O Congresso Nacional e a precarização das relações de trabalho
(*) Carlos Eduardo de Azevedo Lima
O acompanhamento de proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional conduz à inquestionável constatação atinente à existência de um número cada vez maior de Projetos de Lei (PLs) que, tomando por base o velho discurso de que seria necessário “flexibilizar a legislação trabalhista”, buscam inserir no ordenamento jurídico, dia após dia, fundamentos para, isto sim, viabilizar uma crescente precarização das relações de trabalho.
Quem não acompanha o cotidiano do trâmite legislativo, pode imaginar, à luz da ampla repercussão que teve a recentíssima aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 66/2012, aprovada por unanimidade pelo plenário do Senado Federal na última semana do mês de março de 2013 e que garante, ao menos no plano formal, uma tardia isonomia dos trabalhadores domésticos em relação aos demais trabalhadores, que se viriam discutindo, em verdade, avanços na legislação laboral, sempre ampliando o leque de garantias e direitos assegurados à classe obreira, o que, todavia, está muito longe de representar a realidade fática.
Na verdade, proposições como a chamada “PEC das Domésticas” representam, lamentavelmente, o que se costuma rotular de “um ponto fora da curva”, em relação ao qual, reconheça-se, os parlamentares não haviam como tornar públicas suas eventuais divergências, até porque, em que pesem alguns comentários de cunho nítida e absurdamente preconceituosos com os quais temos nos deparado, muitas vezes com apoio de setores da própria mídia, não há como se sustentar qualquer discurso que venha a tratar determinados trabalhadores, de qualquer ramo de atividade que sejam eles, como obreiros de segunda ou terceira categorias, concedendo-lhes direitos inferiores aos reconhecidos aos demais trabalhadores, o que não se sustenta em qualquer debate minimamente razoável.
Mas, oportuno frisar, nada obstante essa importante vitória conquistada pela imprescindível observância do princípio isonômico basilar, representada pela aprovação da PEC 66, o fato é que aqueles que militam na defesa dos direitos sociais e, de maneira ainda mais específica, do direito do trabalho, deparam-se, cotidianamente, com uma pauta extremamente negativa no âmbito do Legislativo Federal, precisando concentrar todos os seus esforços para evitar retrocessos, ao invés de, como seria mais adequado, canalizá-los para a busca de avanços, o que resta prejudicado pela necessidade de trabalhar pela não aprovação de uma quantidade muito grande de projetos que trazem, muitas vezes de maneira mascarada, a perda de diversos direitos assegurados aos trabalhadores.
De fato, observa-se tramitar atualmente no Congresso Nacional – e na Câmara dos Deputados com maior ênfase que no Senado Federal – uma série de PLs de cunho nitidamente precarizante, que, de modo inquestionável, não têm outro intuito senão, sob a pretensa justificativa que se baseia na alegada necessidade de se reduzir os custos inerentes à folha de pagamento, trazem incontáveis – e muitas vezes inconstitucionais – prejuízos a toda uma gama de trabalhadores, cortando-se-lhes direitos históricos.
Isso o que se verifica, por exemplo, em relação ao PL 4.330/04, que trata da terceirização de forma ampla e, em muitos de seus dispositivos, faz isso a despeito da garantia de condições dignas de trabalho. Não menos preocupante é a situação atinente ao PL que institui o chamado “Código de Trabalho”, o qual, sob o pretenso pretexto de minimizar os custos empresariais para a competição comercial, flexibiliza em demasia a legislação trabalhista nacional sem que tenha havido sequer um maior debate com a sociedade a respeito.
Também nesse mesmo sentido, tramita, desde maio de 2011, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) n. 951/2011, de autoria do Deputado Júlio Delgado (PSB/MG), encontrando-se atualmente em discussão o substitutivo apresentado pelo Deputado Jorge Corte Real (PTB-PE), tendo como relator, na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comercio (CDEIC) o Deputado Guilherme Campos (PSD-SP), já tendo sido realizada, inclusive, audiência publica na referida Comissão daquela Casa Legislativa, da qual participou, dentre outras entidades, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), ocasião na qual teve a oportunidade de apresentar, de forma enfática, a sua preocupação com o projeto.
