Noticia
Foto: Des. Tânia Regina Silva Reckziegel
JUSTIÇA DO TRABALHO: A DEFESA DE UM AMBIENTE DE TRABALHO DIGNO E SEGURO COMO INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS MORAIS DECORRENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO (*) Tânia Regina Silva Reckziegel
04/04/2014 05:35:33
RENOVADO SUCESSO
Realizou-se em Cuba, Havana, de 12 a 14 de março de 2014, o VIII Encuentro Interamericano de Derecho Del Trabajo y La Seguridad Social y VIII Encuentro internacional de Abogados Laboralistas y Del Movimiento Sindical, com a participação de representação da América-Latina, EUA, Canadá e Europa.
A Desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, participou desse evento de cunho social, como palestrante, discorrendo sobre a temática:
JUSTIÇA DO TRABALHO: A DEFESA DE UM AMBIENTE DE TRABALHO DIGNO E SEGURO COMO INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS MORAIS DECORRENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Leia a íntegra da exposição.
I- BREVE HISTÓRICO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL
No Brasil, a Constituição da República, em seu artigo 2º, preconiza que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
São órgãos do Poder Judiciário (art. 62 da CF):
I - o Supremo Tribunal Federal;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios
|
Oficialmente, a Justiça do Trabalho no Brasil foi criada em 1º de maio de 1941, sob a égide do governo do Presidente Getúlio Vargas, durante as festividades do Dia Mundial do Trabalho. A princípio, era vinculada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, passando a integrar o Poder Judiciário apenas em 1946.
Até 1999, a Justiça do Trabalho contemplava, na sua composição, juízes temporários (classistas), que representavam a classe operária e a classe empregadora, além de Juízes togados vitalícios. Todavia, tal modelo de representação foi abolido com o advento da Emenda Constitucional nº 24, de 1999.
São órgãos da Justiça do Trabalho:
II - os Tribunais Regionais do Trabalho;
III - Juízes do Trabalho
|
II- A DEFESA DO QUINTO CONSTITUCIONAL
Um dos aspectos relevantes na sistemática de composição atual dos Tribunais brasileiros é que, além dos Juízes togados (de carreira), um quinto é composto de advogados e de membros do Ministério Público do Trabalho com experiência profissional de, no mínimo, dez anos de atividade.
Tal composição foi prevista, pela primeira vez, na Constituição de 1934, tendo sido mantida nas demais, sendo fruto da experiência de representação popular, de caráter democrático.
A escolha prévia dos membros integrantes da parcela intitulada quinto constitucional se dá através de votação nos respectivos Tribunais, a partir de lista sêxtupla enviada pelas respectivas entidades (OAB e Ministério Público) aos respectivos Tribunais. Esta lista sêxtupla, então, é reduzida a uma lista tríplice, a qual é enviada ao Presidente da República, que é quem detém a competência para a escolha e nomeação de um entre os três nomes enviados pelos Tribunais.
Esclareço, no entanto, que o quinto constitucional na Justiça do Trabalho nada tem a ver com a representação classista mantida até 1999. Isso porque a representação classista, nos moldes criados em 1934, tinha por escopo facilitar a conciliação, de cunho administrativo, na solução de conflitos entre empregados e empregadores, sendo os Juízes classistas, naquela época, defensores declarados das classes as quais representavam; ao passo que os Magistrados oriundos do quinto constitucional servem para agregar ao Judiciário a experiência de outras carreiras da organização judiciária (da advocacia e do Ministério Público), através de uma visão mais progressista, humanista e dinâmica da prestação jurisdicional.
III- ESTRUTURA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
A estrutura da Justiça do Trabalho brasileira é dividida em 24 regiões, sendo o Rio Grande do Sul, a 4ª Região.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região conta, atualmente com 48 desembargadores, sendo que, destes, 05 são oriundos da advocacia e 05 do Ministério Público do Trabalho. Conta, ainda, no âmbito do primeiro grau, com 132 Varas de Trabalho e 10 Postos do Trabalho.
