Leonardo Padura
Cuba e os russos
Após anos de afastamento com a dissolução da URSS, Moscou quer retomar os antigos laços com Havana
É
significativo que, depois de 30 anos de presença constante em quase
todos os aspectos da vida cubana, os soviéticos tenham deixado apenas
rastros na cultura e nas características próprias dos cubanos.
Mas
foi dramática, até terrível, a maneira repentina em que saíram de nosso
contexto para abandonar a ilha em uma solidão política e, sobretudo,
econômica, que seus habitantes vivemos sob o cabeçalho eufemístico de
Período Especial em Tempos de Paz, que foi na realidade a mais dura
crise econômica pela qual a nação já passou: anos de fome, falta de
combustíveis e medicamentos, de transporte e até de esperança.
Embora se diga que o PIB do país caiu 30% de um dia para outro, aos cubanos nos pareceu que tinha caído no mínimo 300%.
Os
soviéticos tinham chegado a Cuba muito cedo na década de 1960,
esgueirando-se pela fresta aberta pela imediata hostilidade
norte-americana em relação ao processo social revolucionário.
O
primeiro resultado inquietante daquela jogada geopolítica foi em 1962,
quando ocorreu a crise dos mísseis que levou o mundo à beira da Terceira
Guerra Mundial e que se resolveu com a saída dos foguetes de Cuba, mas
com a chegada do embargo norte-americano --que, mais de duas décadas
depois de desaparecida a URSS, persiste como remanescente empedernido
dos tempos amargos da Guerra Fria.
Durante
três décadas os soviéticos --não era politicamente correto chamá-los de
"russos"-- mantiveram sua presença em Cuba com bases e ajuda militar,
com sua influência política, mas, sobretudo, com todo o apoio econômico
que, como saberíamos anos mais tarde, mantinha o país à tona, embora nos
deixasse em dívida com os irmãos soviéticos --e depois com seus
herdeiros russos-- por cifras que chegavam aos US$ 32 bilhões. Ou seja, o
que era oferecido em nome da solidariedade socialista tinha um preço
definido.
Após
as desavenças políticas e o distanciamento vivido ao longo da década de
1990, no início da era Putin as relações entre russos e cubanos
começaram a melhorar, pelo menos no plano das coincidências políticas
internacionais.
Mesmo
assim, no ano de 2001 o governo decidiu fechar a base militar de
Lourdes, o último remanescente físico dos tempos soviéticos.
Com
a visita recente do presidente Putin à ilha, ficou evidente que os
russos querem fortalecer sua proximidade com Cuba, como estão fazendo
com outros países da América Latina, dentro de sua estratégia de estarem
mais presentes justo onde os Estados Unidos sempre foram os mais
fortes.
Em
sua passagem por Cuba, Putin cancelou 90% da dívida antiga e decidiu
investir os 10% restantes na zona franca de Mariel, enquanto era
anunciado que as empresas petrolíferas russas farão prospecções em Cuba e
explorarão outros negócios.
É
evidente que os russos querem ascender na hierarquia dos sócios
comerciais dos cubanos, sem que se fale em alianças militares nem da
amizade indestrutível entre nossos povos, como em outros tempos.
Tradução de CLARA ALLAIN
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