segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Dominado há 30 anos por família, sindicato dos comerciários do Rio sofre intervenção.

Dominado há 30 anos por família, sindicato dos comerciários do Rio sofre intervenção

Categoria pode somar até 500 mil trabalhadores de acordo com a época, mas apenas 3,8 mil são sindicalizados: distância da luta e farra dos dirigentes levou a perda de legitimidade e endividamento
por Maurício Thuswohl, especial para a RBA publicado 21/10/2014 11:02, última modificação 21/10/2014 15:16

Categoria pode somar até 500 mil trabalhadores de acordo com a época, mas apenas 3,8 mil são sindicalizados: distância da luta e farra dos dirigentes levou a perda de legitimidade e endividamento
Reprodução/ Facebook
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Otto Mata Roma, terceiro na linhagem da família a presidir o sindicato: privilégios desde tempos da ditadura
Rio de Janeiro – Celebrado ontem (20), o Dia do Comerciário foi duplamente comemorado pela categoria no Rio de Janeiro. Três dias antes, o Sindicato dos Empregados do Comércio do estado, entidade completamente afastada da base e acusada de inúmeras irregularidades e dominada há mais de três décadas pela mesma família, sofreu intervenção por decisão do juiz Marcelo Moura, da 19ª Vara do Trabalho.
O empresário do ramo de aviação Otton Mata Roma, terceiro membro do clã a ocupar a presidência do sindicato e com vencimentos mensais de R$ 52 mil, foi sumariamente afastado do cargo. Caberá ao interventor nomeado pela Justiça, o desembargador e ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) Aloysio Santos, convocar eleições em 90 dias e devolver à categoria sua entidade. Atualmente, somente são sindicalizados no Rio de Janeiro 3,8 mil comerciários, de um total de 300 a 500 mil, de acordo com época do ano, que trabalham no estado. O Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio é filiado à UGT.
A decisão judicial, tomada em caráter liminar, foi provocada por uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) que, desde 2006, investiga as irregularidades no sindicato. Toda a família que controla a entidade teve seu afastamento determinado pelo juiz.
Antes de Otton, que comanda o sindicato há oito anos, o presidente era seu pai, Luisant Mata Roma, já falecido, que passou a controlar o sindicato graças às suas ligações com a ditadura militar. Ele permaneceu no cargo por 36 anos. Atualmente, a mãe, a mulher, duas irmãs e a tia do presidente trabalham no sindicato, com salários mensais que vão de R$ 8 mil a R$ 32 mil. Enquanto isso, no acordo coletivo assinado para a categoria o sindicato autoriza que o empregador pague aos comerciários somente R$ 675 mensais, valor menor do que o salário mínimo nacional.
A Justiça do Trabalho ordenou também o afastamento do vice-presidente, Raimundo Ferreira Filho, e do tesoureiro, Juraci Vieira da Silva Júnior, ambos há 30 anos no sindicato e com salários mensais de R$ 52 mil, além do secretário geral, Gil Roberto da Silva e Castro, com salário de R$ 32 mil. Somente com o não pagamento dos diretores e funcionários afastados, a folha salarial do sindicato foi reduzida em espantosos R$ 1 milhão. Tanto dinheiro era obtido com a arrecadação do Imposto Sindical e com a contribuição assistencial obrigatória prevista nas convenções coletivas de trabalho da categoria.
“Veja bem que os vultosos salários eram declarados no Imposto de Renda. Não inclui retiradas, não inclui bônus. Nós estamos com os contracheques de outubro. A mulher do Otton Mata Roma ganha R$ 29 mil, a mãe dele ganha R$ 13 mil, a tia R$ 11 mil, a irmã Mônica ganha R$ 32 mil e a outra irmã, Patrícia, ganha R$ 8 mil. Um irmão do tesoureiro ganha R$ 28 mil e outro ganha R$ 4 mil. E o detalhe é que não estamos falando de trabalhadores. Nenhum deles sequer aparece no sindicato. Recebem sem trabalhar”, disse à RBA um dos integrantes da equipe de intervenção.
Além de outros 11 diretores que ganham entre R$ 10 mil e R$ 14,5 mil, o sindicato tem uma Comissão Eleitoral com mandato de maio a dezembro, com custos de R$ 20 mil por mês: “São dirigentes da UGT que estão em São Paulo e ganham entre R$ 2,5 mil e R$ 4,5 mil para vir periodicamente ao Rio, com hospedagem paga”, diz a fonte.