A estrutura organizacional do TRT da 4ª Região contém:
➢ Tribunal Pleno
➢ Órgão Especial
➢ Seção de Dissídios Coletivos
➢ Primeira Seção de dissídios Individuais
➢ 2ª Seção de Dissídios Individuais
➢ Seção Especializada em Execução e
➢ 11 Turmas Julgadoras
A direção do TRT é desempenhada pelo Des. Presidente, pelo Des. Vice Presidente, pelo Corregedor e pelo Vice Corregedor.
As decisões, no âmbito do 1º grau, são proferidas por Juízo monocrático, ao passo que as decisões de 2º grau são proferidas por um Colegiado.
No âmbito do Brasil, computadas todas as regiões, somente em 2013, foram 3.859.621 novas ações trabalhistas ajuizadas.
Atualmente, a Corte Trabalhista gaúcha movimenta grande número de processos, sendo que somenteem 2013 foram recebidos 160.995 processos no primeiro grau. E, no âmbito do segundo grau,59.169 processos, sendo que, no 2º grau, o prazo médio, entre a autuação e o julgamento dos processos, é de 95 dias.
O crescimento acumulado na última década foi de 35,86%. Isso se deve a inúmeros fatores como a crise econômica mundial, o histórico conflito entre capital e trabalho, e em razão da alteração da competência da Justiça do Trabalho promovida pela Emenda Constitucional 45/2004, a qual trouxe ao âmbito do judiciário trabalhista lides que antes eram debatidas na esfera civil.
IV- COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, além de outros acréscimos, agregou à competência da Justiça do Trabalho a apreciação, também, de lides envolvendo danos morais e patrimoniais advindos da relação do trabalho, o que inclui toda uma gama de indenizações de natureza civil, a exemplo de demandas envolvendo acidente de trabalho, assédio moral e assédio sexual.
V- DANOS MORAIS
As lides envolvendo reparação de danos morais estão se tornando corriqueiras na Justiça do Trabalho, supletivamente ou em conjunto com pedidos tipicamente trabalhistas, como férias, parcelas rescisórias, horas extras, etc.
A possibilidade de pleitear a reparação do dano moral, aliás, já se encontrava há muito tempo inserida na Constituição da República Federativa do Brasil, a qual em seu artigo 5º, incisos V e X, prevê:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O dano moral trabalhista decorre de lesão a bem extrapatrimonial causada a um dos sujeitos da relação de emprego ou da relação de trabalho.
Responsabilidade civil é a relação jurídica consistente no dever garantido por lei, obrigação ou contrato, de reparar, no campo civil, o dano moral ou patrimonial causado por ato próprio do agente ou por pessoa, animal, coisa ou atividade sob a sua tutela.
Responsabilidade trabalhista é o dever de reparar dano moral ou patrimonial causado a um dos sujeitos da relação de trabalho, em decorrência do vínculo.
O descumprimento das obrigações trabalhistas, o risco inerente à exploração da atividade econômica (art. 2º, caput, da CLT[2]) e a proteção do crédito do trabalhador geram a responsabilidade do empregador ou de terceiro garantidor e, consequentemente, o dever de compor o dano causado, quer o moral, quer o patrimonial.
A responsabilidade trabalhista pode derivar do contrato, como a de indenização consistente na incorporação da gratificação de função, pela reversão do cargo de confiança; de fato pré-contratual ou antecedente ao contrato, como a indenização por danos morais decorrente da discriminação na seleção de candidato a emprego; de fato pós-contratual, como a indenização por danos morais decorrente de informações inverídicas e depreciadoras das qualidades de ex-empregado e de fato extracontratual ou aquiliano, como a obrigação do sindicato de indenizar o empregador pelos prejuízos causados em decorrência de greve abusiva em atividade essencial.
(…)
Responsabilidade por dano moral consiste no dever de composição do dano físico ou psicológico imposto à pessoa humana, ao bom nome da pessoa jurídica ou ainda aos valores culturais de certa comunidade.
É possível classificar os danos morais trabalhistas em:
Individuais Subjetivos (sofrimento interior) ou Objetivos (sofrimento exterior no meio social)
Podem ser:
1) inerentes a atributos valorativos da personalidade (abrangendo tanto a integridade moral da pessoa física como da jurídica (honra e imagem)
O direito à honra é assegurado constitucionalmente (art. 5º, IX, da CF/88) e está relacionado à valoração da pessoa no âmbito da sociedade e é subjetiva, pois inclui não só o conceito que o indivíduo tem de si mesmo ou de sua dignidade, como, sob o prisma objetivo, sua reputação e fama no meio social.
