Custo tira calçadistas brasileiros da China
Dongguan, cidade que já serviu de refúgio a empresários que fugiram da crise no Brasil dos anos 90, vive êxodo
Salários mais altos e competitividade menor levam fabricantes de sapatos a procurarem outros países asiáticos
MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A DONGGUAN
Dongguan,
no sul da China, tem churrascaria, aulas de capoeira e um colégio com
currículo brasileiro, da pré-escola ao pré-vestibular.
São
resquícios do tempo em que essa cidade de 8 milhões de habitantes virou
refúgio de calçadistas brasileiros, desempregados pela crise que
atingiu a indústria nacional na década de 90.
Mas
esse ciclo se esgotou. Com o encarecimento da produção, causado
sobretudo pelo aumento dos salários chineses, muitas fábricas se mudaram
para países mais baratos na região, como Vietnã, Bangladesh e
Indonésia.
Com
largas avenidas e paisagismo que lembra o aterro do Flamengo, no Rio,
Dongguang deixou de ser o eldorado dos calçadistas brasileiros. A
comunidade brasileira ali, que chegou a ser a maior da China com 4.000
pessoas, hoje tem 1.753, informa o Consulado do Brasil em Cantão.
A
primeira geração de profissionais brasileiros desembarcou há 20 anos no
sul da China, fugindo da perda de competitividade da indústria nacional
para os asiáticos. A maioria era da região do Vale dos Sinos (RS),
tradicional produtora, e trazia o conhecimento técnico de que a
indústria local carecia.
Há
16 anos em Dongguan, o catarinense Ari Filipini, 59, é diretor da
Paramont, empresa brasileira que faz a ponte entre as fábricas chinesas e
os clientes, a maioria dos EUA e da Europa. O volume de exportação, que
já foi de 33 milhões de pares anuais, hoje paira em 20 milhões.
Em
sua sala, decorada com fotos de família e um mapa-múndi em que a China
ocupa o centro, Filipini conta que o setor teve que se adaptar à perda
de competitividade.
Quando
ele chegou, a China era a "bola da vez". A moeda chinesa valia menos. E
o salário médio dos operários era de 500 yuans (R$ 193) --hoje é quatro
vezes mais alto.
"Primeiro
as fábricas começaram a migrar para o interior da China. Depois
passaram a buscar outros países", diz. "O próximo alvo é a Etiópia, onde
a China tem investimentos e boas relações."
Não
é só a menor competitividade da indústria calçadista chinesa que reduz a
presença brasileira em Dongguan. O conhecimento de profissionais da
primeira geração, como costureiros, cortadores e técnicos de acabamento
em couro foi absorvido pelos chineses, que aprenderam a fazer o mesmo
serviço por um salário bem menor.
Enquanto um técnico brasileiro ganha em média US$ 3.000 (R$ 7.000), o chinês ganha 3.000 yuans (R$ 1150).
Se
há 15 anos a mudança era uma aventura para poucos, hoje é diferente.
"Tem fila de brasileiros querendo vir", diz Filipini. "Alguns chegam com
visto de um ano, não agradam e ficam por aí, à espera de oportunidade".
Para
alguns brasileiros, porém, Dongguan continua sendo o eldorado. Há 15
anos na China, o designer Ricardo Leite, 44, começou na Paramont, levado
por Filipini. Ficou dois anos, até decidir que era hora de abrir o
próprio negócio.
Sua
empresa, Rival, fatura US$ 100 milhões ao ano produzindo em menor
escala e com maior valor agregado. Os sapatos da Rival atendem a grifes
de prestígio nos EUA e na Europa, como Donna Karan e Dolce&Gabbana.
Ricardo
já teve 22 funcionários brasileiros. Hoje são 7, de 250. O próximo
passo será lançar sua marca de sapatos femininos, "Maria Maccari", com
design da mulher, Valéria. "Quem cria uma marca cria um patrimônio",
ensina.
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