tem algo para vender; no momento que você não se enquadra em nenhuma dessas situações, você passa a ser descartado”, reflete Raimundinho.
Extração mineral só aumenta
E enquanto todos esses problemas se desenrolam em cada esquina, cada ponto de floresta, cada nascente de rio, um processo afoito, que não deixa os trilhos da Estrada de Ferro Carajás esfriarem (pelo contrário quase triplica a capacidade de exportação), explora o minério de ferro “in natura”, dia e noite sem parar.
Para se ter uma ideia do quanto a tecnologia evoluiu quando o assunto é extração, quando Serra dos Carajás foi descoberta, demorou-se quase 20 anos para chegar a 100 milhões de toneladas extraídas; agora, no novo projeto de ferro, o S11D, em Canaã dos Carajás, que começa no ano que vem, a projeção é de extrair 90 milhões de toneladas/ano a já partir de 2016.
Por outro lado, as três esferas de governo, assim como as três instâncias do Poder Legislativo, parece que não conseguem se desenrolar dos discursos e partir para a prática quando assunto é aumentar a arrecadação e criar medidas que sejam capazes de verticalizar e, principalmente, socializar toda essa riqueza mineral, que tanto produz e tanto destrói.
Ativista chama atenção para conflitos
Para o estudante Marcelo Melo dos Santos, graduando em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia, da UNIFESSPA, e ativista do Movimento Debate e Ação, é importante frisar que com o aumento da extração mineral, acirram-se os conflitos entre Vale e camponeses, Indígenas e quilombolas que se encontram no entorno dos grandes empreendimentos, sobretudo no corredor de Carajás.
“Para a instalação do projeto S11D, a Vale está duplicando a ferrovia Carajás, e construindo um ramal ferroviário ligando Canaã a Parauapebas, o que inevitavelmente causa sérios transtornos pras diversas populações do Pará e Maranhão”, argumenta Marcelo Melo.
No município de Canaã do Carajás, o projeto tem afetado bastante os moradores da Vila Racha Placa que negociam indenização desde 2008. Em 2010, a empresa adquiriu uma fazenda, onde prometeu reassentar os moradores, porém até o momento isso ainda não ocorreu na prática.
Inclusive, no último dia 2 de junho, os moradores fecharam por cerca de 15 horas a estrada de acesso ao projeto S11D.
Em Marabá o empreendimento da duplicação deve cortar os Bairros Coca-Cola (Nossa Senhora de Aparecida), Km 7, Alzira Mutran, Bairro Araguaia (Fanta), Folha 9, Folha 5, São Félix e Espírito Santo.
A duplicação também deve cortar a Aldeia Mãe Maria no qual vivem os índios Gaviões das etnias Parkatejê, Krykatejê, Akrantykatejê e Ladeira Vermelha.
Projeto político-econômico é o responsável
O geógrafo Bruno Malheiro, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), observa que, para entender esse projeto é preciso ver as escolhas que fez o Brasil na sua inserção no capitalismo global através, principalmente, da consolidação de grandes empresas “verde e amarelas” para atenderem as demandas agrícolas e minerais, principalmente da China.
Segundo ele, essa política se estrutura em alguns caminhos: o primeiro é a necessidade de se criar garantias financeiras para essas empresas crescerem, e isso é conseguido pelos financiamentos do BNDES e pelos investimentos dos grandes fundos de pensão nas ações destas empresas.
Concomitante a isso, continua Bruno, percebe-se que o número de fusões de empresas cresceu em 140% no governo Lula, fusões como o caso da união entre JBS e Bertin que criou a maior empresa de carnes do mundo, da Brasil Foods, resultado da fusão Sadia e Perdigão e se tornou a maior produtora e exportadora de carne processada do mundo, a fusão da Votorantim com a Aracruz, que criou a quarta processadora de celulose do mundo, e assim por diante.
“Para que essas empresas tenham caminho livre para crescer, a outra estratégia é reconstruir o marco regulatório brasileiro, flexibilizando leis ambientais, reformulando códigos, vide os exemplos dos atualíssimos código florestal e do novo código da mineração”, resume o professor.
“Mas alguém parou para pensar o que é que estas empresas citadas acima precisam para produzir, além dos vultuosos recursos do BNDES e de um novo marco regulatório? Eu responderia: do território. É isso mesmo: das terras e recursos das nossas comunidades indígenas, quilombolas, assentadas, ribeirinhas... do saque de nossas riquezas!”, critica Malheiro.
Para ele, está claro que isso mostra que as formas de acumulação de capital que estão por trás dessas grandes empresas forjadas pelas políticas “públicas” são bem mais cruéis do que se pode imaginar, pois envolvem o desmonte de comunidades.