Especificamente no que tange ao PL 951/2011, há de se ressaltar, prefacialmente, que não discordamos da ideia central do projeto ora em discussão, consistente na necessidade de se buscar alternativas para combater a informalidade no mercado de trabalho, trazendo para o mercado formal um número tão expressivo de trabalhadores, que, conforme dados apresentados na justificação da matéria pelo autor do projeto, já atingiria 15 milhões de brasileiros.
Concordamos, também, que precisamos pensar em alternativas que venham a reduzir os encargos das microempresas e das empresas de pequeno porte – as quais, aliás, já recebem, não se pode olvidar, um tratamento diferenciado em nosso ordenamento jurídico, notadamente no que tange às esferas tributária e previdenciária –, inclusive buscando meios que venham a diminuir os custos de contratação, dentre outros.
Não reputamos conveniente nem tampouco razoável, contudo, que essa redução de encargos e de custos para as empresas se dê à custa da precarização das condições de trabalho, da subtração de direitos históricos dos trabalhadores, da supressão de direitos que lhes assiste nem muito menos da abertura de possibilidades que, certamente, em muito favorecerão o aumento significativo de fraudes, realidade, aliás, que já se verifica de modo assaz preocupante hodiernamente, mas que tende a se tornar ainda pior caso aprovado o referido projeto.
Ademais, não se pode concordar com a criação de “trabalhadores de segunda ou terceira categoria”, que passariam a ser os empregados de microempresas e das empresas de pequeno porte, haja vista, pelo chamado “Simples Trabalhista”, passarem a ser deles sonegados inúmeros direitos, a despeito do que se dá em relação aos demais trabalhadores, chegando-se ao ponto, até mesmo, de reduzir a 25% do que percebem os demais trabalhadores a alíquota dos depósitos na conta vinculada (FGTS), conforme será melhor explicitado a seguir.
Veja-se bem: não se está desconhecendo que grandes empresas têm melhores condições e, portanto, até podem conceder – e é extremamente recomendável que o façam – uma maior quantidade de benefícios aos seus trabalhadores (a exemplo de plano de saúde, inclusive odontológico, completo, previdência complementar, cursos de aperfeiçoamento, dentre inúmeros outros benefícios), mas não que só elas tenham de cumprir a legislação atualmente existente no que tange à concessão de direitos já reconhecidos aos obreiros, passando-se a relativizar tais obrigações quando se tratar de trabalhadores de microempresas e empresas de pequeno porte.
Na justificação do projeto, fala-se, por exemplo, que os altos custos trabalhistas “impõem despesas insustentáveis, o que desestimula o emprego formal e estimula o emprego informal”. Ora, mas o cumprimento da legislação constitui obrigação de todos, não havendo que se falar em desestímulo à observância do ordenamento jurídico, já que a ninguém é dado desobedecê-la, como todos sabemos.
Passemos, pois, à análise de alguns dispositivos constantes do projeto.
Há de se frisar, em verdade, que a análise se dá em relação ao substitutivo, que constitui o texto atualmente em tramitação, e, nesse sentido, vale frisar que concordamos com a ideia exposta no relatório do seu autor, o Deputado Jorge Corte Real (PTB-PE), no sentido de se facultar a inclusão no Simples Trabalhista – desde que, obviamente, o enfoque passasse a ser de outras medidas, como redução de tributos e de encargos junto ao Poder Público, para estimular as contratações e a formalização dos contratos de trabalho nas empresas que reconhecidamente detém menos recursos, mas nunca com supressão de direitos dos trabalhadores – de todas as micro e pequenas empresas e não apenas daquelas que possuem trabalhadores informais, até porque deixaria em situação desfavorável justamente aquelas que já têm todos os seus trabalhadores regularizados, ou seja, caso viessem a ser beneficiadas com o tratamento diferenciado apenas aquelas empresas que têm trabalhadores em situação irregular, informal, estar-se-ia prejudicando aquelas que tivessem empreendido todos os esforços necessários (ainda que lidando com dificuldades semelhantes ou até maiores que as outras que têm em seus quadros trabalhadores informais) para ter todo o seu quadro de empregados em situação regular.
Feito esse registro, e passando, pois, à análise propriamente dita de alguns dos dispositivos constantes do PL 651/2011, principiamos com a questão atinente à redução para o índice de 2% em relação ao FGTS dos trabalhadores, constante do art. 3º do substitutivo, com o que não se pode, seguramente, concordar, por razões mais que óbvias até, haja vista ser inconcebível que todos os trabalhadores recebam depósitos correspondentes a 8% de suas respectivas remunerações, ao passo em que os trabalhadores abrangidos por o projeto ora sob discussão teriam direito a apenas ¼ de tais depósitos, uma vez verificada a situação especificada no PL.