Aliás, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[3], a ofensa à honra do trabalhador pelo empregador é causa de rescisão indireta do contrato de trabalho. Além disso, tal conduta enseja o direito do empregado de obter a respectiva indenização por danos morais, sem prejuízo de eventuais danos patrimoniais decorrentes do abalo à sua imagem pública.
2) Decorrentes de danos físicos ou materiais da personalidade = integridade física (saúde; subsistência; liberdade pessoal e de locomoção; etc.)
3) Decorrentes de ofensas a integridade psicológica da pessoa humana
São aqueles danos que importam emviolações à intimidade, vida privada, igualdade, liberdade sexual, autoria científica e artística.
Se inserem como ofensas à intimidade, por exemplo, a revista íntima (vedada no artigo 373, VI, da CLT) e o controle visual ou auditivo não autorizados; a discriminação religiosa ou sexual, etc.
No Brasil, a Lei nº 9.029/95 proíbe práticas discriminatórias em processo de admissão no emprego, no curso do contrato ou mesmo após sua extinção.
No que tange ao uso do e-mail nas empresas pelos empregados, o direito à intimidade do trabalhador, no entanto, fica mitigado pelo poder diretivo do empregador, posto que se trata de ferramenta de trabalho e não de instrumento de uso particular.
Danos Morais Coletivos
Nas relações de trabalho, o dano moral coletivo é aquele que atinge um grupo de trabalhadores, quando a ofensa é dirigida pelo empregador a todos os seus empregados ou a um grupo. É comum em situações como as de trabalho escravo; descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho; racismo; violação à liberdade sindical; etc.
O direito moral coletivo, de regra, é tutelado pelo Ministério Público, através de Ação Civil Pública, que é quem detém a legitimidade para a defesa de interesses sociais ou difusos, individuais de incapazes e homogêneos, a fim de obter provimento de caráter inibitório e compensação de prejuízos morais desta natureza. Admite-se, no entanto, a legitimidade dos Sindicatos para promoverem Ação Civil Pública na defesa de interesses das categorias que representam.
Geralmente, nos danos coletivos, a indenização é revertida em prol da comunidade atingida, como, por exemplo, ao fundo de amparo ao trabalhador (FAT).
VI- ASSÉDIO MORAL
Conforme Alexandre Agra Belmonte[4]:
Afetam a dignidade os constrangimentos impostos pelo empregador ao empregado, mormente perante os colegas de trabalho ou clientes. Tais constrangimentos são moralmente ressarcíveis, eis que ofendem a autoconsideração e/ou consideração social, expondo a pessoa a situações humilhantes.
É direito da personalidade o respeito à condição pessoal e profissional do trabalhador, constituindo constrangimento moral o comportamento patronal indigno, decorrente do exercício abusivo do poder de comando no tratamento pessoal do empregador.
Quando os constrangimentos dirigidos a um determinado empregado são constantes e reiterados, resta, então, caracterizado o assédio moral. Aliás, o que caracteriza, de fato, a situação típica de assédio moral é que, nestes casos, a conduta do assediador é reiterada, não se tratando de ato único.
Tais constrangimentos ou humilhações envolvem diversos tipos de condutas ilícitas por parte do empregador tais como: xingamentos públicos; exigência de metas impossíveis; zombarias inadequadas; deixar o empregado sem atribuição laboral; proceder à transferência do empregado de setor ou de cidade com fuim punitivo; compelir o trabalhador a adquirir produtos da empresa, etc.
A ofensa aos atributos valorativos do empregado, com humilhações ou xingamentos, representa extrapolação do poder diretivo e disciplinar do empregador, representando ofensa à dignidade humana, passível de indenização por danos morais.
Muitas vezes a situação de assédio é tão grave que o empregado passa a desenvolver patologias psicológicas como depressão, síndrome de pânico, burnout[5], etc.
