ESPECIAL 'À ESPERA DA VERDADE'
AI-5 já era debatido cinco meses antes, opondo Costa e Silva e o futuro presidente Médici
Então
chefe do SNI e futuro presidente, Médici defendia medidas de exceção
antes do discurso de Moreira Alves; os ministros civis Gama e Silva
(Justiça) e Antonio Delfim Netto (Fazenda) também apoiavam
Vitor Sion, do Opera Mundi - 13/12/2013 - 06h00
O
dia 13 de dezembro entrou para a história do Brasil há 45 anos com a
implementação do Ato Institucional nº 5. Diferentemente do que se pode
imaginar, no entanto, o símbolo do endurecimento da ditadura militar
brasileira não foi uma medida intempestiva ou revanchista do presidente
Arthur da Costa e Silva (1967-1969) contra o Congresso, pelo veto à
abertura de processo contra o deputado opositor Márcio Moreira Alves.
A
narrativa mais tradicional desse período da história diz que o ato foi
uma resposta à resistência da Câmara em processar Moreira Alves, que
defendera, meses antes, um boicote às comemorações de Sete de Setembro.
“Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a
presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os
espancam e os metralham nas ruas”, disse o deputado na tribuna da
Câmara. E, num trecho que ficou famoso: “Aquelas que dançam com cadetes e
namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as
mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e
recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.”
Mas o documento que fechou o Poder Legislativo, extinguiu o habeas corpus
e autorizou a censura à imprensa já estava pronto muito antes do
discurso de Moreira Alves e, inicialmente, tinha conteúdo ainda mais
repressivo do que o aprovado por Costa e Silva.
Desde
julho de 1968, a cúpula civil e militar do governo discutia o
recrudescimento da legislação de exceção (“revolucionária”, conforme o
discurso oficial) para evitar o sucesso daquilo que chamavam
“contrarrevolução”. O país vivia, desde a morte do estudante Edson Luís,
no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em março, uma grande onda
de manifestações, que ao mesmo tempo se antecipou e se alimentou do
mítico Maio de 1968 francês.
Em duas reuniões, nos dias 11 e 16 de julho de 1968,
os integrantes do Conselho de Segurança Nacional foram chamados por
Costa e Silva a opinar sobre o conteúdo de uma nova medida, que teria o
objetivo de interferir na cobertura da imprensa e conter a subversão.
Agência Estado
Imagem da reunião comandada por Costa e Silva em julho de 1968
Agência Estado
Imagem da reunião comandada por Costa e Silva em julho de 1968
As
discussões foram marcadas pela divergência entre dois presidentes do
Brasil: Costa e Silva e o então chefe do SNI (Serviço Nacional de
Informações), Emilio Garrastazu Médici. Já no início do primeiro
encontro, registrado na ata da reunião, Costa e Silva faz um alerta aos
seus conselheiros:
Costa e Silva:
O documento que os senhores membros do Conselho de Segurança Nacional
têm em mãos é de caráter ultrassecreto, de modo que deve ser manuseado
com a devida cautela...
Ministro
dos Transportes [coronel Mario Andreazza, que em 1984 tentaria disputar
a Presidência da República pelo PDS, perdendo a convenção do partido
governista para Paulo Maluf]: Ele será recolhido?
Costa e Silva:
Será recolhido como precaução, no entanto, se algum Ministro desejar
uma leitura mais demorada, o fará sob essa condição de ultrassecreto.
Este documento é uma análise feita à luz de informações positivas, muito
bem estudadas e triadas, que levam conclusões, embora não devamos
entender que haja algo alarmante.
- Escola do Rio vai mudar de nome a pedido da Comissão da Verdade
- Projeto vencedor do Prêmio Direitos Humanos 2013 acompanha jovens vítimas de violência sexual
- Maria do Rosário pede apoio a grupos indígenas contra PEC 215
- Juristas de exceção: Luiz Antonio da Gama e Silva, o idealizador do AI-5
Ao
retomar a discussão cinco dias depois, o presidente foi ainda mais
claro em suas palavras. “Nós estamos aqui justamente para decidir se o
momento impõe medida de exceção ou não.”
A
posição de Médici era a de que se tornava necessário tomar, “sem
tardança, medidas concretas de segurança, agindo energicamente contra os
elementos que ameaçam a integridade do governo e causam desassossego
popular”. De acordo com o então chefe do SNI, o Brasil vivia uma guerra
devido à “tentativa de conquista do poder por forças subversivas”, algo
que “não é exclusivo de nosso país”.