A inadmissibilidade de tal redução mostra-se ainda mais flagrante quando se observa que essa significativa diminuição nos depósitos alusivos ao FGTS se destina aos casos em que o trabalhador não tenha conta individualizada ou, na existência desta, nela não tenham sido efetivados depósitos há mais de dois anos. Ora, o que se constata é que essa previsão penaliza duplamente aquele que já vem tendo seus direitos subtraídos e, justamente por isso, por não virem sendo observadas as normas atinentes ao FGTS, ele será mais uma vez penalizado, deixando de fazer jus ao percentual de 8% e, durante o período de 05 anos (!!), perceberá apenas 25% desses valores.
Frise-se, por oportuno, que não há de se dar qualquer guarida a eventual alegação no sentido de que isso não seria automático porque a aplicação do dispositivo estaria condicionada à “aceitação do contratado” quanto ao percentual proposto, conforme previsto na alínea “b” do inciso VIII do art. 3º do substitutivo. Primeiro, porque não há qualquer resquício de dúvida de que o trabalhador não teria como deixar de aceitar tal condição, sob pena de não ser sequer contratado. Por outro lado, ainda que essa hipótese (da não aceitação) fosse factível no mundo real, passar-se-ia a ter, numa mesma empresa, exercendo a mesma função e em condições idênticas de trabalho, um empregado tendo normalmente seus depósitos na conta vinculada de FGTS com respeito ao percentual de 8% de sua remuneração, ao passo em que outros, que tivessem subscrito sua aceitação com a redução do percentual (reitera-se a pergunta: há alguma dúvida de que o trabalhador não tem como exercer a sua autonomia e deixar de aceitar, sob pena de não ser contratado ou, já o tendo sido, vir a ser desligado dos quadros da empresa? Obviamente que a resposta negativa se impõe), teriam depósitos da ordem de apenas 2%, num tratamento distinto entre esses dois trabalhadores aqui mencionados à guisa de ilustração, sem que houvesse qualquer justificativa para tanto.
Outra questão que preocupa e que, ao nosso sentir, não se fundamenta nem muito menos se justifica diz respeito à possibilidade de se dar opagamento do 13º salário em até 06 parcelas, o que traz inegáveis prejuízos ao trabalhador, além de prejudicar, também, a própria razão de ser, de existir da gratificação natalina, prevista para ser uma verba extraordinária, a ajudar o trabalhador e sua família com despesas também extraordinárias, notadamente no período do final do ano (mas não apenas neste), sentido este que se mostra indiscutivelmente perdido com a diluição do pagamento da verba em até 06 parcelas. Oportuno destacar, ademais, que até mesmo para o comércio e para a macroeconomia do país os prejuízos trazidos por tal dispositivo (previsto no art. 2º, II, “b”, do substitutivo) são inquestionáveis, uma vez que essa diluição do pagamento do décimo terceiro acaba com o reconhecido efeito de movimentar, de maneira efetiva e substancial, a economia no período em que, costumeiramente, os trabalhadores percebem sua gratificação natalina.
Destaque-se, mais uma vez, que a suposta necessidade de acordo escrito com o empregador para que seja possível esse parcelamento não constitui nenhuma garantia para o trabalhador, uma vez que sabemos que o poder de o trabalhador vir a negar-se a subscrever o instrumento é praticamente nulo, para dizer o mínimo.
Não são menores, com o devido respeito, as críticas que merecem ser feitas em relação à possibilidade de fixação do horário normal de trabalho do empregado durante o gozo do aviso prévio. Sabe-se, em verdade, que o horário diferenciado nesse período tem justamente por escopo permitir que o trabalhador possa vir a buscar uma nova colocação no mercado de trabalho. Não há, pois, como se admitir que se venha a desvirtuar essa finalidade legal, que é, inclusive, lógica. Mas é exatamente isso o que busca fazer o art. 2º, II, “a”, do substitutivo.