Rodolfo Mário V. Pamplona Filho e Renato da Costa L. de Goes Barros, em estudo recentemente publicado sobre o tema, explicam que:
o assédio moral será considerado como sendo um conjunto de condutas abusivas e intencionais, reiteradas e prolongadas no tempo, que visam a exclusão de um empregado específico, ou de um grupo determinado destes, do ambiente de trabalho através de ataques a sua dignidade, podendo ser comprometidos, em decorrência de se caráter multi-ofensivo, outros direitos fundamentais, a saber: o direito à integridade física e moral, o direito a intimidade, o direito ao tratamento não discriminatório, dentre outros. (A Distinção do Assédio Moral e Figuras Afins, LTr,77-08/950-6. agosto de 2013)
VII- ASSÉDIO SEXUAL
O assédio sexual é uma espécie de assédio moral, mas, neste caso, a intenção do assediador é a de obter favores sexuais do assediado, mediante ameaça de demissão, proposta de promoções, etc.
A grande dificuldade, nestes casos, é a da vítima comprovar as ações de seu algoz, porquanto, normalmente, tais situações não são testemunhadas por outras pessoas.
A liberdade sexual envolve liberdade individual de dispor do próprio corpo, naquilo que não for flagrantemente ilegal (pedofilia, etc.) ou contrariar os bons costumes (art. 13 do Código Civil Brasileiro), não podendo o indivíduo, por exemplo, ser discriminado por ser homossexual. Tampouco pode o empregador, coativamente, assediar sexualmente (verbal ou fisicamente) a seus empregados (quer sejam mulheres quer homens) no sentido de impor-lhes favores sexuais em troca da manutenção do emprego, consecução de promoções, etc.
Aliás, o assédio sexual, com o advento da Lei 10.224/2001, que acrescentou ao Código Penal o artigo 216-A, passou não só a gerar direito de indenização por danos morais, mas, também, a ser considerado crime, punível com detenção de um a dois anos de detenção.
Infelizmente, tal tipo de abuso ainda é muito comum nas relações laborais, sobretudo contra mulheres, a traduzir a discriminação que ainda existe na sociedade contra a valorização do trabalho da mulher.
VIII- RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NAS AÇÕES ACIDENTÁRIAS
O artigo 7º, inciso, da Constituição Federal traz em seu bojo a noção de que a responsabilidade civil do empregador depende de comprovação de culpa pelo dano, ao dispor que:
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Por sua vez, o Código Civil Brasileiro, em sua versão atual (de 2002), inovando ao conceito de responsabilidade meramente subjetiva (decorrente de culpa), contemplou a possibilidade do reconhecimento da responsabilidade objetiva do empregador (sem necessidade de constatação de culpa), quando constatado o ilícito indenizável.
Com efeito, consta do art. 927 do CC/2002:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Por sua vez, a noção de ato ilícito encontra-se nos artigos 186 e 187 do CC/2002:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A aplicação da teoria subjetiva ou da objetiva não é pacífica na jurisprudência, tendo ensejado duas posições distintas.
A primeira corrente entende que o parágrafo único do art. 927 do Código Civil Brasileiro não se aplica às hipóteses de acidente do trabalho, ao argumento de que a Constituição Federal tem norma expressa prevendo como pressuposto da indenização a ocorrência de culpa ou dolo.
A segunda corrente, à qual me filio, é no sentido de que o novo dispositivo tem inteira aplicação nos casos de acidente do trabalho, já que a previsão do inciso XXVIII do art. 7º deve ser interpretada em consonância com seu caput: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (grifo).
Além disso, a Constituição também prevê, no seu artigo 1º, como fundamento do Estado democrático de Direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, bem como, no artigo 170, que trata da ordem econômica, valoriza a livre iniciativa e o trabalho humano.
Particularmente nas ações acidentárias, entendo que a previsão do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil não é incompatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, haja vista que o princípio realmente consagrado constitucionalmente é o de que cabe indenização por reparação civil, independentemente dos direitos acidentários. Isso porque quando o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal Brasileira menciona a culpa ou o dolo do empregador para efeito de responsabilidade por acidente de trabalho, na verdade, não limita a hipótese à responsabilidade subjetiva.
