segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

AS ORIGENS DE NOSSA DÍVIDA PÚBLICA: As absurdas taxas de juros que a União impõe a Estados e Municípios.

As fontes da dívida pública – I

Adriano Benayon *
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Juscelino Kubitschek apresenta o plano 50 anos em 5 que agigantou a dívida púbica no Brasil.
Este artigo desenvolve pontos que abordei no Seminário Internacional “O Sistema da Dívida na Conjuntura Nacional Internacional, realizado em Brasília, de 11 a 13.11.2013.
2 Esse evento focou questões fundamentais, como as absurdas taxas de juros que a União impõe a Estados e Municípios como credora deles, exações semelhantes às que ela  paga ao sistema financeiro, liderado pela oligarquia financeira angloamericana.
3 Também revelou provas existentes no Brasil e em auditorias levadas a efeito no Equador, na Argentina e na Islândia, reveladoras de que o grosso das dívidas originais não está documentado, e de que elas se multiplicaram através da  capitalização de juros, taxas e comissões injustificados.
4 Não obstante, até hoje, o Congresso Nacional não cumpriu a determinação do  art.  26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988: efetuar a auditoria da dívida pública.
5 Há dezoito anos,  demonstrei a fraude responsável pelo dispositivo da Constituição de 1988 (no art. 166, § 3º, inciso II) através do qual as despesas de juros e amortizações da dívida ficaram privilegiadas no Orçamento da União. Com essa fraude, desde então, elas chegaram à colossal quantia de R$ 10 trilhões em preços atualizados.
6 Além de expor brevemente essa fraude e de mostrar provas dela, assinalei que o sistema da dívida pública é só um dos tentáculos do  sistema imperial de subjugação do Brasil.
7 Um dos principais fatores dessa subjugação e da ruína financeira da União, Estados e municípios, a dívida resultou da entrega do mercado brasileiro às transnacionais e de os investimentos públicos na infra-estrutura e nas indústrias básicas se realizarem sob dependência financeira e tecnológica.
8 Essas duas causas primordiais – decorrentes do golpe de Estado de agosto de 1954, regido pelos serviços secretos angloamericanos – redundaram em déficits nas transações correntes com o exterior e prosseguem acarretando a desindustrialização e o empobrecimento do País, juntamente com o serviço da dívida pública delas derivado. 
9 A entrega do  mercado às transnacionais  causou danos irreversíveis ao País, e o teria feito mesmo que tivesse havido contrapartidas,  mas, ao contrário,  o governo outorgou-lhes subsídios e vantagens de tal monta, que os prejuízos foram ainda mais profundos e avassaladores.
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10 As benesses ao capital estrangeiro deram-se a partir da Instrução 113 da SUMOC (janeiro de 1955), que autorizava a CACEX (Carteira de Comércio Exterior) a emitir licenças de importação para equipamentos usados,  sem cobertura cambial, permitindo, também,  que o valor a eles atribuído pelas transnacionais fosse registrado como investimento estrangeiro em moeda.
11 Isso já implicava suprimir a promissora indústria brasileira, que progredira desde o início do século XX, porquanto deu às empresas estrangeiras vantagem competitiva insuperável, proporcionando-lhes produzir no Brasil com custo zero de capital e de tecnologia.
12 De fato, as transnacionais puderam trazer máquinas e  equipamentos usados, amortizados com as vendas nos países de origem e em outros mercados de grandes dimensões, enquanto as indústrias nacionais teriam de pagar pela importação de bens de capital e por tecnologia, ou investir por longos anos  para produzir seus próprios bens de capital.
13 Além de doar o mercado brasileiro às transnacionais, através da licença para trazer seus bens de capital usados, de valor real zero e contabilizá-lo por centenas de milhões dólares – base para transferir capital e lucros para o exterior –, o governo militar-udenista (1954-1955)  agraciou as transnacionais com a diferença entre a taxa de câmbio livre e a taxa preferencial.
14 A primeira era mais que o dobro da segunda, e: 1)  as transnacionais declaravam o valor que quisessem, em moeda estrangeira, dos bens de capital usados; 2) convertiam esse  valor à taxa de  câmbio livre; 3) ao transferir para o exterior “despesas” e lucros, a conversão era à taxa preferencial.
15 Esse triplo favorecimento e mais os ganhos comerciais das transnacionais com suas importações, mediante sobrepreços – também altíssimos após o início da produção local -  permitiu às transnacionais transferir fabulosos ganhos para suas matrizes no exterior.