Denúncias

A primeira denúncia contra a direção do Sindicato dos Empregados do Comércio, em 2006, foi anônima. Mas, o STJ mandou trancar o processo, alegando que este não poderia ser iniciado por um denúncia anônima e que o réu tem amplo direito de defesa, inclusive em saber quem o acusa. Para contornar essa situação, o MPT-RJ optou por dar entrada em uma ação civil pública que agora tem seus desdobramentos.
O integrante da Justiça do Trabalho diz que até o final das investigações novas denúncias podem surgir: “Existem falcatruas que sabemos que existem, mas ainda não foram detectadas. Alguns contratos assinados indicam que houve desvio de recursos. O poder do sindicato é muito grande, são 60 acordos coletivos de diferentes setores dos comerciários. O Rio é um dos poucos estados onde as categorias comerciais não constituíram sindicatos pequenos. Há um sindicato só para tudo isso.”
Além do imposto sindical mensal de R$ 20, todo trabalhador tem que dar ao sindicato R$ 80 na forma de contribuição assistencial obrigatória: “Como o sindicato não tinha pernas para arrecadar tudo isso sozinho, decidiu terceirizar a cobrança. Em 2012, a própria família montou uma empresa para arrecadar as contribuições dos comerciários, cobrando 45% de comissão sobre um total de arrecadação que varia entre R$ 200 milhões e R$ 400 milhões, um valor altíssimo. O dinheiro entra direto na conta deles, sem nenhum tipo de controle”, diz o membro da equipe de intervenção.

Família rica, sindicato endividado

Paralelamente ao controle do sindicato, a família Mata Roma entrou em 1998 no ramo da aviação, sendo atualmente proprietária de duas empresas de táxi aéreo. A decisão da Justiça, no entanto, também torna indisponíveis os bens móveis e imóveis da família e dos demais dirigentes afastados, o que inclui barcos, haras, automóveis e propriedades de luxo.
O sindicato, por sua vez, chafurda em dívidas, algumas com anos de existência. O montante de impostos devidos, segundo a Receita Federal, se eleva a R$ 45 milhões. Nem mesmo o INSS dos cerca de 300 funcionários do sindicato com salários entre R$ 1,5 mil e R$ 2,5 mil está regularizado. O interventor nomeado será também responsável por conduzir uma auditoria nas contas do sindicato: “Aparentemente, é uma estrutura assistencialista que tem creche, escola, asilo para idosos e colônia de férias. Mas, tudo é fachada e funciona muito mal”, diz a fonte.
O desprezo dos dirigentes sindicais afastados em relação à categoria também é evidente: “Os acordos celebrados com os patrões não previam sequer plano de saúde ou tíquete-refeição. Essa diretoria não pode representar a classe porque eles não são comerciários. São empresários que, de forma abusiva, utilizaram durante muitos anos o sindicato para benefício próprio”, diz o procurador do trabalho João Carlos Teixeira, um dos autores da ação civil pública.
No próprio sindicato, a falta de respeito com os funcionários mais humildes é prática comum: “Logo na chegada ao sindicato, fomos abordados pela primeira pessoa que vimos, o porteiro, que disse ganhar R$ 800 por mês e se queixou de que suas horas extras foram cortadas, embora ele trabalhasse doze horas por dia”, diz o integrante da equipe de intervenção, acrescentando que “no estado do Rio de Janeiro, ninguém pode receber menos do que R$ 975,00”.

Novas eleições

Ainda cabe recurso à decisão da 19ª Vara do Trabalho, mas, no caso de uma ação civil pública, qualquer recurso só pode ser pedido diretamente ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho. Este, por sua vez, já disse que manterá a decisão liminar.
O maior desafio da equipe de intervenção será organizar as eleições do sindicato, e o primeiro passo para isso é informar a categoria sobre sua entidade representativa. Nos anos de domínio da família Mata Roma, não havia eleições, e a diretoria era eleita por aclamação em assembleias.
Todos os afastados estão impedidos pela Justiça de participar das próximas eleições. Após o período de intervenção e o término das auditorias, o caso será remetido à esfera criminal: “Os valores que os dirigentes recebiam como salário caracteriza lesão ao patrimônio do Sindicato dos Comerciários”, diz o juiz Marcelo Moura.

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