Com efeito, a Constituição fixa apenas direitos mínimos, possibilitando ao legislador ordinário ampliar os direitos nela previstos, quando resultarem em melhoria para os trabalhadores. Nesse mesmo sentido, é o magistério de Sebastião Geraldo de Oliveira, para o qual a responsabilidade civil prevista no art. 7º, XXVIII, da CF, abrange todas as espécies, não havendo dúvida de que a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva visa à melhoria da condição social do trabalhador.
É preciso, de qualquer forma, para que o trabalhador faça jus à indenização pelos danos oriundos do acidente, perquirir acerca do nexo causal entre o dano e a atividade laboral exercida em prol do empregador.
Ainda, reconhece-se a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou mesmo quando a atividade, por si só, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, fixando-se a indenização pela extensão do dano, conforme se infere do artigo 944 do CC/2002:
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Admite-se a possibilidade de reparação por danos morais, aliás, em inúmeras hipóteses: ações acidentárias; discriminação; dano existencial; assédio moral; assédio sexual; etc.
Aliás, no Direito do Trabalho é possível sobrevir ato ilícito caracterizador de hipótese de dano moral até mesmo na fase pré-contratual ou mesmo após a extinção formal do contrato de trabalho (fase pós-contratual).
Ressalto, que, para a caracterização do dano moral, é desnecessário que a parte ofendida ou lesada demonstre o abalo psicológico ou a dor moral (posto que de difícil mensuração), bastando apenas que comprove a prática lesiva do empregador (ofensa à sua integridade física; humilhação sofrida pelo empregador; discriminação; etc.).
De destacar, também, que o dano moral não é exclusivo da esfera individual[6], podendo ser coletivo, na hipótese de prejuízo disperso ou difuso que atinja determinada coletividade (Ex. danos nucleares; danos resultantes das más condições de trabalho em uma empresa; trabalho escravo; etc.).
A quantificação do dano, no entanto, é tarefa que se reveste de certa subjetividade, devendo sempre ser proporcional ao dano e à capacidade econômica do ofensor, sem, no entanto, se olvidar do caráter punitivo e pedagógico da condenação. Pauta-se nos critérios de razoabilidade e proporcionalidade insculpidos no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Enfim, não basta meramente fixar uma indenização pelos danos morais ou patrimoniais causados ao trabalhador. É preciso a criação de políticas públicas que realmente criem um bom ambiente de trabalho e favoreçam a pacificação social dos conflitos trabalhistas.
Por fim, resta ao Julgador coibir as práticas ensejadoras de danos morais aos trabalhadores, assim como incumbe ao empregador manter ambiente de trabalho seguro e saudável a fim de resguardar a integridade física e psicológica de seus empregados.
IX- ANÁLISE DE ALGUNS CASOS CONCRETOS
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.LEGITIMIDADE. É parte legítima para ajuizar ação civil pública o Ministério Público do Trabalho quando almeja a tutela de direitos coletivos.
DANO MORAL COLETIVO. INOBSERVÂNCIA DE NORMAS DESEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS. É cabível a condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral coletivo quanto evidenciada de forma reiterada a conduta violadora de direitos coletivos stricto sensu, traduzida na violação a normas de segurança do trabalho que visam minimizar riscos de incêndio, previstas da NR 23 do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como determinações específicas da fiscalização do trabalho. (Proc. 0001564-20.2011.5.04.0025 RO – Relatora Desembargadora Beatriz Renck – 6ª Turma – TRT 4ª Região – julgado em 06/11/2013)
Proc. 0000805-55.2012.5.04.0014 RO – Sumaríssimo– Relatora Tânia Regina Silva Reckziegel – 7ª Turma do TRT da 4ª Região – julgado em 30.01.2013):
RECURSOS ORDINÁRIOS DAS PARTES - Matéria Comum
Dano moral A reclamada investe contra a sentença quanto ao dano moral. Sustenta que inexiste prova da ocorrência de abalo moral, afirmando que o relato da autora, em seu depoimento, não constitui prova suficiente. Alega que a testemunha da reclamante é comprometida, por pertencer ao sindicato profissional. Nega que, entre seus quadros, haja uma funcionária xxxxxx. Sustenta que a reclamante tinha ciência da existência de banheiros nos corredores do shopping e de que poderia utilizar uma placa com os dizeres "já volto".