16 O absurdo disso é total, pois o Brasil entregou o que não deveria entregar por preço algum, e, além disso, em vez de cobrar, pagou para entregar.
17 JK foi entreguista tão radical, que não só manteve os indecentes favorecimentos ao capital estrangeiro, mas reforçou-os a ponto de ter sido aberta linha de crédito oficial para financiar as montadoras estrangeiras. Esse benefício foi negado à empresa brasileira Romi, de Santa Bárbara do Oeste (SP), que produziu 3.000 unidades da Romi Isetta, automóvel de um só banco, de 1956 a 1959.
18 Além disso, JK criou grupos executivos setoriais, como o GEIA, da indústria automobilística, para facilitar os procedimentos de entrada em funcionamento das montadoras estrangeiras e baixou o Decreto 42.820, de 16.12.1957, em complementação à lei 3.244, de 14.08.1957, proporcionando mais vantagens cambiais aos “investidores” estrangeiros.
19 Não admira que, ao final do quinquênio de JK, o Brasil sofresse  sua primeira crise de contas externas desde o início dos anos 30. Vargas havia, em 1943, reduzido a dívida externa do País a quase nada.
20 As transferências das transnacionais são o principal fator dos  elevados déficits nas transações correntes com o exterior (US$ 80 bilhões nos últimos doze meses), que colocam o Brasil no limiar de mais uma crise.
21 Sobre os escandalosos sobrepreços, escreveu o senador Vasconcelos Torres (1920/1982), p. 94 do  livro “Automóveis de ouro para um povo descalço” (1977):
“No exercício de 1962 foi registrado, no balanço  consolidado das onze empresas produtoras de veículos automóveis e caminhões, lucro de 65% em relação ao capital social,  constituído  por máquinas usadas, e aumentado posteriormente, com incorporações de reservas e reavaliação dos ativos.
22 Na. p. 95, há tabela referente aos balanços de 1963, comparativa de preços de venda da fábrica à distribuidora com os preços de venda do distribuidor ao público, abrangendo quatro montadoras, entre elas a Volkswagen:  “o preço nas distribuidoras era mais de três vezes o preço na fábrica”, e os donos desta são os mesmos daquelas ou têm participação naquelas.
23 Desde o final dos anos 60, as transnacionais foram cumuladas por Delfim Neto com colossais subsídios à exportação, como isenções de IPI e ICM, nas importações de seus bens de capital e insumos, além de créditos fiscais.  Daí para o final dos anos 70, a dívida externa do País teve elevação recorde de toda sua história.
24 No Globalização versus Desenvolvimento, elenco quinze mecanismos através dos quais as transnacionais transferem recursos para suas matrizes, desde  superfaturamento de importações e subfaturamento de importações aos pagamentos à matriz por “serviços” superfaturados e fictícios, afora a  remessa oficial de lucros.
25 A  entrega do mercado às transnacionais é a principal, mas não a única fonte das transferências de recursos ao exterior, dos déficits de conta corrente no balanço de pagamentos e, por conseguinte, da dívida externa, a qual deu origem à hoje enorme dívida interna.
26 Esses déficits e dívidas derivam também da realização, sob dependência tecnológica, dos investimentos públicos  na infra-estrutura e indústrias básicas, como a siderurgia. Na realidade, fruto da mentalidade caudatária aos interesses da oligarquia estrangeira: contratando pacotes fechados, caixas pretas, usinas clé-en-mains ou turnkey.
27 Em lugar de proporcionar espaço a pequenas e médias empresas de capital nacional, com capacidade de evolução tecnológica (engenharia e bens de capital), os governos pós-1954 privilegiaram grandes projetos, reservando assim o mercado para carteis transnacionais.
28 Ademais, esses governos subordinaram sua política financeira aos bancos privados – pois  o Tesouro não emite a moeda nem comanda o crédito através de bancos públicos. Assim, a relativa carência tecnológica  foi agravada, devido à infundada crença na carência financeira, que levou a buscar financiamento externo, liderado pelos bancos internacionais multilaterais (Banco Mundial e BID).
29 Sendo confiada a essas instituições – dominadas pelas potências imperiais – a direção das concorrências internacionais para as obras públicas, foram favorecidos os carteis transnacionais produtores dos equipamentos e demais bens de capital. Além disso, participavam do financiamento os bancos oficiais de exportação daquelas potências, bem como seus bancos comerciais privados.
30 Assim, ao contrário dos países que progrediram, a política econômica do Brasil não deu chances às empresas nacionais de desenvolverem tecnologia e de ganhar dimensão.
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* Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento.

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