O art. 9º do substitutivo traz outra questão preocupante, concernente à redução do intervalo intrajornada, para menos de 01 hora, ao passo em que o art. 2º, I, “b” do substitutivo nos leva à possibilidade de supressão do pagamento das horas extraordinárias (o que se torna ainda mais preocupante por prever o longo prazo de 01 ano para compensação), o que nos parece extremamente inadequado, na falta de melhor vernáculo.
Nesse sentido, convém que não seja olvidado que questões atinentes a jornada de trabalho têm relação direta com a saúde do trabalhador e, também, com a própria segurança do trabalho, já sendo demonstrado pelas estatísticas que os acidentes ocorrem com muito maior incidência com trabalhadores que laboram em sobrejornada, não sendo oportuno vir a tratar dessa questão da maneira como proposta no projeto, ainda mais em se considerando que esse tratamento diferenciado seria destinado apenas aos trabalhadores que fossem empregados de microempresas ou empresas de pequeno porte, ou seja, aqueles tratados, na realidade fática (notadamente na hipótese de aprovação de algum projeto da espécie deste que ora se analisa), como “trabalhadores de segunda categoria”.
Tratando-se de questões concernentes à segurança, à saúde e à medicina do trabalho, extremamente preocupante se mostra, também, o fato de o § 5º do art. 3º do substitutivo imputar exclusivamente ao SUS e aos Ministérios do Trabalho e da Previdência a adoção das medidas necessárias para cumprimento dos programas de segurança e medicina do trabalho, o que, na prática, significa que medida alguma será adotada, ficando as obrigações como algo meramente formal, o que é lógico concluir que ocorrerá caso se deixe de responsabilizar o empregador pela adoção das providências que venham a se mostrar necessárias para resguardar o meio ambiente laboral. Não se pode olvidar, nesse sentido, os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho, segundo o qual“responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo – ubi emolumentum, ibi ônus”.[1]
Tudo isso, destaque-se, vai tornar ainda mais grave e letal uma triste realidade em que se constata milhões de trabalhadores sendo vitimados todos os anos, muitas vezes mortalmente, o que, lamentavelmente, só tende a piorar, e muito, com essa tentativa de se retirar a responsabilidade das microempresas e das empresas de pequeno porte em relação ao meio ambiente de trabalho ofertado aos seus obreiros.
Acreditamos, ainda, que diversos dispositivos constantes do substitutivo, como aquele (a exemplo do seu art. 2º, VII) que permite a celebração de contrato de trabalho por prazo determinado indiscriminadamente (independentemente de se tratar de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a preterminação do prazo, ou de atividades empresariais de caráter transitório, que são justamente, junto com o contrato de experiência, os casos que justificam a contratação por tempo determinado), assim como a possibilidade, prevista no art. 10, de o TRCT não mais precisar contar com a assistência da entidade sindical ou da autoridade do MTE – quando houver “opção escrita do empregado dispensando esses procedimentos” –, irão favorecer, inquevocamente, o surgimento de FRAUDES.
Primeiro porque, em relação a esta última questão, não há, na prática, como o trabalhador vir a resistir à subscrição dessa mencionada “opção escrita”. Por outro lado, em relação à questão do trabalho por prazo determinado, a condição é que “o contrato implique acréscimo no número de empregados formais da empresa”, como se, pelo simples fato de se aumentar o número de empregados, seja a que custo for, tudo passasse a ser permitido, tudo valesse. Seria esse fundamento o mais adequado?. Entendemos, na verdade, que a resposta negativa se mostra imperativa.
Reputamos, ademais, extremamente perigoso, e também como porta aberta para a existência de fraudes a estipulação de ARBITRAGEM para a resolução de conflitos individuais de trabalho, prevista no art. 2º, VI, do substitutivo. Em verdade, nosso posicionamento, quanto a essa questão, apresenta-se no sentido de que a arbitragem não deve ser adotada em casos individuais na seara trabalhista, pela própria situação desfavorável e de hipossuficiência do trabalhador. É bem verdade que há situações admitidas e que guardam similitude, como se dá em relação às Comissões de Conciliação Prévia, por exemplo, mas sempre se há de ressaltar a possibilidade de, se necessário, levar a discussão da questão ao Judiciário posteriormente, sem se vedar, sob nenhuma hipótese, a possibilidade do controle jurisdicional, o que, aliás, já é assegurado pelo texto constitucional, que há, obviamente, de ser observado.