A autora pretende a majoração do valor da indenização. Menciona que a indenização por dano moral tem, também, caráter pedagógico. Indica
parâmetros que entende deverem ser observados na fixação do quantum indenizatório.
A Magistrada a quo considerou comprovados fatos alegados pela reclamante e condenou a demandada ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por dano moral.
A reclamante relata, na inicial, que, no dia 27.05.2012 (domingo), trabalhou sozinha na loja da demandada, no Shopping xxxxxx, recebendo orientação de sua superior hierárquica para que não se ausentasse do estabelecimento em hipótese alguma. Na mencionada ocasião, a autora, diante da necessidade fisiológica e do fato de inexistir banheiro no interior da loja, urinou em um saco plástico. Afirma que, no dia seguinte, a gerente a loja, Sra. xxxxxx, na presença de outras funcionárias, questionou-a a respeito de sua atitude, dizendo-lhe que tinha sido anti-higiênica, que
deveria ter utilizado uma garrafa pet ou um balde.
Ao contrário do alegado pela reclamada, os documentos de fls. 17-9, em que consignada conversa em programa de mensagens instantâneas entre o marido da autora e outra empregada da ré, comprovam a ocorrência dos fatos narrados pela reclamante (inclusive quanto à existência de uma pessoa chamada xxxxxx entre as que trabalhavam na ré).
Inequívoca a afronta à dignidade da trabalhadora, não só em razão do constrangimento a que sujeita na presença de outros empregados, mas também em decorrência do impedimento à satisfação da necessidade fisiológica. Trata-se, portanto, de dano moral in re ipsa, fazendo jus a reclamante ao pagamento da indenização por dano moral.
A fixação do valor devido a título de indenização por dano moral deve amenizar o sofrimento do ofendido e, ao mesmo tempo, reprimir a conduta da empresa e desestimular a sua reincidência, sem, contudo, ensejar o enriquecimento sem causa da vítima. Para tanto, deve-se levar em conta a extensão do dano causado pelo ofensor e a capacidade patrimonial das partes.
Proc. 0000841-80.2012.5.04.0731 AIRR – Relatora Desembargadora Tânia Regina Silva Recziegel – 7ª Turma – TRT da 4ª Região – julgado em 12.08.2013:
JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Considera-se que para a configuração do abandono de emprego, deve restar demonstrado além do requisito objetivo (ausência injustificada do trabalho por período igual ou superior a 30 dias), também a presença do requisito subjetivo (ânimo do empregado de abandonar o emprego), o qual não restou caracterizado, porquanto demonstrado que, na situação retratada nos autos, o reclamante não tinha condições psicológicas à época de sua despedida de avaliar as consequências práticas de sua ausência reiterada ao trabalho.
(…)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen, in Origem e Fundamentos da Participação dos Advogados e de Membros do Ministério Público na Composição dos Tribunais Brasileiros: Reflexões sobre o Quinto Constitucional, Rev. TST, vol 71, nº3, set/dez 2005.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário V. e BARROS, Renato da Costa L. de Goes, in A Distinção do Assédio Moral e Figuras Afins, LTr,77-08/950-6. agosto de 2013.
GRAVATÁ, Isabelli. ANTUNES, Leandro. AIDAR, Letícia. BELFORT, Simone. CLT Organizada. LTR. 5ª Edição, 2014.
Informações Estatísticas do Tribunal Regional da 4ª Região – Rio Grande do Sul – Secretaria-Geral Judiciária - SEGJUD
[2] Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[3]Art. 483 da CLT - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
(...)
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
[5]Síndrome de burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freudenberger como "(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional". Os sintomas são variados: fortesdores de cabeça, tonturas, tremores, muita falta de ar, oscilações de humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e problemas digestivos.
[6]Ofensas a atributos valorativos da personalidade, nos quais se inserem a integridade moral da pessoa humana e a boa reputação da pessoa jurídica
(*)Tânia Regina Silva Reckziegel é Desembargadora Federal do Trabalho do TRT da 4ª Região – Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário