terça-feira, 3 de junho de 2014

DITADURA MILITAR & ANOS DE CHUMBO: Torturador disse ter sequestrado no Rio fugitivo argentino.


               Noticia
Torturador disse ter sequestrado no Rio fugitivo argentino
Comissão Estadual da Verdade divulga depoimento do coronel reformado Paulo Malhães, morto em abril
Militar não detalhou o que ocorreu com guerrilheiro, que estaria a caminho da Venezuela
CRISTINA GRILLO BERNARDO MELLO FRANCO DO RIO
Militares brasileiros sequestram e entregaram aos argentinos um guerrilheiro do grupo Montoneros que desembarcara no aeroporto do Galeão, no Rio. Com a ajuda de um médico, ele foi dopado, engessado e colocado em um avião de volta a seu país, onde era procurado.
O caso foi contado pelo coronel reformado Paulo Malhães, morto em abril, em depoimento à Comissão da Verdade do Rio. As 248 páginas do depoimento, tomado em duas entrevistas feitas nos dias 18 de fevereiro e 11 de março, foram divulgadas nesta sexta (30), no Rio.
Na conversa, Malhães afirmou ainda que a Casa de Petrópolis, centro de torturas clandestino que funcionou na cidade serrana entre 1970 e 1974, teria sido usada para transformar militantes presos em agentes infiltrados.
Recusou-se a revelar o que foi feito com o corpo do ex-deputado federal Rubens Paiva, morto possivelmente na madrugada de 22 de janeiro de 1971, após torturas no DOI-Codi da rua Barão de Mesquita, zona norte do Rio,
"Vocês querem que eu seja verdadeiro e diga nomes de pessoas. Vocês vêm o perigo que nós corremos?", disse aos entrevistadores.
No depoimento, Malhães não informa a data do sequestro ou o nome do guerrilheiro do grupo Montoneros, que embarcou em Buenos Aires e estaria a caminho da Venezuela ao ser preso no Brasil.
Ele disse ter relatado o caso ao presidente Emilio Garrastazu Médici, que governou o país entre 1969 e 1974. Em parte deste período, até maio de 1973, a Argentina também viveu sob uma ditadura. Os militares voltariam ao poder em 1976.
Segundo o relato do coronel, Médici o chamou para cobrar explicações sobre o sequestro: "O presidente me chamou: Malhães, qual foi a cagada que você fez aí, sequestrou um argentino importante?'. Eu sequestrei, eu realmente sequestrei. Mandei de volta para a Argentina'", disse o militar.
Questionado sobre o destino que o militante teve depois, Malhães foi lacônico: "Não sei."
Para a Comissão da Verdade do Rio, a ação fez parte da chamada Operação Condor, cooperação entre as ditaduras de Argentina, Brasil e Chile. "Isso pode ajudar a esclarecer um capítulo importante da repressão política, a colaboração entre as ditaduras na Operação Condor", disse o presidente da entidade, Wadih Damous.
Segundo Malhães, o médico argentino que levou o guerrilheiro lhe deixou alguns "presentes".
"O cara me deu uma porção de frasquinhos, fazem mágicas aqueles frasquinhos. [...]Foram até usado pelo SNI. [...] Serviam para várias coisas, fazer tu ter um AVC".
De acordo com o relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do governo federal, ao menos três argentinos desapareceram no Brasil, mas em 1980: Horacio Campiglia, Monica Binstock e Jorge Oscar Adur.
Malhães não citou o nome de nenhum dos supostos infiltrados --disse ser seu compromisso com eles--, mas contou que a prisão do ex-oficial do Exército Lincoln Cordeiro Oest, membro do comitê do PCdoB, teria acontecido com a ajuda de um deles.
Damous disse não acreditar na transformação de presos políticos em agentes infiltrados a serviço da repressão. "É algo que nós consideramos leviano. Ele disse isso para desqualificar os presos", afirmou.

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