O
voto de Médici — favorável ao AI-5 já em julho de 1968 — foi
acompanhado por outros seis conselheiros, sendo a fala do ministro da
Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, aquela que mais claramente
caracterizou os objetivos dessa ala do governo. “Falta uma
regulamentação ou uma legislação subsidiária que, ao invés de obrigar o
Estado a provar que o indivíduo transgrediu essas leis ou violou os
princípios fundamentais, atue sob o efeito do delito flagrante,
atribuindo-se ao indivíduo provar que não transgrediu e não um processo
em que o Estado tem de ir colher provas para levar a julgamento, com
toda aquela série de recursos protelatórios que prejudicam os
resultados.”
A
defesa pela implementação do AI-5 já em julho de 1968 não foi feita
exclusivamente pelos ministros militares, como parte da imprensa noticia
até hoje. Luiz Antonio da Gama e Silva (Justiça), Antonio Delfim Netto
(Fazenda) e Ivo Arzua Pereira (Agricultura) também apoiaram a criação de
um Ato Institucional cinco meses antes do que realizado por Costa e
Silva.
Dentre
as falas desses três conselheiros, a que chama mais atenção é a de Gama
e Silva, com duras críticas ao Poder Judiciário (“Lá encontramos
inimigos figadais da Revolução, que são contra nós, que no momento
oportuno de lá não foram afastados como deveriam ter sido”) e a defesa
aberta da censura à imprensa. Gama e Silva conclui: “O que nós sentimos,
Senhor Presidente, é que toda essa legislação que está aí é
insuficiente. [...] Essa legislação não nos dá os elementos necessários
para que possamos restaurar os princípios e os propósitos da Revolução.
[...] Não vejo outro remédio se não retornarmos às origens da Revolução
e, através de um Ato Adicional à atual Constituição, darmos, ao Poder
Executivo, os meios necessários para salvar a Revolução e com ela a
felicidade, o bem-estar do nosso povo e a democracia pela qual nos
batemos.”
Apesar
de o AI-5 ter representado o endurecimento da ditadura brasileira, a
proposta apresentada em julho era ainda mais restritiva. De acordo com o
jornalista Carlos Chagas, no livro A Guerra das Estrelas (1964/1984) – os bastidores das sucessões presidenciais,
o ministro da Justiça queria, além do fechamento do Congresso e da
censura à imprensa, o afastamento de todos os governadores e o recesso
do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na
votação terminada em 16 de julho de 1968, o AI-5 perdeu por 11 a 7, com
as abstenções de Tarso de Moraes Dutra (Educação), Leonel Tavares
Miranda (Saúde), Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Interior) e José
Moreia Maia (Chefe do Estado-Maior da Armada), que deram seus pareceres
sem indicar um posicionamento.
Apesar
da “derrota” do Ato Institucional, o presidente Costa e Silva deixou
claro que a votação era apenas simbólica. “Não costumo fazer e não farei
votações para obter maioria. Quero ouvir cada um e então sofrerei
sozinho o ônus da decisão.”
Reprodução
Transcrição da fala de Costa e Silva em 16 de julho, pedindo que imprensa não soubesse da possibilidade de nova medida de exceção
Reprodução
Transcrição da fala de Costa e Silva em 16 de julho, pedindo que imprensa não soubesse da possibilidade de nova medida de exceção
Ao
anunciar que nenhuma medida de exceção seria tomada ao final da reunião
dupla, Costa e Silva argumentou: “Entendo, como revolucionário, que
qualquer ato fora da Constituição, no momento, será uma precipitação.
Será, como se diz, um avanço no escuro sem necessidade. [...] O Governo
resolve não adotar, de momento, qualquer medida excepcional para a
contenção de uma subversão, que nós sentimos em marcha, mas que não
poderá jamais atingir os seus objetivos, porque o Governo,
conscientemente, honestamente, sente que ainda tem ao seu lado o povo do
Brasil.”
Posteriormente,
o presidente fez uma observação específica sobre a relação de seu
governo com a imprensa. “Alguns elementos do governo, que têm trânsito
livre em algumas empresas [de comunicação], podem procurar convencer
esses homens [diretores de jornais], mas jamais o faremos pela força,
jamais ordenaremos faça isso, aquilo ou aquilo outro, pois seria
proporcionar os elementos que tanto eles querem e desejam para dizer que
isto é uma ditadura. Não demos até hoje este motivo nem esses
elementos, e não o daremos.”
No
final das contas, Costa e Silva acabou cedendo e instituiu o AI-5 há
exatos 45 anos. Na mesma noite, censores entraram em ação e os jornais
passaram a ser apreendidos e o Congresso, fechado.
Link: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/68040/Ai_5+ja+era+debatido+cinco+meses+antes+opondo+costa+e+silva+e+o+futuro+presidente+m
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