“Periferização” e pouco retorno
O professor Bruno Malheiro vai mais longe em sua análise: “Quando falamos nos impactos não podemos nos restringir às áreas de exploração, pois o impacto da mineração é efetivamente regional, não só porque retira de seus territórios várias comunidades por onde passa, mas porque estimula uma dinâmica migratória, acelerando o crescimento periférico das cidades, alargando as áreas de ocupação sem responder a estas pessoas que chegam, em termos de serviços e qualidade de vida”.
Por isso, observa o professor, as cidades do sul e sudeste do Pará apresentam, em termos de habitação, segundo o Plano Estadual de Habitação de Interesse Social, mais de 90% de carência de infraestrutura e um déficit habitacional que ultrapassa os 40%. Isso para não falar que a mineração produz uma receita tributária para o Estado irrisória se comparada aos lucros das empresas.
O pior de tudo isso, na avaliação do professor, é que, diante de tanta contradição, as notícias sempre são animadoras, as manchetes sempre encaram isso como desenvolvimento e progresso. “Nossa região sempre é a região do futuro que, inclusive, esquece que este futuro já foi prometido anos atrás e nunca chegou, nos projetamos para frente esquecendo a nossa história e esquecendo nossas reais necessidades presentes”, alerta.
Mas qual é a saída para essa crise?
Mas o geógrafo reconhece que mudar esse cenário não é tão simples, primeiro, diante da falência do sistema político, pois ele entende que é preciso valorizar outras formas de fazer política e aí os movimentos sociais assumem um papel chave, talvez por isso sejam tão massacrados pela grande mídia e tão criminalizados pelo Estado, pois ainda guardam um germe de mudança de nossa sociedade.
“Por outro lado, é necessário desnaturalizar nossas concepções de desenvolvimento. Chega de falar de progresso e ver a pobreza se alastrando, as pessoas sendo retiradas de suas casas... Precisamos comer, ter autonomia sobre nossas vidas, precisamos valorizar aquelas relações que nos humanizam e não nos tornem cada vez mais máquinas de produzir”, opina o professor.
“Os movimentos do campo estão aí com o projeto da agroecologia para colocar comida saudável em nossa mesa e valorizar a pequena produção familiar garantindo a função social da propriedade. Por outro lado, os movimentos urbanos também estão lutando pela função social das propriedades urbanas, pela democratização da política e pela justiça social em nossas cidades”, continua.
Ainda de acordo com Malheiro, esses movimentos fazem isso não apenas com discurso, mas com prática, com técnica, com política e com experiências concretas que mostram que é possível inverter as prioridades nesse país em que só as grandes empresas têm voz e vez.
Caso da S11D
Em relação específica ao caso do protesto na Vila Racha Placa, a Vale enviou nota recentemente esclarecendo que a negociação com as famílias que possuíam benfeitorias dentro da faixa de servidão minerária do S11D foi feita seguindo as diretrizes do Banco Mundial, de maneira participativa, avaliando a justa compensação para as famílias de modo a permitir e garantir a restituição e, preferencialmente, a melhoria do padrão de vida da comunidade.
A Vale também informou que entre a empresa e a comunidade residente em Mozartinópolis se desenvolveu um processo participativo para a avaliação de alternativas e definição de ações visando uma melhor convivência entre a vila e o empreendimento.
O atendimento social da Vila Mozartinópolis é voltado para 88 famílias vulneráveis (com opção por atendimento rural, urbano ou negociação financeira) e 5 famílias não vulneráveis. A Vale adquiriu 288 dos 304 imóveis existentes na Vila, de optantes por negociação financeira, com área de 31,2207 hectares. A Vale também adquiriu a Fazenda Recreio, de 1.685,3 hectares, para doação ao INCRA para a criação do Assentamento União Américo Santana. O assentamento envolve a construção de 50 unidades habitacionais, com fossas, poço artesiano e energia elétrica e abertura de acessos internos, além da construção de nova escola e posto de saúde da vila CEDERE III (Ouro Verde), criação de creche e posto da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARÁ) para atender aos assentados.
A Vale esclareceu ainda que vem cumprindo rigorosamente o cronograma das obras, apresentado e aprovado pela comunidade em reunião no dia 20 de fevereiro de 2014, o qual prevê a conclusão das benfeitorias em dezembro de 2014. “A Vale reitera seu compromisso e respeito para com as comunidades afetadas pelos seus empreendimentos, sempre buscando o diálogo, a solução amigável e a prevenção de conflitos na região”, diz a empresa.

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