Chama a atenção o disposto no art. 7º do substitutivo, o qual trata da extinção da pretensão punitiva do Estado que tiverem trabalhadores informais e que vierem a formalizá-los em até 01 ano. Primeiramente, porque se considera esse prazo demasiadamente longo, já que nada justifica que se leve um ano para se registrar um trabalhador. Até se poderia concordar, como estímulo à formalização, se fosse determinada a regularização imediata, e sempre ressaltando que a inexistência de multas diz respeito, exclusivamente ao Estado, mas não àquelas que sejam eventualmente devidas aos trabalhadores. Não se pode olvidar, ademais, que os ônus da atividade empresarial são do empregador, do empresário, não podendo ser tais ônus transferidos para os trabalhadores.
Quanto a algumas outras questões, pretendemos não tecer maiores comentários, embora façamos questão de, desde já, fazer alguns poucos e breves registros. Dentre esses, reportamo-nos ao disposto no art. 2º, III, do substitutivo, que trata da concessão dos benefícios da assistência judiciária, indiscriminadamente, aos empreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, o que nos parece exagerado, até porque está-se a cuidar de empresas com receita bruta de até R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) por ano, sendo o caso, talvez, de se fazer distinção entre as hipóteses em que seja a assistência efetivamente necessária, não se estando aqui a discutir, esclareça-se, se somente os empregados poderiam ser beneficiários.
A redução do depósito recursal, ao nosso ver, conquanto também se mostre como medida possível, merece, contudo, uma reflexão mais aprofundada, notadamente quanto aos percentuais propostos de redução, que chegam a 75% para as microempresas e a 50% para as empresas de pequeno porte, conforme previsto no art. 2º, V, do substitutivo. Faz-se essa observação, em especial, porque, nessas faixas de faturamento, a redução se dá de maneira generalizada, o que não se reputa como o mais adequado. Ademais, não há como se olvidar que o depósito recursal não possui, na Justiça do Trabalho, natureza jurídica de taxa judicial ou emolumento, mas sim de “garantia de execução futura”. Esse o entendimento do TST, segundo o qual, inclusive, ainda nos casos em que se concede a assistência judiciária ao empregador, esse benefício não alcançaria o depósito recursal, a exemplo do que decidiu a Suprema Corte Trabalhista nos autos do Processo RR-338/2002-654-09-00.3 Data de Julgamento:13/06/2007, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 22/06/2007.
Do mesmo modo, em relação à faculdade de se fazer substituir ou representar perante a Justiça do Trabalho “por terceiros que conheçam dos fatos, ainda que não possuam vínculo trabalhista ou societário”, prevista no inciso IV do art. 2º do substitutivo, não vemos maiores problemas, desde que, obviamente, condicione-se tal “substituição” ou “representação” à concessão de amplos poderes, sob pena de acabar favorecendo manobras protelatórias, não raras vezes verificadas com o intuito de postegar ou até mesmo inviabilizar a solução dos casos sob a alegação de não se ter poderes suficientes para, por exemplo, celebrar um acordo, ou, o que é ainda pior, buscar-se a invalidação do instrumento posteriormente, sob a alegação (costumeiramente apresentada em nítida demonstração de má-fé) de que o subscritor do acordo não tinha poderes para celebrá-lo, inobstante tenha sido indicado para representar a empresa na audiência.
Observa-se, em suma, que muitas são as questões a serem melhor aprofundadas em relação ao texto do projeto e de seu substitutivo, merecendo especial destaque o fato de que, conquanto se concorde com a imprescindibilidade de adoção medidas que venham a levar à extinção ou pelo menos à diminuição da informalidade no mercado de trabalho, não se pode tolerar que tais medidas sejam adotadas à custa de uma cada vez mais crescente precarização das condições de trabalho, suprimindo-se dos trabalhadores inúmeros direitos, nem muito menos se há de admitir a criação de trabalhadores de “segunda categoria”, conforme já se ressaltou alhures e aqui se reitera.
O combate à precarização nas relações de trabalho e, de forma especial, de proposições legislativas de cunho nitidamente precarizante em trâmite no Congresso Nacional demanda um acompanhamento diuturno, a fim de se evitar que a realidade hodiernamente constatada no que tange a essa desenfreada busca de supressão de direitos e de conquistas trabalhistas históricas, que já é grave, torne-se ainda pior.
(*) Carlos Eduardo De Azevedo Lima é Procurador do Trabalho, lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região (Natal/RN). Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
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